“Pessoas estão sumindo”, “usuários se tornam zumbis”, essas duas frases estão entre os relatos mais frequentes de quem já viu como funcionam as chamadas “drogas K”. Elas invadiram grandes cidades brasileiras e assustam as autoridades. Só em São Paulo, a Secretaria da Saúde informou que, até o momento, em 2023, o número de notificações de casos suspeitos de intoxicação por essas substâncias dobrou em comparação com o ano passado.
Os canabinoides sintéticos – nome técnico das drogas K – podem ter efeitos devastadores para o corpo humano. As substâncias também podem ser conhecidas por meio das nomeclaturas K2, K4, K9 ou até spice. O efeito da droga é tão poderoso que um indivíduo pode se tornar dependente já na primeira dose.
Muitas pessoas costumam chamar as drogas K de canabinoides sintéticos, mas o termo maconha sintética é errado. A explicação é um pouco mais complexa, mas, em resumo, as drogas K se ligam ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum, mas em uma potência até 100 vezes maior. Inclusive, o Governo de São Paulo já disse que os efeitos da droga pode ser piores do que o do crack.
Conhecidas há mais de seis décadas pela ciência, as drogas K foram inicialmente desenvolvidas e estudadas como tratamentos para várias doenças, como dores crônicas. No meio de testes em busca de novas curas para doenças, especialistas tentaram conter o efeito psicoativo da substância. Contudo, o contrário aconteceu.
Com o tempo, esses produtos foram parar no mercado ilegal e hoje são vendidos por traficantes. As drogas K são feitas em laboratórios clandestinos a partir de mudanças nas estruturas químicas das substâncias.
Mas afinal, como as drogas K se manifestam no nosso corpo? Para entender esse caminho, a reportagem conversou com especialistas.
Como as drogas K se manifestam?
O farmacêutico e professora de Toxicologia Geral e Clínica da Universidade Positivo Felipe Lukacievicz Barbosa destaca que os canabinoides sintéticos estão conquistando espaço no mercado ilícito mundial. Segundo ele, já foram identificados mais de 300 canabinoides sintéticos diferentes por polícias do mundo inteiro.
Como já dito anteriormente, as drogas são produzidas em laboratórios e derivadas de uma molécula base. “A produção vai para o laboratório e é sem controle. A gente não consegue predizer um mecanismo de ação da droga”, diz
Entre os principais efeitos das drogas K estão a dependência química, aumento de depressão, paranóia, frequência cardíaca acelerada, agressividade e alucinações. Dependendo da dosagem, Felipe ressalta que essas substâncias podem levar a overdose e até morte.
“Como essas drogas são feitas em laboratórios clandestinos eles pegam solventes e vão fazendo isso em substâncias aleatórias. As vezes na hora da produção pode ser feita uma molécula nova com novos agravos. Maconha sintética até menospreza os dados que essas drogas podem causar”, explica o especialista
Felipe afirma que o usuário da droga K fica sem responsividade a estímulos. “Algo que lembra muito os zumbis que são retratados em séries e filmes. Com isso, elas acabam tendo um efeito mais potente e alguns são potencializados pelos próprios usuários. São essas moléculas que surgem em uma estrutura química diferente”.
Fiscalização difícil
A professora do curso de Farmácia da UFPR e especialista em Neuropsicofarmacologia Janaina Menezes Zanoveli destaca que as drogas K se acoplam nos receptores de forma intensa e causam efeitos imprevisíveis.
“Os receptores canabinoides tem mais densidade no sistema nervoso central e a gente pensa hoje que a fiscalização desse mercado ilegal é complicada. Eles formam líquido e são usadas de várias formas em selos, líquido, misturam com nicotina, são usados de maneira suja e que dificultam a fiscalização”
Felipe afirma que as drogas K podem ser usadas de diversas formas e chegam ao pulmão e sistema circulatório. Outra ação dela é no cérebro e em vários outros tecidos do corpo. “Substâncias sintéticas agem nas moléculas naturais do nosso corpo. Ela vai se ligar nas moléculas receptoras no mecanismo chave/fechadura. Essa droga sintética é a chave da fechadura do nosso corpo e ativa diferentes regiões do sistema nervoso central”.
Janaina ressalta que essas substâncias geram pelo menos R$ 1 milhão / mês para o tráfico de drogas e comércio. “Algo que assusta e pode ser mais uma crise para ser enfrentada”.
“Os receptores modulam a liberação de neurotransmissores. É uma liberação de esfera intensa que ativa de locução, alucinação. O potencial de dependência é extremamente alto!”, diz Janaina
Para a especialista, o proibicionismo das drogas fortalece o mercado das drogas K. “Eles produzem o sintético, algo que é difícil fiscalizar e pode ser usado de várias formas. O indivíduo não sabe o que vem ali, vem misturado com outro cheiro”.
Começou nos presídios
De acordo com o médico psiquiatra especialista em dependência química e professor da PUC PR Dagoberto Requião, as drogas K têm agravantes tão brutais que é difícil de identificar. “São colocadas no meio de chás, chamam de microponto, a droga é borrifada em folha A4 e rende um pedaço”, diz.
Ele explica que a disseminação das substâncias começou nos presídios de São Paulo. “Os presos recebiam cartas da família borrifadas com maconha sintética. A grande tragédia anunciada é a violência dessas drogas”.
Atuando no atendimento de pacientes que experimentaram a droga, Dagoberto conta que o quadro após o uso é o pior que se pode imaginar. “Indivíduo fica totalmente fora da razão”.
Papel dos pais
Na hora de lidar com pacientes em dependência química, Dagoberto explica que os psiquiatras têm técnicas para conversar com o paciente sobre o uso da droga. No começo do tratamento é preciso identificar se há outras patologias psiquiátricas que acontecem ao mesmo tempo.
“Um indivíduo pode usar drogas para tentar aliviar a depressão e não tem a percepção do que acontece com ele”
Para o psiquiatra, os pais precisam conversar com os filhos sobre o assunto. Afinal, a droga se propaga com facilidade. “Do ponto de vista social é uma tragédia!”. Por isso, é fundamental que os pais estejam atentos ao comportamento dos filhos.