A Justiça Federal reconheceu nesta 6ª feira (8.nov.2024) a legalidade da transferência da Amazonas Energia para a Âmbar Energia –braço do grupo J&F, dos irmãos Batista, no setor energético. O termo autorizou a transferência assinada no último dia da MP (medida provisória) 1.232 de 2024, que autorizava a operação. Algumas assinaturas foram registradas no documento minutos depois do prazo. Eis a íntegra da decisão (PDF – 40 kB).
Por conta das assinaturas fora do prazo, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) questionou a validade do documento na Justiça. A agência pode recorrer da decisão. Leia a íntegra da contestação da Aneel apresentada em outubro (PDF – 160 kB).
Na decisão, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe escreveu que a agência reguladora incluiu o documento em seu portal digital às 23h58min37seg do dia 10 de setembro, e em seguida passou a exigir que o documento fosse assinado eletronicamente por todos os interessados antes de meia-noite. Dessa forma, a juíza entendeu que era impraticável.
Além disso, a juíza pontuou que em diversas oportunidades a Aneel tentou postergar a assinatura da transferência “evitando ou retardando o cumprimento das decisões judiciais” que determinavam a concretização da operação em benefício da Âmbar Energia.
“Ocorre que a disponibilização do documento ocorreu restando menos de 1min30seg, sendo tecnologicamente impossível que todos acessassem, lessem e assinassem em menos de 2 minutos. Poderia até ser risível se não fosse um documento público tão sério e de profundas consequências para a população amazonense que já sofre com pobreza energética há muitas décadas”, escreveu a juíza.
A juíza também destacou que a atuação da Aneel na operação deve ser futuramente investigada. “Mais um episódio que merece ser investigado na perspectiva da probidade e das normas penais, pois que toda ação e omissão de personagens públicas devem ser permeadas de moralidade e ausência de dolo ou culpa”.
Depois da manifestação da Aneel, de que a operação deveria ser invalidada em função das assinaturas fora do prazo, a Âmbar disse que todas as partes assinaram o termo de transferência de controle acionário da Amazonas Energia. Em nota, a empresa disse que a agência reguladora agiu de “má-fé” para obstruir e, posteriormente, cancelar a transferência.
Leia a íntegra da nota da Âmbar Energia:
“Todas as partes assinaram o termo de transferência de controle acionário da Amazonas Energia dentro do prazo de vigência da Medida Provisória 1.232/2024. A MP era válida até 11 de outubro de 2024, conforme a Constituição Federal, que prevê 120 dias a partir da data de publicação (13 de junho de 2024).
“Ainda que o prazo correto fosse o dia 10 de outubro, prevaleceria a assinatura da autoridade responsável pela aprovação, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que ocorreu às 23:59:01.
“Ademais, a Aneel disponibilizou o documento para a assinatura às 23:58:37 do dia 10 de outubro. Caso a tese da agência estivesse correta, estaria também configurada a má-fé da própria Aneel, ao inviabilizar a assinatura por todas as partes até a meia-noite. Registre-se que não acreditamos na má-fé, mas que se trate de mero desencontro de informações entre a diretoria geral que assinou o contrato e os procuradores da agência.”
Entenda o caso da Amazonas Energia
A Amazonas Energia é a concessionária de distribuição no Estado do Norte. Desde antes da sua venda, em 2018, da Eletrobras para a Oliveira Energia, já apresentava um elevado nível de endividamento e inadimplência com obrigações setoriais. Em novembro de 2023, a Aneel recomendou ao governo a extinção (caducidade) da concessão.
A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos. Só com as térmicas da Eletrobras Eletronorte que forneciam para a distribuidora –e que também foram vendidas para o grupo J&F–, a dívida ultrapassa R$ 10 bilhões.
Além de problemas antigos da distribuidora, o Amazonas enfrenta um problema sério com os furtos de energia. Como mostrou o Poder360, a taxa de perdas não técnicas, os chamados “gatos”, supera o volume de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no Estado.
Quando foi privatizada, em 2018, o governo deu à nova gestão da Amazonas 5 anos de prazo para colocar a concessão de pé. Nesse período, as principais metas regulatórias exigidas da distribuidora foram flexibilizadas, evitando penalidades e garantindo a operação. No entanto, o prazo acabou em maio deste ano e a situação, em vez de melhorar, piorou.
A transferência do controle, a preço simbólico e com regras mais flexíveis, foi a alternativa mais viável encontrada pelo governo federal para salvar o serviço de distribuição de energia no Amazonas. As alternativas, que seriam a caducidade da concessão ou intervenção na empresa, trariam elevados custos para os cofres públicos e para as contas de luz.
Em 13 de junho, o governo publicou a MP 1.232 de 2024. Estipulou a possibilidade de transferência do controle acionário como alternativa à caducidade (cassação) da concessão da distribuidora, recomendada pela Aneel em 2023. Como a MP não foi votada pelo Congresso perdeu a validade em 11 de outubro.