Às vésperas de mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com potencial de mobilizar as redes sociais, a dos Ataques Golpistas, governo e oposição têm preparado as armas que vão utilizar na arena digital. Um bom desempenho na batalha virtual é apontado pelos dois lados como decisivo para a vitória no campo legislativo. Parlamentares do PL apostam no engajamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e em antigos integrantes do chamado “gabinete do ódio”, grupo de ex-assessores palacianos especializado em atacar adversários políticos. Os governistas, por sua vez, têm montado uma equipe dedicada às redes e pretende pedir ajuda a influenciadores ligados à esquerda, como o youtuber Felipe Neto, que atuou em favor de Lula na campanha eleitoral.
A própria escalação dos integrantes da CPI têm sido feita por bolsonaristas levando em conta o poder de fogo nas redes. Das seis vagas reservadas aos deputados do PL — entre titulares e suplentes —, três dos escalados estão na lista dos dez mais influentes, de acordo com monitoramento da Genial/Quaest. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ocupa a quinta posição, enquanto André Fernandes (PL-CE), autor do requerimento da CPI, é o sétimo no ranking. O topo dessa lista é de Nikolas Ferreira (PL-MG), com 2,4 milhões de seguidores no Twitter, que ficará como suplente.
A estratégia do grupo passa por utilizar gabinetes que têm equipes mais estruturadas para trabalhar com a internet. A ideia é que essas pessoas forneçam banners e memes para os colegas. Entre eles está o de Nikolas, que tem entre seus assessores Lígia Nara Arnaud Tomaz, irmã de Tércio Arnaud Tomaz — um dos principais nomes do “gabinete do ódio” que funcionava no Palácio do Planalto no governo Bolsonaro.
A exemplo do irmão, Lígia teve seu sigilo telefônico e telemático quebrado pela CPI da Covid, em 2021. Apesar de não ter exercido um cargo no governo federal, ela foi apontada como uma das criadoras de conteúdo falso na internet sobre vacinas, tratamento precoce sem eficácia comprovada e teorias como a da imunidade rebanho. Procurada, ela não retornou aos contatos.
Outro ex-assessor da Presidência que atuava no “gabinete do ódio”, José Matheus Sales Gomes foi contratado no mês passado pelo deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), que comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro e deve ocupar uma cadeira de titular na CPI.
Vice-presidente do PL, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) afirma que a ideia é que a oposição tenha um grupo organizado para municiar seus parlamentares tanto nas sessões quanto nas redes.
— O Congresso é muito influenciado pela opinião pública, e as redes sociais estão tendo um papel essencial nisso — disse Augusto.
A mesma lógica da Câmara foi adotada no Senado, onde Magno Malta (PL-ES), o quinto senador mais influente nas redes, será titular. Suplente dele na CPI, outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ocupa a vice-liderança no ranking. Além dos nomes do PL, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) vai reforçar a equipe dos “bons de briga” da oposição e pretende reforçar sua equipe com foco na estratégia virtual.
— Os trabalhos da comissão serão acompanhados de perto pelo povo — disse ela.
Segundo apurou O GLOBO, em conversa com caciques do PL, Bolsonaro também se comprometeu a dar visibilidade à tropa de choque da oposição na CPI, publicando em seus perfis material produzido por eles. Desde que as suas redes sociais deixaram de ser administradas pelo filho Carlos Bolsonaro, é o próprio ex-presidente quem decide ou que vai ou não ao ar.
A base governista também organiza um time para trabalhar especificamente com as redes sociais e conta com a ajuda do deputado André Janones (Avante-MG), fenômeno na internet que mobilizou as redes em favor de Lula na campanha.
— Vamos montar uma estratégia e o Janones vai estar lá para ajudar — afirmou o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), um dos cotados para integrar a comissão.
Apesar de seu partido, o Avante, não ter cadeira garantida na CPI, Janones tenta se cacifar para ocupar uma das vagas governistas e, nos últimos dias, deu uma mostra da sua estratégia ao trocar provocações com André Fernandes nas redes. Ele também postou vídeo com seu desempenho na CPI de Brumadinho, criada em 2019.
“Uma única promessa a vocês no dia do trabalho: trabalhar muito caso eu seja indicado pra CPMI, dar muito trabalho para Bolsonaro, e fazê-lo arrepender amargamente de ter roubado o povo trabalhador deste país”, postou ele nesta segunda-feira.
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O planejamento está na fase de “treino tático”, segundo um dos envolvidos nos trabalhos, para quando o jogo começar. A preocupação do Planalto é conseguir responder de forma ágil, mas com o cuidado de não parecer que está apenas reagindo ao que acontecerá na CPI. Um dos pontos de atenção serão os “cortes” de vídeos que a oposição deverá fazer e publicar nas redes sociais com eventuais derrapadas de integrantes do governo. A ideia é tentar conter a repercussão daquilo que não for relevante para a investigação, mas que possa manchar a imagem de Lula.
— O próprio PT está se preparando para isso. Vamos fortalecer as redes que já temos e vamos dar uma atenção especial para os assuntos da CPMI para que a direita não consiga emplacar fake news — disse o deputado Rogério Correia (PT-MG), outro cotado para participar do colegiado.
O time governista terá o suporte de uma equipe no Palácio do Planalto, que estará dedicada a fornecer documentos e outras informações tanto para os parlamentares quanto para alimentar as redes sociais. A estratégia se divide em duas frentes: política e comunicações. A primeira ficará com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Na parte de comunicações, a ideia é mobilizar influenciadores, entre eles Felipe Neto, que reúne mais de 16 milhões de seguidores apenas no Twitter.