Num jogo do Campeonato Brasileiro do ano passado, a máfia das apostas conseguiu aliciar jogadores dos dois times envolvidos para levarem cartões amarelos. Documentos que fazem parte da Operação Penalidade Máxima revelam que, nos dias que antecederam a partida entre Cuiabá e Ceará, no Castelão, a quadrilha de apostadores conseguiu cooptar dois atletas de cada lado: Igor Cariús e Denilson Alves, do Dourado, e Nino Paraíba e Richard, do Vozão. Segundo mensagens extraídas dos celulares dos apostadores, os jogadores sabiam que seus adversários também faziam parte do esquema — e, durante o jogo, todos foram punidos com cartões. O confronto terminou empatado em 1 a 1.
A situação inusitada veio à tona no mapeamento do escândalo das apostas feito a partir da análise das 2.686 páginas da investigação do MPGO. O levantamento deu origem a um mapa interativo sobre o escândalo das apostas, disponível no site do jornal. Na ferramenta, os leitores podem conferir os resultados, o resumo das apostas feitas, os jogadores aliciados e as equipes envolvidas em cada uma das partidas suspeitas.
O lateral Igor Cariús, um dos atletas aliciados na partida, foi um dos 15 jogadores denunciados pelo MP e atualmente é réu na Justiça de Goiás. Na véspera do jogo, o nome de Cariús, que era do Cuiabá e hoje atua pelo Sport, estava numa lista de jogadores enviada, via WhatsApp, a um grupo de apostadores por Bruno Lopez, o BL, apontado pelo MP como chefe da quadrilha. Junto aos nomes dos jogadores que fariam parte do esquema, Lopez escreveu: “Operação FDS (fim de semana), lista fechada”.
Logo em seguida, o apostador encaminhou ao grupo um comprovante de transferência bancária no valor de R$ 5 mil. O MPGO descobriu que a conta que recebeu a quantia — um adiantamento pago pelos apostadores como parte do acordo — pertence a um primo da esposa de Cariús.
Outro jogador do Cuiabá também estava na lista de jogadores da “Operação FDS”: Denilson Alves. O meia entrou no esquema graças à indicação de um amigo, o equatoriano Léo Realpe, do Bragantino. Como não seria titular naquela rodada, Realpe passou o nome de Denilson à quadrilha, como Bruno Lopez contou a seus comparsas: “O Realpe foi pro banco, certo? Só que ele mesmo indicou esse Denílson Alves, tá ligado? Aí esse Denílson Alves pediu mais cinco mil de sinal, eu vou mandar aqui agora, certo?”.
Do lado do Ceará, a quadrilha aliciou Nino Paraíba e Richard. O lateral, atualmente sem clube, foi um dos primeiros “confirmados” na lista de acordos fechados pelos apostadores para aquele final de semana: “Nino é ponta firme, eu falo com ele direto, irmão, eu deposito direto na conta da mãe dele, os depósitos, pode ver ó, tudo no CPF da mãe dele, entendeu? Tudo quente”, disse BL num áudio enviado aos comparsas.
Já Richard, de acordo com as mensagens, também fechou um acordo com a quadrilha na véspera do jogo. “E agora acabei de fechar o Richard, entendeu? Cerejinha no bolo, seis jogadores, vamo pra cima, essa é a lista do final de semana rapaziada”, disse Bruno aos demais apostadores. No entanto, apenas 15 minutos depois, o grupo decidiu tirar o volante, afastado do Cruzeiro, da lista por suspeita de vazamento do acordo: o retorno da aposta num cartão amarelo levado por Richard estava diminuindo vertiginosamente, o que acendeu o alerta de BL e seus comparsas.
“Esse Richard aí é um sem vergonha. Não sei se é ele, se é empresário, quem que vocês tá entrando em contato aí. É um pilantra, um safado, um sem vergonha mano, porque já bateu nos cara aqui”, disse, num áudio enviado ao grupo, um dos apostadores, identificado como Guilherme Alpino. Richard chegou, inclusive, a ser questionado pela quadrilha, e negou ter vazado que tomaria um amarelo. “Durante a semana veio uns três nego (sic) querendo fechar algo comigo e não fecho com ninguém a não ser você. Sou papo reto, bagulho não é brincadeira. Mas se o man (sic) aí não quiser mais é isso mesmo”, escreveu o jogador. Apesar de citados nas conversas, Richard, Nino Paraíba e Denilson Alves não foram denunciados pelo MPGO.
Enquanto a partida acontecia, os apostadores comemoravam os cartões que haviam combinado previamente. “Igor tomou”, escreveu um. “Denilson também”, respondeu outro. Aos 6 minutos do 2º tempo, quando Igor Cariús levou o segundo cartão amarelo e foi expulso, um dos integrantes da quadrilha ironizou: “Foi expulso o Igor. Levou a sério o bichão, o cara é doido”. Quatro minutos depois, foi a vez de Nino Paraíba ser punido. “Esse é brabo, só puxou”, comentou um apostador. Mesmo sem ter fechado com a quadrilha, Richard também levou um cartão.
Depois do jogo, BL revelou aos comparsas que contou aos jogadores cooptados que seus adversários também integravam o esquema. “Cê não viu nos primeiros lances, parça, ele já largou a mão no Nino. Eu pus dois que ia bater de frente, eu dei um toque né? Falei pro Nino e falei pro Igor. Falei: ‘Ó, o Nino é nosso se for bater de frente na marcação e quiser arrumar confusão com ele, arruma!’ Falei pro Igor a mesma coisa: ‘Ó, o Igor é nosso, bate de frente com ele, se quiser arrumar, arruma’. O Igor no começo já queria ciscar, bicho é doido mesmo”, disse o chefe da quadrilha.
A investigação do MPGO também descobriu que, apesar de os acordos terem sido cumpridos, os jogadores não foram pagos na semana seguinte — o que motivou cobranças dos atletas. “Pra cobrar vocês são um leão, pra pagar um gatinho”, escreveu Igor Cariús a um dos apostadores em 27 de outubro de 2022.