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Vídeo engana sobre empréstimos do BNDES feitos durante o governo Lula

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É enganosa afirmação de que governo Lula tenha desviado “R$ 716 bilhões do BNDES” ao promover alterações no estatuto social do banco

Conteúdo investigado: vídeo no Facebook com o título “Lula alterou o estatuto do BNDES possibilitando em 6 anos um desvio de R$ 716 bilhões, tirados do FGTS, PIS/PASEP e Tesouro Nacional”. O material é uma edição sobre entrevista antiga do senador Alvaro Dias, com acréscimo de frases e fotos de políticos.

Uma entrevista antiga do senador Alvaro Dias para a TV Senado, feita em maio de 2017, está sendo compartilhada no Facebook para acusar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de desviar R$ 716 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O material, no entanto, distorce a fala do político, que pressionava pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para investigar supostas irregularidades em empréstimos do banco. Ele concorreria contra o petista nas eleições presidenciais de 2018 caso o ex-presidente não tivesse a candidatura rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Ao mencionar a quantia de R$ 716 bilhões na entrevista, Alvaro Dias se referiu ao suposto volume total de recursos públicos tomados pelo BNDES entre os anos de 2008 e 2014 — o que não significa que as operações foram fraudulentas, nem prova a existência de favorecimento e desvios nos empréstimos.

Esse número difere de dados oficiais encaminhados pelo BNDES ao Comprova. Ainda assim, Dias afirma, sem apresentar evidências, que houve um “esquema de corrupção sofisticado e planejado” que teria começado com um decreto do ex-presidente Lula em dezembro de 2007 e que resultaria em prejuízo aos cofres públicos de R$ 184 bilhões até 2060 por conta de taxas de juros subsidiadas nos empréstimos do BNDES para grandes empresas.

Ao Comprova, o BNDES informou que recebeu, na verdade, R$ 570 bilhões de recursos públicos entre os anos de 2008 e 2014. Este valor se refere a transferências constitucionais e depósitos especiais do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e créditos obtidos com o Tesouro Nacional, o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e a Caixa Econômica Federal.

O montante de R$ 184 bilhões, por sua vez, consta em um relatório do Ministério da Fazenda, de 2015, que trata de uma estimativa sobre o custo total dos subsídios concedidos ao BNDES por meio da emissão de títulos do Tesouro no período. Em ambos os casos, não é possível apontar que esses valores tenham sido desviados ou usados para fins ilícitos.

O decreto editado por Lula ampliou a área de atuação do BNDES ao permitir investimentos na expansão internacional de empresas brasileiras, mas não há uma relação direta com a tomada de recursos do Tesouro, nem com o mecanismo de apoio à exportação de bens e serviços, alvo frequente de boatos envolvendo obras no exterior.

A justificativa do governo para transferir recursos subsidiados do Tesouro ao BNDES foi aquecer a economia em meio à crise financeira de 2008, ainda que a política tenha sido mantida mesmo depois desse cenário de deterioração econômica global ter sido superado.

Alcance da publicação

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado foi publicado em 15 de agosto de 2020 no Facebook e reuniu mais de 1,9 milhão de visualizações até 17 de maio de 2022. Em 1º de maio deste ano, voltou a ser compartilhado em um grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro. O novo post alcançou 3,4 mil curtidas, 4,2 mil compartilhamentos e 769 comentários.

O que diz o autor da publicação

O Comprova fez contato pelo Facebook com a página que publicou o vídeo em 2020 e o perfil que o compartilhou em 2022, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. Questionada sobre a origem dos dados citados pelo senador no vídeo, a assessoria de Alvaro Dias disse apenas que “as informações se basearam em minuciosas investigações realizadas pela Operação Lava Jato, ampla e repetidamente divulgadas pela imprensa na época”.

Como verificamos

O Comprova fez essa verificação a partir de documentos e informações oficiais, reportagens na imprensa, entrevista com especialista e contatos diretos com órgãos públicos, como BNDES, Ministério da Economia e Tribunal de Contas da União (TCU).

A reportagem chegou ao vídeo completo do senador Alvaro Dias por meio de uma pesquisa simples com palavras-chave no Google. O vídeo foi divulgado pela TV Senado, em 31 de maio de 2017. Também encontrou outros discursos e materiais em que o político comentava sobre o mesmo assunto, o que permitiu entender melhor do que se tratavam as alegações feitas na gravação original.

As fotos utilizadas na montagem foram encontradas por meio de buscas reversas no Google Lens, com auxílio da ferramenta de checagem InVID.

Em seguida, o Comprova procurou documentos e fontes oficiais para checar os números citados pelo senador Alvaro Dias. Foram encontradas páginas de transparência do BNDES informando sobre recursos transferidos do Tesouro e outros assuntos (1, 2, 3, 4). O banco foi contatado no dia 4 de maio e respondeu os questionamentos, por e-mail, no dia 12.

O Tribunal de Contas da União e o Ministério da Economia também foram procurados nesta checagem por conta de um relatório de 2015 que continha um dado semelhante ao alegado pelo senador no vídeo, segundo reportagem dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo.

O TCU disse que o documento em questão fazia parte de um processo de 2016 que apurou a conformidade e eventuais impactos econômico-fiscais decorrentes de possível devolução antecipada de R$ 100 bilhões em recursos referentes a empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES. O documento foi enviado nesse processo, mas não estava disponível nos autos.

O Ministério da Economia afirmou que divulga boletins a cada dois meses atualizando a projeção de gastos com subsídios em empréstimos do BNDES, assim como o Programa de Sustentação do Investimento. O PSI foi outra política executada pelo governo federal na mesma época, entre os anos de 2009 e 2016 — nesse caso, o BNDES oferecia linhas de crédito com condições ainda mais favoráveis do que a TJLP para a aquisição de determinados produtos, com a diferença sendo paga pelo Tesouro com recursos orçamentários na forma de subvenção econômica.

O boletim mais recente, relativo a fevereiro de 2022, estima que o subsídio ao BNDES operado entre os anos de 2008 e 2014 custou R$ 216,8 bilhões ao Tesouro até o momento, e deve incluir outros R$ 13,1 bilhões até 2040. Da mesma forma, o subsídio ao PSI soma R$ 90,7 bilhões até fevereiro deste ano, mais R$ 1,1 bilhão projetados até 2041. Edições antigas projetavam cenários até 2060, mas houve renegociação do prazo de quitação dos empréstimos em 2018 por conta da liquidação antecipada de algumas parcelas pelo BNDES.

A dívida remanescente do BNDES com o Tesouro era de cerca de R$ 84,2 bilhões em março de 2022, com previsão de que 70% do passivo seja quitado nos próximos cinco anos. O banco também atualiza regularmente em seu site o andamento das devoluções ao Tesouro. Na atualização mais recente, já haviam sido pagos R$ 610,24 bilhões.

O Comprova procurou a assessoria do ex-presidente Lula, que disse lamentar que “o bolsonarismo divulgue sistematicamente informações falsas sobre o ex-presidente Lula e o funcionamento de entidades do estado brasileiro” sem prestar maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Por que investigamos

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de Covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições. O post aqui verificado contém informações enganosas sobre a política de empréstimos do BNDES, uma empresa pública federal voltada ao fomento do desenvolvimento nacional. Também engana sobre o governo do ex-presidente Lula, um pré-candidato à Presidência nas eleições de 2022. Conteúdos enganosos podem influenciar a decisão de eleitores de forma prejudicial ao processo democrático.

*Com informações metrópoles