A busca por uma vacina contra o vírus influenza, causador da gripe, que tivesse eficácia elevada e pudesse ser utilizada contra todos os tipos do vírus é foco de pesquisa de diversos grupos de cientistas há anos.

Um dos principais problemas no desenvolvimento de uma candidata à vacina universal é que, a cada ano, a cepa de influenza em circulação muda, tornando o imunizante utilizado nas pessoas a cada estação desatualizado em relação à nova cepa.

Diante disso, pesquisadores do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), ligado ao Instituto Nacional de Saúde americano, e da Escola Icahn de Medicina do Hospital Mount Sinai, em Nova York, desenvolveram o que eles chamam de uma “supervacina”, capaz de produzir anticorpos contra uma grande diversidade de formas do vírus influenza.

Utilizando a tecnologia conhecida como nanopartículas -partículas lipídicas contendo proteínas ou partes do vírus contra o qual se deseja produzir anticorpos–, os cientistas chegaram a um conjunto de duas formulações para avaliar a segurança e resposta imune de uma vacina contra o influenza A capaz de proteger também contra outras cepas.

O segredo para a nova vacina está na hemaglutinina, a letra “H” dos tipos de influenza (H1N1, H5N1, H3N8 etc). É a principal proteína que faz a ligação do vírus com as células do hospedeiro.

A hemaglutinina (ou HA) é o alvo do vírus contra o qual as vacinas normalmente procuram induzir resposta imune, uma vez que é sua ligação com as células que pode levar à infecção. O problema das vacinas já licenciadas contra a gripe é que elas buscam uma defesa contra a “cabeça” da hemaglutinina (que tem forma de chapéu), e que possui uma variável considerável quanto às cepas em circulação, fazendo com que a imunidade produzida na estação passada não seja mais eficaz com a circulação de novas cepas.

A pesquisa publicada na revista Science Translational Medicine na última quarta (19) procurou induzir a resposta imune contra o “corpo” (ou haste) da hemaglutinina com base na proteína obtida do influenza A tipo H1. Os cientistas viram que essa proteção foi conservada e teve duração mais de um ano após a vacinação.

“A gripe ainda causa mais de 52 mil mortes por ano nos EUA, e cerca de 400 mil mortes por ano. Por isso, é preciso ‘customizar’ constantemente vacinas atualizadas contra gripe para atingir o vírus em mutação”, escreveram os autores no artigo.

Como a parte central da hemaglutinina é conservada nos diferentes tipos de influenza, a vacina produziu também resposta imune de memória contra os outros vírus. De acordo com um segundo experimento feito pelos pesquisadores, as células de defesa do tipo B (que produzem anticorpos quando um patógeno entra em contato com o organismo) induziram a produção de anticorpos neutralizantes contra diferentes partes do vírus, sugerindo portanto uma resposta protetora “universal”.

“A resposta protetora principal focou na região central da hemaglutinina, mas nós observamos também que os anticorpos tinham ação neutralizante contra uma gama variada de subtipos do vírus influenza tipo 1”, afirmou Karin Bok, diretora do grupo de pesquisa em vacinas, do Niaid, e atual chefe da Resposta e Prevenção de Pandemias e Emergências da agência.

A pesquisa consistiu em um ensaio clínico de fase 1, quando se busca avaliar a segurança e a resposta imune da vacina, em 52 adultos saudáveis de abril de 2019 a março de 2020. Inicialmente, o estudo contava com vacinar todos os indivíduos com uma dose primária e um reforço após quatro meses, mas apenas 35 compareceram para receber a dose de reforço devido às restrições impostas pela Covid no início de 2020.

Segundo Bok, este é o primeiro estudo clínico que procurou entender o papel do antígeno específico contra o caule da hemaglutinina. “Estamos no processo de estudar em detalhes a resposta imune resultante da administração desta vacina em humanos, incluindo respostas de células T de defesa”, disse, em entrevista à Folha.

A resposta imune gerada pelas células T, ou linfócitos, costuma surgir mais tardiamente no processo imune, e é especializada em atacar as células infectadas com o vírus.

Com as novas tecnologias que surgiram com o desenvolvimento das vacinas contra Covid, os pesquisadores esperam não ser difícil produzir a candidata a vacina da gripe em escala.

“Essa tecnologia de vacina baseada em nanopartículas não é utilizada ainda em nenhuma vacina atualmente aprovada nos EUA. O protótipo é o primeiro do tipo a usar uma ferritina [adjuvante] como suporte para apresentar os antígenos específicos contra o influenza”, afirmou a pesquisadora.

“A produção dessa vacina poderia ser facilmente replicada por fábricas de imunizantes com capacidade de manufatura de proteínas ou tecnologia mRNA”, completou.

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