A execução do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira colocou a impunidade e a crueldade dos crimes cometidos na Amazônia no centro dos holofotes durante a última semana. Além do Vale do Javari (AM), região onde as mortes ocorreram, outro local da floresta apontado como perigoso é a região do Alto e Médio Solimões.

Em documento obtido com exclusividade pelo Metrópoles, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) relatam ataques de “piratas” na localidade, grupos fortemente armados que saqueiam embarcações e colocam em risco a vida da população indígena e ribeirinha, assim como a assistência governamental às comunidades mais vulneráveis.

O ofício, assinado em 9 de junho por Jorge Gerson Baruf, coordenador regional da Funai no Alto Solimões, narra três situações de atuação dos saqueadores, mas ressalta que a ação tem sido frequente.

O servidor sugere a criação de um Comitê Interinstitucional para tratar do tema com uso de informações da inteligência, drones de alta performance, operações simultâneas e informação transmitida por rádio. Ressalta que uma mera escolta policial não seria suficiente devido a gravidade da situação.

“Em 2019 em Tonantins (AM), a equipe da Funai que foi ao município para realizar um diagnóstico da Educação Escolar Indígena e apoiar a participação dos agricultores familiares indígenas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) da Secretaria Municipal de Educação (Semec), não pode chegar até todas as comunidades planejadas pois na véspera houve um ataque de “piratas” a um flutuante na entrada da [terra indígena] Uati-Paraná que resultou na morte de uma pessoa”, conta Baruf.

Na mesma época, as equipes de saúde indígena também relatavam dificuldades em prestar atendimento às comunidades por causa da atuação dos criminosos. Com a insegurança relatada, as comunidades foram prejudicadas e não conseguiram participar do Pnae uma vez que as equipes não conseguiram ter acesso aos locais para finalizar as etapas necessárias.

O ofício também conta a história de uma mulher que perdeu o marido e agora cria sozinha os cinco filhos na Terra Indígena Évare I depois que saqueadores o mataram em junho de 2021. “Ele não ofereceu resistência, mas ao retirar a pochete para entregar o dinheiro, um dos piratas que estava por trás achou que ele ia sacar uma arma e lhe deu um tiro pelas costas”, detalha o documento.

Já na Terra Indígena Umariaçu, pescadores não conseguem exercer sua principal atividade uma vez que os criminosos rendiam os trabalhadores, que são jogados na água e têm a embarcação roubada.

Rendição de equipe da Funai

O relatório destaca uma abordagem feita pelos piratas a uma equipe da Funai em 19 de maio. Os quatro servidores estavam acompanhados de um motorista e seu ajudante, além do enfermeiro, a bordo de uma voadeira de alumínio.

Por volta das 11h, ouviram tiros e foram abordados por um grupo de 10 a 15 homens. “Para, porra! Por que vocês não pararam? Quase matamos vocês! Quando a gente diz que é para parar tem que parar porra!”, gritaram os suspeitos, de acordo com o relato.

O motorista percebeu que a embarcação utilizada pelos criminosos estava fortemente armada e que todos os criminosos portavam armas de fogo e se vestiam com uniformes da Polícia Militar (PM) e máscaras. Eles pediram por combustível para o barco e afirmaram estar em missão para “buscar piratas”.

Dois dos homens entraram na popa da embarcação da Funai e o motorista ajudou a abastecerem 100 litros de gasolina. O grupo reuniu cerca de 200 reais como pagamento e pediu um número de contato para acertarem o restante.

“O motorista, assustado, disse que não precisavam se preocupar com isso. Ao liberar a equipe para seguir viagem, pediram sigilo para não atrapalhar a operação deles. O motorista, que é [do município] de Tefé, reconheceu alguns e disse serem do bairro Colônia Ventura em Tefé”, conta o ofício.

Resposta

O documento pede urgência para a resposta e tem sete destinatários: o presidente da Funai, Marcelo Xavier da Silva; e representantes da Polícia Militar, Polícia Civil (PC), Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Marinha.

Procurado, o MPF afirmou ter recebido a “comunicação inicial dos fatos citados na demanda no último dia 13 de junho e instaurou procedimento para apurar o caso, bem como requisitou, como parte deste procedimento, a instauração de inquérito policial à Polícia Federal (PF) no Amazonas para investigar as informações relatadas pela Funai”.

A Funai, Marinha, PF e Secretaria de Segurança Pública do Amazonas não responderam aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto. O espaço continua aberto.

*Com informações metrópoles

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