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Governo planeja primeiro concurso público para a Funai após sete anos

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A falta de mão de obra dificulta as ações de fiscalização e combate a ações ilegais e o trabalho de campo em terras indígenas

O governo planeja a abertura de um concurso público para servidores da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), algo que aconteceu pela última vez em 2016.

A reportagem teve acesso a um documento da pasta, no qual a ministra Sônia Guajajara autoriza providências voltadas à seleção de novos servidores para o quadro de pessoal do órgão. Segundo integrantes do governo, a medida já está alinhada internamente e deve receber o aval do Ministério da Gestão.

“Oportunamente trago à baila a importância de criação do Plano de Carreira Indigenista e Plano Especial de Cargos da Funai em conjunto à realização de concurso”,

diz ainda a ministra.

O anúncio oficial do concurso pode acontecer na marca dos cem dias de governo, na próxima segunda (10), quando é esperado que Lula revele novas medidas de sua gestão.

Já o plano de carreira, uma reivindicação dos servidores da Funai -que inclusive já organizaram atos em frente à sede da fundação-, deve ficar mais para a frente.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo Bolsonaro negou a realização de novos concursos públicos para a Funai e fez com que o órgão atingisse seu menor quadro de funcionários desde 2008.

A falta de mão de obra dificulta as ações de fiscalização e combate a ações ilegais e o trabalho de campo em terras indígenas. Também diminui a segurança no trabalho dos servidores, deixando-os muitas vezes sob riscos.

A escassez de funcionários é apontada por indígenas e indigenistas, ouvidos sob condição de anonimato, como uma das dificuldades para que as ações de proteção se expandam para outras terras indígenas, além da yanomami, com a mesma intensidade da operação em Roraima.

O panorama é semelhante segundo relatos ouvidos por servidores, por exemplo, do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Polícia Federal.

Desde sua reestruturação organizacional em 2009, a Funai teve apenas dois concursos públicos aprovados pelo governo federal, um em 2010 e outro em 2016. Isso levou à queda do número de funcionários permanentes.

Em 2022, houve a contratação de mais de 600 funcionários com vínculos temporários -todos para a Amazônia-, o que fez a força de trabalho do órgão crescer pela primeira vez em oito anos.

A contratação, no entanto, responde a uma determinação da Justiça para a atuação nas barreiras sanitárias criadas para controlar o impacto da pandemia do coronavírus sobre os povos indígenas.

No ofício, Guajajara inclusive afirma que a contratação de novos funcionários para o órgão é essencial para o cumprimento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, na qual o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal expulse garimpeiros ilegais de sete terras indígenas, inclusive a yanomami.

Segundo o documento, a Funai conta hoje com quase 2.500 funcionários, mas apenas 1.400 são efetivos. Há, por outro lado, mais de 2.200 cargos vagos na fundação.

“A recomposição da força de trabalho da fundação, por meio de concurso público, é fundamental para o cumprimento da missão do governo federal de proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil”,

afirma Guajajara.

O documento ainda ressalta a importância da criação de um plano de carreira para os servidores da Funai, algo que vem sendo reivindicado pela INA (Indigenistas Associados), entidade que reúne indigenistas do órgão.

Segundo a ministra, o plano de carreira serviria para resolver uma série de problemas enfrentados pelos funcionários da fundação, como a “baixa remuneração”, a “inexistência de incentivos para compensar situações de trabalho adversas”, a “inexistência de incentivos aos servidores para buscar uma qualificação específica na área indígena” e a “alta taxa de evasão dos servidores, especialmente os recém ingressados”.

De acordo com a pasta, entre 2004 e 2016, 87% dos servidores que deixaram o órgão o fizeram sob a justificativa ou de “exoneração a pedido”, quando o próprio funcionário pede para sair, ou “posse em outro cargo inacumulável”, quando ele consegue outra função.

“Portanto, somente concurso público não soluciona a grave situação funcional da Funai”, conclui a ministra.

A gestão Bolsonaro negou dois pedidos para realização de concursos feitos pela fundação (em 2019 e 2020).

No primeiro, a justificativa do governo foi que as “diretrizes do Poder Executivo Federal apontam pela impossibilidade de autorização de novos concursos públicos em face da atual situação fiscal do país”.

Servidores da Funai ouvidos sob condição de anonimato afirmam que a falta de recursos é hoje um dos maiores obstáculos para a atuação do órgão, o que inclusive dificultou as operações de busca do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, que desapareceram no Vale do Javari, no Amazonas.

Por sua atuação na região, a Funai foi uma das primeiras entidades a montar equipes de busca no local, já no segundo dia do desaparecimento, com grupos compostos de indígenas dos povos kanamari e matis.
Bruno Pereira era servidor licenciado da fundação. Ele atuou na coordenação-geral da região antes de ser deslocado para a coordenação de povos isolados, em Brasília.

Pediu licença da Funai em 2019, depois de ser exonerado após 14 meses no cargo. Entre outros motivos, a decisão foi tomada porque ele estava encontrando dificuldades para fazer o trabalho que achava correto, de acordo com pessoas que o conheceram.

O indigenista é um retrato de como a situação de insegurança era latente para quem atuava na região, com ameaças recorrentes de pescadores -um deles, inclusive, confessou ter participado do assassinato de Pereira e Dom.

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