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Desvio de R$ 6,3 bilhões do INSS pode estar ligado ao crime organizado, diz governo

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O desvio de R$ 6,3 bilhões revelado nesta quarta (23) pela Polícia Federal durante o cumprimento da Operação Sem Desconto pode estar ligado ao crime organizado. A constatação surgiu em meio às investigações que levaram à prisão de três pessoas e ao afastamento de cinco diretores do alto comando do INSS, entre eles o presidente do órgão, Alessandro Stefanutto.

Mais cedo, a Polícia Federal cumpriu 211 mandados de busca e apreensão e bloqueio de bens avaliados em R$ 1 bilhão no Distrito Federal e em 13 estados, como Alagoas, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.. Entre eles, estão veículos de luxo, relógios, armamentos e dinheiro em espécie.

“Trata-se de uma operação de proteção aos aposentados, uma fraude contra os aposentados. Foram vitimas fáceis destes criminosos que se apropriaram de pensões e aposentadorias. Essa é uma operação especial, evidentemente, mas não extraordinária. Se insere naquele conjunto de operações que o ministério tem feito contra o crime organizado”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça e Segurança Pública, durante uma entrevista coletiva no final da manhã.

Também participaram o ministro Carlos Lupi, da Previdência Social, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e o ministro Vinícius Marques de Carvalho, da Controladoria-Geral da União (CGU).

Havia a expectativa de que Stefanutto poderia ser demitido por suspeita de envolvimento no esquema, mas Lupi negou essa possibilidade e afirmou que ele deu todas as demonstrações de ser um servidor exemplar. O diretor foi indicado dele para assumir o cargo.

“Vamos aguardar o desfecho com os cuidados devidos como diz a Constituição, para garantir o amplo e total direito de defesa para não colocarmos essas pessoas para queimar na fogueira”, pontuou ressaltando que a investigação agora irá apurar se houve a participação efetiva de Stefanutto ou de outros diretores no esquema.

Além das três prisões, que ocorreram no estado de Sergipe, um policial federal de São Paulo foi afastado das funções por suspeita de ligação com a organização criminosa.

Segundo as investigações, os desvios através de descontos nos benefícios por entidades credenciadas ao INSS entre os anos de 2019 e 2024, durante os governos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Lula. Se estima que mais de 130 mil pessoas tenham sido lesadas pelo esquema.

“Em 2023, começamos na CGU uma série de apurações sobre o aumento de entidades e descontos. Começou lá atrás, vem numa crescente ao longo dos anos”, pontuou Carvalho. Ao todo, 11 entidades foram alvos de medidas judiciais durante a operação, que foram cadastradas entre os anos de 1994 e 2023, sendo apenas uma durante o governo Lula.

Ainda segundo o ministro da CGU, foi apurado que muitos dos milhares de aposentados e pensionistas lesados não tinham autorizado esses descontos. “Eram, na sua grande maioria, fraudados em função de falsificação de assinaturas e artifícios autorizados para manifestar essa vontade que não era real”. Ele pontuou, ainda, que o INSS não tinha capacidade de fazer uma verificação rigorosa destas autorizações supostamente fraudadas.

Parte da auditoria foi embasada em entrevistas com 1,3 mil aposentados que tinham descontos supostamente fraudulentos em folha de pagamento, com a apuração de 29 entidades. Destas, 70% não tinham entregue a documentação completa ao INSS para operar, mas já estavam exercendo as cobranças.

Pelo menos 9 entidades já tiveram os acordos com o INSS suspensos para se fazer um “freio de arrumação para saber quem quer ter desconto ou não, quem quer se associar ou não, separar o joio do trigo”. Mais de 190 mil pedidos de revisão já foram feitos por aposentados e pensionistas.

De acordo com Carvalho, a auditoria descobriu um salto nos valores dos descontos entre os anos de 2016 e 2024, em que passaram de R$ 413 milhões para R$ 2,8 bilhões. Com a operação desta quarta (23), os descontos previstos para este mês não devem ser transferidos para as entidades investigadas.

“Não é um desfecho, mas um passo importante de uma investigação que está no começo”, afirmou Andrei Rodrigues, diretor da Polícia Federal, ressaltando a participação das entidades e de servidores no esquema.

Carvalho emendou afirmando que a investigação agora pretende descobrir como era feita a logística dos recursos arrecadados pelos descontos em folha para as entidades. A investigação, no entanto, segue em sigilo. Mas, a PF diz que conseguiu comprovar a hipótese criminal com a participação de pessoas físicas e jurídicas.

Lewandowski confirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi avisado logo cedo da operação e que mostrou grande preocupação com o que descobriu. Houve uma reunião com os ministros para avaliar a situação, o que foi descoberto até então e as providências que serão tomadas daqui em diante.

Os investigados, diz a PF, podem responder pelos crimes de corrupção ativa, passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de capitais.

INSS reconheceu esquema milionário

No final do ano passado, uma auditoria interna no INSS confirmou a existência de descontos indevidos de benefícios previdenciários. Foram, pelo menos, R$ 45 milhões desde janeiro de 2023 até novembro de 2024, mas com a possibilidade desse montante ter sido ainda maior já que nem todos os segurados perceberam a cobrança irregular.

A prática fraudulenta ocorre por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com entidades que oferecem supostos benefícios a aposentados, como serviços de assistência jurídica, descontos em farmácias e auxílio-funeral. As mensalidades só deveriam ser descontadas mediante autorização expressa do beneficiário.

No entanto, a auditoria revelou que, em mais da metade dos casos analisados, as filiações ocorreram sem documentação comprobatória ou sequer com o consentimento do segurado.

“Considerando os descontos identificados, a regularidade da consignação não foi comprovada quanto à apresentação dos documentos para 55% da amostra”, apontou o relatório. Em uma análise de 603 casos, 332 não tinham respaldo documental.

As associações envolvidas, segundo o documento, viram as receitas mensais dispararem de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões em apenas um ano. O relatório também identificou o uso de assinaturas forjadas, ausência total de autorização e, em alguns casos, o uso de “laranjas” — pessoas ou empresas de fachada — para formalizar os contratos.

Desde o início de 2023, foram registradas 1,1 milhão de notificações ao INSS por aposentados questionando descontos de mensalidades associativas. Parte deles afirma nunca ter solicitado qualquer serviço. Outros relatam ter contratado algum tipo de assistência e, ao assinar os papéis, não perceberam a inclusão da autorização de desconto.

Mesmo diante dos indícios de fraude e da reincidência das entidades envolvidas, nenhuma delas foi descredenciada. O relatório aponta que a diretoria de benefícios do INSS foi negligente ao permitir a renovação de ACTs com associações já acusadas judicialmente de práticas ilícitas.

A Polícia Federal e a CGU orientam que os aposentados e pensionistas do INSS que tiverem desconto indevido de mensalidade associativa no extrato de pagamentos (contracheque) podem pedir a exclusão do débito de forma automática pelo aplicativo ou site “Meu INSS”.

Na tela inicial do “Meu INSS” é disponibilizada a consulta de “mensalidade associativa”. Em seguida, uma funcionalidade no aplicativo/site permite que aposentados e pensionistas consultem o desconto no pagamento, peçam a exclusão e/ou bloqueio através do serviço “exclusão de mensalidade de associação ou sindicato” e/ou “bloqueio de mensalidade de associativa”.

O serviço também pode ser solicitado pela Central 135, assim como diretamente às entidades associativas.