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Morre Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e símbolo da esquerda latino-americana

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Em luta contra câncer e doenças autoimunes, Mujica ficou conhecido por seu estilo de vida simples e discurso humanista

O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, uma das figuras mais populares do Uruguai e mais influentes na esquerda na América Latina, morreu nesta terça-feira, aos 89 anos de idade. Diagnosticado com câncer de esôfago em abril de 2024, ele anunciou, em janeiro deste ano, que o tumor havia se espalhado para o fígado e, “por ser um idoso”, seu corpo não aguentaria novos tratamentos. Dias antes da morte, sua mulher, a ex-vice-presidente Lucía Topolanski, disse que Mujica estava recebendo cuidados paliativos para aliviar a dor.

— Não posso fazer nenhum tratamento bioquímico nem cirurgia porque meu corpo não aguenta — disse Mujica em abril, acrescentando: — Estou morrendo. O que peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso.

Mundialmente conhecido por seu estilo de vida simples — que o levou a receber o apelido de “o presidente mais pobre do mundo” — e por políticas progressistas que mudaram a História do país, o líder do Movimento de Participação Popular (MPP) disse à época que partiria “tranquilo e agradecido” após a vitória histórica de Yamandú Orsi, da Frente Ampla, nas últimas eleições presidenciais. No entanto, esclareceu que se incomodava com o fato de “inventarem especulações” sobre ele desempenhar um papel importante no futuro governo. Sábio, Mujica disse que era um “velho no final” da sua vida.

— Tudo o que quero agora é me despedir — declarou.

Pepe Mujica, aos 89 anos, durante uma coletiva de imprensa no Uruguai — Foto: PABLO PORCIUNCULA/AFP
Pepe Mujica, aos 89 anos, durante uma coletiva de imprensa no Uruguai — Foto: PABLO PORCIUNCULA/AFP

Um longo adeus

A tônica já vinha ecoando nas suas declarações públicas ao final da vida. Em uma entrevista recente ao jornal americano New York Times, Mujica discorreu longamente sobre a vida, a morte e a Humanidade.

— Só existe uma vida e ela acaba. Você tem que dar sentido a ela. Lute pela felicidade, não apenas pela riqueza — disse, em um dos seus últimos conselhos, ao veículo americano, no qual declarou também ter ficado “destruído” pelo tratamento radioterápico ao qual foi submetido por conta de sua condição, apesar de ter sido bem-sucedido.

Ele também brincou que gostaria de ser conhecido pelo que realmente era: “um velho maluco”.

— A vida é linda. Com todos os seus altos e baixos, eu amo a vida. E estou perdendo-a porque é minha hora de ir embora. Que sentido podemos dar à vida? O homem, comparado a outros animais, tem a capacidade de encontrar um propósito — disse, em tom de despedida. — Se você encontrar [um propósito], você terá algo pelo qual viver. Aqueles que investigam, aqueles que tocam música, aqueles que amam esportes, qualquer coisa. Algo que preencha sua vida.

Além do câncer, Mujica também sofria de uma doença autoimune, identificada há cerca de duas décadas, que afetava seus rins. Em julho de 2024, a esposa de Mujica, Lucia Topolansky, disse que ele passava “pelo momento mais difícil” do tratamento, mas que seguia “otimista”.

— A contradição da vida é que ela é um programa biológico projetado para lutar para viver. Mas a partir do momento em que o programa começa, você está condenado a morrer — disse Mujica.

Biografia

Nascido de uma família humilde em 20 de maio de 1935, nos arredores de Montevidéu, Uruguai, Mujica entrou na política desde jovem. Na década de 1960, ingressou no movimento guerrilheiro dos Tupamaros, fundado por Raúl Sendic, que lutava contra a ditadura militar no Uruguai, que tomou o poder em um golpe em junho de 1973. Foi preso quatro vezes, fugiu duas, passando cerca de 14 anos na prisão, muitas vezes sendo torturado e em solitária. Com o fim do regime militar, em 1985, foi libertado graças à anistia.

Nos anos seguintes, Mujica ajudou a fundar a coalizão Frente Ampla (FA), tornando-se uma das principais vozes da esquerda uruguaia. Em 2005, foi eleito senador, e em 2009, foi eleito presidente do Uruguai, derrotando Luis Alberto Lacalle, pai do atual presidente Lacalle Pou, de centro-direita. Após ser empossado, em 2010, tornou-se o presidente mais velho da História do país.

Pepe Mujica vota em eleição presidencial no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
Pepe Mujica vota em eleição presidencial no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

Durante seu mandato, Mujica recusou-se a morar no palácio presidencial, que foi oferecido para se tornar um refúgio de desabrigados. Morava com sua companheira (também ex-tupamara) — que, ao contrário do ex-presidente, pertenceu a uma família de classe alta — e seu cachorro de três patas em sua chácara, Rincón del Cerro, na zona rural da capital, onde construiu uma vida simples desde que foi libertado. Uma casa simples, cheia de livros e potes de vegetais para conserva, e onde ele cultivava crisântemos há décadas.

— Quando estou no campo trabalhando com o trator, às vezes paro para ver como um passarinho constrói seu ninho. Ele nasceu com o programa. Ele já é arquiteto. Ninguém o ensinou — disse Mujica ao NYT, ao falar sobre a complexidade da natureza. — Eu admiro a natureza. Eu quase tenho uma espécie de panteísmo. Você tem que ter olhos para vê-la.

Em visita à Montevidéu, no Uruguai, para reunião da cúpula do bloco sul-americano, presidente Lula se emociona ao encontrar Jose Mujica — Foto: Dante Fernandez / AFP
Em visita à Montevidéu, no Uruguai, para reunião da cúpula do bloco sul-americano, presidente Lula se emociona ao encontrar Jose Mujica — Foto: Dante Fernandez / AFP

Vida política

No poder, foi responsável por um governo mais progressista, com a descriminalização do aborto e da maconha, além da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O político também doou grande parte de seu salário na Presidência por considerar que no Uruguai “vivem muitas pessoas pobres”.

Foi sucedido no cargo por Tabaré Vázquez, reassumindo a sua cadeira no Senado. Em 2018, quando renunciou ao Senado pela primeira vez, disse em uma carta estar “cansado da longa viagem” e que iria se “refugiar na aposentadoria”. Menos de um ano depois, no entanto, candidatou-se novamente e foi eleito. Ocupou o cargo até o ano de 2020, quando decidiu renunciar definitivamente e se aposentar da vida política por motivos de saúde.

— Espero que a vida humana seja prolongada, mas estou preocupado — disse Mujica na entrevista ao NYT. — Há muitas pessoas loucas com armas atômicas. Muito fanatismo. Deveríamos estar construindo moinhos de vento. No entanto, gastamos em armas. Que animal complicado é o homem. Ele é inteligente e estúpido.

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