Acaba de ir ao ar, diante de um mundo político e uma elite cultural moralmente castrados, mais um capítulo do maior embuste jamais montado pelo Supremo Tribunal Federal na história deste país. O que estão fazendo ali, sem o menor vestígio de vergonha na cara, é um processo em que as sentenças já foram dadas e os réus já estão condenados antes de se iniciar o julgamento — o processo do “golpe armado” que não teve nenhuma arma, não podia derrubar o governo de país algum do planeta e do qual, até agora, os acusadores não conseguiram apresentar o mais miserável fragmento de prova que possa ser levada a sério por alguém.
Observações estritamente factuais como essas (ou “fáticas”, no patuá falado pelo STF), são automaticamente classificadas como “bolsonaristas”, “golpistas” ou de “extrema direita” — ou sabe lá Deus de qual outra vilania se possa imaginar. Tudo bem, mas quem acredita que isso aí é mesmo um julgamento, tal como a ciência do Direito entende o significado da palavra “julgamento”, precisaria responder a pelo menos uma pergunta: você acredita, honestamente, que Alexandre de Moraes e os demais ministros vão absolver algum dos acusados, um pelo menos que seja?
É claro que nem o militante mais fanático do STF acredita, realmente, numa miragem como essa. As razões que invocam são conhecidas. Os réus têm mesmo de já estar condenados, dizem, porque são culpados; na verdade, nem seria preciso fazer julgamento algum, de tão culpados eles são. O golpe só não foi dado porque os golpistas não conseguiram o que queriam — ou seja, iam para Marte, mas não foram porque não deu para ir. Há provas “robustas” — mas na hora de citar alguma delas, pelo menos uma, tudo o que conseguem é repetir coisas que a polícia diz.
Que raio de prova é isso aí? Se as acusações da Polícia Federal e da PGR foram elevadas à condição de verdade, para que servem juízes, julgamentos e os 11 ministros do STF? Foi o que se viu, objetivamente, na decisão da câmara de Moraes de aceitar — é claro que aceitou — as denúncias contra seis dos acusados. Nada ali, mas nada mesmo, pode ser provado. É falso, já de cara, que os réus, formavam o “Núcleo 2″ do “golpe”, como diz a acusação. Nunca existiu “Núcleo 2″ nenhum, ou 1 ou 3, ou qualquer número — isso é criação exclusiva das 900 páginas do relatório da polícia. Daí para frente, só piora.
O ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro, Filipe Martins, é acusado de ter escrito a célebre “minuta do golpe”. Mas até agora a “minuta” não apareceu; a defesa, pelo menos, nunca teve acesso a ela. Como estão dizendo que Martins participou de um golpe se não há prova nenhuma de que ele, que sequer é advogado, escreveu a tal minuta? Pelo que diz a PF, trata-se de um pedaço papel sem assinatura de ninguém, no qual não se fala de golpe, e sim de um possível pedido para o Congresso Nacional autorizar a decretação de estado de sítio, ou de emergência.
O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, por sua vez, é acusado de impedir a movimentação de eleitores de Lula no dia da eleição de 2022. Não se apresentou até agora, mais de dois anos depois, um único eleitor realmente lulista que tenha sido realmente impedido de votar naquele dia. Não se explicou, também, como o réu poderia saber quem ia votar em Lula – teria de saber, se a acusação diz que ele bloqueou a passagem dos eleitores lulistas pela estrada. Há denúncias de troca de mensagens sobre a votação de Lula no primeiro turno – mas isso era de conhecimento público.
Não se julgou necessário, também, apresentar nenhuma prova material contra o general Mario Fernandes, acusado do pior crime que o “golpe” queria cometer, segundo a PGR e a PF – o assassinato de Moraes, de Lula e até do vice Geraldo Alckmin pela “Operação Punhal Verde-Amarelo”. Onde está demonstrado que ele iria mesmo matar os três, ou pelo menos um? Não está – o que existe na denúncia é um “tudo indica” que ele poderia ter planejado as execuções. No caso de Lula, pelo que deu para entender, a morte seria por envenenamento, quando ele fosse para “o hospital” – não tendo se explicado o que os golpistas fariam se o presidente não ficasse doente antes do “golpe”.
A coisa vai por aí afora, e daí para baixo, em todas as acusações que o STF aceitou levar a julgamento — uma maçaroca de declarações que seria posta para fora de qualquer tribunal de país civilizado. O resto do pacote é do mesmo nível de qualidade. Moraes se recusou a intimar testemunhas de defesa. Insistiu que tem o direito de julgar crimes dos quais ele próprio é vítima, alegando que a vítima, no fundo, é o “Estado de Direito” — e chamando os que discordam dele, mesmo juristas comprovadamente sérios, de “milícias digitais”. Proibiu os advogados (e todo mundo) de levarem celulares à sessão de julgamento. Debochou dos acusados fazendo uma piadinha sobre a morte do papa.
É esta a Justiça imparcial que os réus vão receber dos seus julgadores quando as sentenças finais forem assinadas. É a descida do judiciário brasileiro ao ponto mais baixo a que já chegou até hoje — uma conduta de republiqueta totalitária que desonra o STF e todos os que decidiram fechar os olhos para a desordem jurídica que os ministros impuseram ao país.