Nesta sexta-feira (21), o Pentágono deve apresentar a Elon Musk os planos militares dos Estados Unidos para um eventual conflito com a China, segundo informaram dois altos funcionários estadunidenses nesta quinta-feira (20) ao The New York Times.
Outra fonte do jornal afirmou que a apresentação terá foco na China, sem, contudo, revelar mais detalhes. Um quarto funcionário confirmou a presença de Musk no Pentágono na sexta-feira (21), mas também não forneceu informações adicionais.
Conceder a Musk acesso a alguns dos segredos militares mais bem guardados do país representaria ampliação significativa de seu já extenso papel como conselheiro do presidente Donald Trump e líder na iniciativa de redução de gastos e eliminação de pessoas e políticas consideradas indesejáveis pelo governo.
Essa situação também evidencia as questões relativas aos conflitos de interesse envolvendo Musk, visto que ele atua em diversas áreas da burocracia federal enquanto continua à frente de empresas que são importantes contratadas pelo governo. Nesse contexto, o bilionário e CEO de SpaceX e Tesla é um dos principais fornecedores do Pentágono e possui investimentos financeiros expressivos na China.
Musk e os planos militares mais bem guardados do mundo
- Os chamados planos de guerra do Pentágono, conhecidos no meio militar como O-plans ou planos operacionais, estão entre os segredos mais protegidos das Forças Armadas;
- Se um país estrangeiro soubesse como os Estados Unidos planejam lutar contra ele, poderia fortalecer suas defesas e corrigir suas vulnerabilidades, reduzindo, significativamente, a eficácia desses planos;
- A apresentação ultrassecreta sobre o plano de guerra contra a China consiste em cerca de 20 a 30 slides, nos quais se expõe como os Estados Unidos conduziria um conflito dessa natureza;
- Segundo autoridades que têm conhecimento do assunto, o material abrange desde os primeiros sinais e alertas sobre a ameaça chinesa até as diversas opções de alvos a serem atingidos, em determinado período, que seriam submetidos à decisão do presidente Trump.
Um porta-voz da Casa Branca não respondeu a e-mail do Times que pedia esclarecimentos sobre o objetivo da visita, como ela foi organizada, se o presidente tinha ciência da mesma e se isso suscitaria dúvidas quanto a conflitos de interesse. A administração não informou se Trump assinou termo de isenção de conflito de interesses para Musk.
Poderes (quase) ilimitados
Após a publicação da reportagem, Sean Parnell, o principal porta-voz do Departamento de Defesa, afirmou, em comunicado: “O Departamento de Defesa está entusiasmado em receber Elon Musk no Pentágono na sexta-feira. Ele foi convidado pelo secretário Hegseth e está apenas visitando.”
O encontro ressalta o duplo papel extraordinário desempenhado por Musk, que, além de ser o homem mais rico do mundo, recebeu amplos poderes do presidente Trump.
Musk possui autorização de segurança e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, pode decidir quem tem acesso às informações sobre o plano. Entretanto, compartilhar muitos detalhes técnicos com Musk é questão à parte.
De acordo com os oficiais, o secretário Hegseth, o almirante Christopher W. Grady, presidente interino do Estado-Maior Conjunto, e o almirante Samuel J. Paparo, comandante do Comando Indo-Pacífico, estão programados para apresentar a Musk os detalhes do plano dos EUA para conter a China em caso de conflito militar.
Planos operacionais para contingências importantes, como uma guerra com a China, são extremamente complexos para quem não possui vasta experiência em planejamento militar. Devido à sua natureza técnica, geralmente, os presidentes recebem apenas os contornos gerais do plano e não o documento completo. Ainda não está claro quantos detalhes Musk desejará ou precisará conhecer.
Segundo autoridades próximas ao assunto, Hegseth recebeu parte da apresentação sobre o plano de guerra contra a China na semana passada e outra parte na quarta-feira (19).
Não ficou claro qual foi o motivo para conceder a Musk uma apresentação tão sensível. Ele não faz parte da cadeia de comando militar, nem é conselheiro oficial de Trump em questões militares relacionadas à China.
Entretanto, existe possível razão para que o bilionário precise conhecer certos aspectos do plano de guerra. Se Musk e sua equipe de redução de custos do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) pretendem cortar o orçamento do Pentágono de forma responsável, eles podem necessitar saber quais sistemas de armas o Pentágono planeja utilizar em eventual conflito com a China, explana o Times.
Por exemplo, considere os porta-aviões. Reduzir a produção futura desses navios poderia economizar bilhões de dólares, recursos que poderiam ser investidos em drones ou outras armas. Contudo, se a estratégia de guerra dos EUA depende do uso inovador dos porta-aviões para surpreender a China, desativar navios existentes ou interromper a produção de novos pode comprometer esse plano.
Preparo para conflito com a China e gastos militares astronômicos
O planejamento para uma guerra com a China tem sido preocupação constante no Pentágono há décadas, muito antes de um confronto com Pequim se tornar opinião consolidada no Congresso. Os Estados Unidos estruturaram suas Forças Aéreas, Marinha e Forças Espaciais — e, mais recentemente, também os seus Marines e Exército — com a possibilidade de conflito com os chineses em mente.
Críticos afirmam que o setor militar investiu demais em sistemas caros e de grande porte, como caças e porta-aviões, e de menos em drones de médio alcance e defesas costeiras. No entanto, para que Musk possa reorientar os gastos do Pentágono, ele precisa saber quais equipamentos o setor militar pretende utilizar e para qual finalidade.
O bilionário já chegou a defender que o Pentágono pare de adquirir itens de alto custo, como os caças F-35, fabricados por um de seus concorrentes na área de lançamentos espaciais, a Lockheed Martin, em programa que custa aos Estados Unidos mais de US$ 12 bilhões (R$ 67,94 bilhões) por ano.
Por outro lado, os amplos interesses empresariais de Musk tornam seu acesso a segredos estratégicos sobre a China uma questão séria, do ponto de vista ético. Autoridades afirmam que as revisões dos planos de guerra contra a China têm dado ênfase à atualização das estratégias de defesa contra ataques espaciais. A China desenvolveu um conjunto de armas capazes de atingir satélites dos EUA.
Embora as constelações de satélites Starlink de baixa órbita, de propriedade de Musk, sejam consideradas mais resilientes do que os satélites convencionais, ele pode ter interesse em saber se os Estados Unidos conseguiriam proteger seus satélites em conflito com os asiáticos.
Participar de uma sessão ultrassecreta sobre a ameaça chinesa, ao lado de alguns dos mais altos funcionários do Pentágono e das Forças Armadas dos EUA, seria oportunidade extremamente valiosa para qualquer contratada de defesa que deseje fornecer serviços ao setor militar.
O líder do DOGE poderia, assim, obter insights sobre novas tecnologias que o Pentágono possa vir a necessitar e que a SpaceX, onde ele continua atuando como CEO, poderia oferecer.
Embora contratadas que trabalham em projetos relacionados ao Pentágono, geralmente, tenham acesso a certos documentos de planejamento de guerra – mas somente após sua aprovação –, executivos individuais, raramente, conseguem acesso exclusivo a altos funcionários do Pentágono para apresentação desse tipo, conforme afirmou Todd Harrison, pesquisador sênior do American Enterprise Institute, que se dedica à estratégia de defesa, ao Times.
“Musk participando de uma apresentação de planejamento de guerra?” afirmou Harrison. “Conceder ao CEO de uma única empresa de defesa um acesso exclusivo pode servir de base para protestos contratuais e configura verdadeiro conflito de interesses.”
A SpaceX já recebe bilhões de dólares do Pentágono e de agências de inteligência para ajudar os Estados Unidos a construir novas redes de satélites militares, com o objetivo de enfrentar as crescentes ameaças militares da China. A empresa espacial lança a maioria desses satélites militares a bordo de seus foguetes Falcon 9, que decolam de bases militares estabelecidas pela empresa na Flórida (EUA) e na Califórnia (EUA).
Além disso, a empresa já recebeu centenas de milhões de dólares do Pentágono, que, atualmente, depende fortemente da rede de comunicações via satélite da Starlink (cuja dona é a SpaceX) para transmitir dados de militares ao redor do mundo.
Em 2024, a SpaceX foi contemplada com, aproximadamente, US$ 1,6 bilhão (R$ 9,05 bilhões) em contratos com a Força Aérea. Esse valor não inclui os gastos classificados que o Escritório Nacional de Reconhecimento investe na empresa para a construção de nova constelação de satélites de baixa órbita, destinada a espionagem contra a China, Rússia e outras adversárias.
Trump já propôs a criação de novo sistema militar, denominado Golden Dome, sistema de defesa antimísseis baseado no Espaço que remete às iniciativas do presidente Ronald Reagan (cujo sistema “Star Wars” nunca foi totalmente concretizado).
A percepção de ameaças de mísseis vindos da China — seja de armas nucleares, mísseis hipersônicos ou mísseis de cruzeiro — foi um dos principais motivos que levaram Trump a assinar ordem executiva recente, instruindo o Pentágono a iniciar os trabalhos sobre o Golden Dome.
Mesmo o simples planejamento e construção dos primeiros componentes do sistema deverá custar dezenas de bilhões de dólares, segundo autoridades do Pentágono, o que, provavelmente, abrirá grandes oportunidades de negócio para a SpaceX, que já fornece lançamentos de foguetes, estruturas de satélites e sistemas de comunicação de dados baseados no Espaço, todos necessários para o Golden Dome.
Em paralelo, Musk tem sido alvo de investigações conduzidas pelo auditor-geral do Pentágono sobre possíveis descumprimentos relacionados à sua autorização de segurança ultrassecreta.
Essas investigações tiveram início no ano passado, após reclamações de funcionários da SpaceX junto a órgãos governamentais, que alegaram que Musk e outros membros da empresa não estariam reportando, adequadamente, contatos ou conversas com líderes estrangeiros.
Antes do final da administração Biden, autoridades da Força Aérea iniciaram sua própria revisão, após questionamentos de senadores democratas, que afirmaram que Musk não estava cumprindo os requisitos para a autorização de segurança.
De fato, a Força Aérea havia negado pedido de Musk para obter autorização de segurança de nível ainda mais elevado, o chamado Special Access Program – destinado a programas ultrassecretos –, alegando riscos de segurança associados ao bilionário.
A importância da SpaceX para o Pentágono chegou a tal ponto que o governo chinês passou a considerar a empresa uma extensão das Forças Armadas dos Estados Unidos.
Um artigo, intitulado “Militarização do Starlink e Seu Impacto na Estabilidade Estratégica Global”, foi publicado no ano passado por uma universidade chinesa de defesa, conforme tradução realizada pelo Center for Strategic and International Studies.
Além disso, Musk e Tesla – empresa de veículos elétricos sob seu controle – mantêm forte dependência da China, onde opera uma das principais fábricas da montadora, em Xangai. Inaugurada em 2019, essa instalação de última geração foi construída com autorização especial do governo chinês e, atualmente, responde por mais da metade das entregas globais da Tesla.
No ano passado, a empresa informou, em registros financeiros, que possuía acordo de empréstimo de US$ 2,8 bilhões (R$ 15,85 bilhões) com bancos chineses para despesas de produção.
Em público, Musk tem evitado críticas a Pequim e demonstrado disposição para colaborar com o Partido Comunista Chinês. Em 2022, ele escreveu coluna para a revista da Administração do Ciberespaço da China – órgão de censura do país – enaltecendo suas empresas e suas missões de aprimorar a humanidade.
Nesse mesmo ano, o bilionário afirmou ao The Financial Times que a China deveria receber algum controle sobre Taiwan, sugerindo a criação de “zona administrativa especial para Taiwan que fosse razoavelmente aceitável”, comentário que irritou políticos da ilha independente. Na mesma entrevista, Musk também destacou que Pequim exigiu garantias de que ele não venderia a Starlink na China.
No ano seguinte, durante conferência de tecnologia, Musk chegou a se referir à ilha democrática como “parte integrante da China que, de forma arbitrária, não faz parte da China”, comparando a situação entre Taiwan e China à relação entre Havaí e Estados Unidos.
No X, que ele mesmo administra, Musk, frequentemente, elogia a China, afirmando que o país é, “de longe”, líder mundial em veículos elétricos e energia solar, além de elogiar seu programa espacial por ser “muito mais avançado do que se imagina”. Ele também tem incentivado visitas ao país e manifestado abertamente sua crença em aliança inevitável entre Rússia e China.