A reação indignada de Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias às Notas da Comunidade no X (antigo Twitter) expõe a dificuldade que setores da esquerda têm em lidar com a descentralização da checagem de fatos. Por anos, agências de checagem operaram sob um modelo seletivo, no qual determinados discursos eram amplificados e outros suprimidos. Com a entrada das Notas da Comunidade, esse monopólio foi quebrado, e a revolta petista com essa mudança não poderia ser mais ilustrativa.
O episódio começou com postagens de Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias sobre a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de aumentar a taxa de juros. No dia 29 de janeiro de 2025, Gleisi publicou:
“O novo aumento da taxa básica de juros, já determinado desde dezembro pela direção anterior do Banco Central e anunciado hoje, é péssimo para o país e não encontra qualquer explicação nos fundamentos da economia real. Vai tornar mais cara a conta da dívida pública, sufocar as famílias endividadas, restringir o acesso ao crédito e o crescimento da atividade econômica”.
No entanto, uma Nota da Comunidade foi anexada ao post, esclarecendo que a decisão foi tomada sob responsabilidade da atual gestão do Banco Central, desmentindo sua narrativa.
No fim das contas, a revolta de Gleisi e Lindbergh não é contra a desinformação, mas contra o fato de que agora qualquer cidadão pode contestar suas afirmações
No mesmo dia, Lindbergh Farias tentou reforçar essa versão, afirmando:
“Esse novo aumento de 1 ponto percentual da Selic é um desastre que pode provocar uma desaceleração excessiva da economia e terá um enorme impacto fiscal. É inaceitável a armadilha criada por Roberto Campos Neto”. Mais uma vez, os usuários do X corrigiram a desinformação, apontando que a decisão do Copom foi unânime e envolveu os indicados pelo próprio governo Lula.
A reação de Gleisi e Lindbergh às correções veio no dia seguinte. Em 30 de janeiro, Gleisi publicou:
“O sistema de ‘Notas da Comunidade’ no X está sendo utilizado para disputa política. O recurso autoriza que usuários comuns possam inserir e avaliar textos em postagens de terceiros, permitindo a veiculação de desinformação e mensagens enviesadas”.
Já Lindbergh atacou diretamente a ferramenta, afirmando: “É pura desonestidade do ‘Notas da Comunidade’ do X querer ‘corrigir’ minha postagem dizendo que a alta de juros do Copom já não tinha sido precificada em dezembro do ano passado”.
As Notas da Comunidade não apenas esclareceram os fatos, mas também corrigiram a narrativa distorcida dos parlamentares sobre o próprio sistema. Enquanto Gleisi e Lindbergh alegavam que as notas estavam sendo usadas para “veiculação de desinformação”, os próprios usuários do X destacaram que o processo é baseado na diversidade de fontes e que as correções foram aceitas por diferentes grupos ideológicos, garantindo imparcialidade na moderação das informações. A tentativa de desacreditar a ferramenta acabou evidenciando o real incômodo dos parlamentares: a impossibilidade de manipular o debate sem contestação.
A insatisfação da esquerda com a perda de controle sobre a informação ficou ainda mais evidente quando a mídia tradicional entrou na briga. Já descrevi essa mudança como “uma revolução no modo como as informações são corrigidas na internet”. Assim que o instrumento surgiu e foi torpedeado pelas agências de checagem, publiquei que “pela primeira vez, uma ferramenta de checagem de fatos não está nas mãos da imprensa ou de grupos politicamente alinhados, mas nas mãos do próprio público”.
A guerra contra as Notas da Comunidade não se limita ao Brasil. Em diversos países, figuras políticas e veículos de comunicação têm demonstrado desconforto com a influência crescente dessas ferramentas. O medo é compreensível: ao descentralizar a checagem de fatos, essas plataformas expõem o viés de muitas agências e desafiam o modelo tradicional de construção da narrativa.
No fim das contas, a revolta de Gleisi e Lindbergh não é contra a desinformação, mas contra o fato de que agora qualquer cidadão pode contestar suas afirmações. Essa resistência demonstra que, para certos setores políticos, a verdade importa menos do que o controle sobre ela. A ironia é que aqueles que mais defendiam a checagem de fatos agora atacam um sistema que finalmente torna esse processo transparente e democrático.