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PCC e máfia italiana negociaram fuzis e cocaína

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Mensagens inéditas da Operação Eureka mostram detalhes do tráfico

O Primeiro Comando da Capital (PCC) recebeu armas da ‘Ndrangheta, uma das máfias da Calábria. Em troca, enviou toneladas de cocaína do Brasil para a Europa. É o que mostram mensagens inéditas da Operação Eureka, a maior investigação sobre os negócios mundiais da máfia italiana.

As quase 3 mil páginas da investigação italiana, às quais o jornal Estado de S. Paulo teve acesso, trazem detalhes de crimes cometidos nos dois países revelados por meio da delação premiada do mafioso Vincenzo Pasquino. 

Ele foi preso no Brasil em 2021, ao lado do chefão da ‘Ndrangheta, Rocco Morabito, considerado o principal agente da negociação para fornecer armas para o PCC em troca de cocaína. 

PCC traficou armas e cocaína junto à máfia italiana
Trecho da investigação italiana com a foto enviada pelos traficantes de armas para os mafiosos da ‘Ndrangheta | Foto: Reprodução/Estadão

É raro um chefe ‘Ndrangheta delatar, diz a reportagem. A organização é fundada nos vínculos familiares dos clãs mafiosos, o que a manteve por décadas imune às tentativas do Estado italiano de romper a lei do silêncio, a omertà, em torno de suas atividades.

A partir da delação, um grupo especial de procuradores brasileiros e italianos foi criado para analisar as provas obtidas. 

O esquema do negócio entre a máfia e o PCC

Uma das suspeitas dos promotores brasileiros é de que as armas seriam usadas pelo PCC para o plano de resgate de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, um dos líderes da facção, que está preso em Brasília.

Além de Morabito, as investigações implicam os mafiosos italianos Francesco Gligora e Pietro Fotia na venda de armas para o PCC. Eles agiram em conjunto com paquistaneses para entregar o carregamento de fuzis Kalashnikov a “uma organização criminosa paramilitar brasileira”. Os italianos foram intermediários do negócio. 

As principais provas da promotoria vieram de mensagens criptografadas decifradas pela polícia italiana. Ela obteve as provas com a polícia francesa, que por sua vez sequestrou o material no servidor do sistema de mensagens Sky ECC, usado uma série de organizações criminosas ao redor do mundo.

Em 29 de outubro, o escândalo da Sky ECC levou à condenação de 116 dos 125 acusados de operar uma rede de tráfico de drogas no Porto de Antuérpia, na Bélgica. Além de traficar drogas e armas para as Américas, Europa e Austrália, eles mantinham contatos com grupos chineses para movimentar recursos e lavar dinheiro.

Foi na Bélgica que os investigadores acharam as provas de que o PCC negociava um carregamento de 400 fuzis AK-47 do Paquistão por meio de Morabito. Segundo as investigações italianas, a ligação de Morabito com o país se dava por meio do italiano Pietro Fotia, que mantinha relações com a máfia dos Bálcãs e traficantes de armas paquistaneses. Esse elo ajudava a retirar a cocaína no Porto de Gioia Tauro, na Calábria, sul da Itália.

A negociação pelo sistema Sky Ecc ocorreu entre janeiro de 2021 e março de 2021, a partir de mensagens enviadas de Gênova e Áfrico, na Itália, e do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os dados da procuradoria de Calabria sobre a negociação param em 8 de março, quando o sistema Sky ECC foi derrubado pela polícia francesa. 

Uma das suspeitas do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, é que as armas serviriam para o plano de resgate de Marcola. Os italianos teriam se encontrado para tanto com Marcos Roberto Almeida, o Tuta, então um dos principais líderes da facção em liberdade. 

PCC recebeu treinamento da guerrilha paraguaia
Trecho do relatório sobre o plano de sequestro do, então juiz, Sérgio Moro que detalha o treinamento de integrantes do PCC por integrantes da guerrilha paraguaia | Foto: Reprodução/Estadão

Na época, o PCC arregimentava paramilitares e mercenários para invadir a penitenciária federal onde Marcola estava detido. O grupo seria treinado no Paraguai, onde, desde 2014, segundo o Gaeco, o PCC estabeleceu aliança com uma guerrilha paraguaia, denominada Exército do Povo Paraguaio (EPP). Trata-se de grupo armado que se declara marxista-leninista e que foi responsável por sequestros e atentados contra autoridades naquele país. 

Bandidos do Paquistão e da Albânia tiveram participação na logística do tráfico

Além de Fotia, responsável pelos contatos no Paquistão, Morabito recebia ajuda de Francesco Gligora, que cuidava da relação com os brasileiros que receberiam as armas. Gligora, diz a reportagem do Estadão, tinha receio de se encontrar com os traficantes brasileiros, a quem considerava “pessoas perigosas”. Ele permaneceu no Brasil até 21 de março, quando viajou para a Suíça e, depois, para Malta.

Delator do PCC Antônio Vinicius Gritzbach, morto no Aeroporto de Guarulhos
Delator do PCC Antônio Vinicius Gritzbach, morto no Aeroporto de Guarulhos | Foto: Reprodução/Internet

A procuradoria depois localizou Fotia na região de Gênova, onde teria se encontrado com os paquistaneses. Com a delação de Pasquino, procuradores italianos e brasileiros esperam descobrir a identidade dos brasileiros que receberam as armas e qual o destino final dos fuzis.

Os carregamentos de cocaína que eles enviavam para a Itália não eram nunca inferiores a 50 quilos. Em outubro de 2019, um dos carregamentos enviados, com 200 quilos, foi apreendido pela polícia fazendária italiana. Vinha de Itapoá (SC). Outros 450 quilos foram apreendidos pela Receita Federal no Porto de Paranaguá (PR).

A sequência de apreensões despertou a desconfiança dos mafiosos, que passaram a exigir completo segredo sobre a próxima carga. Um carregamento de 181 quilos de cocaína foi escondido em um contêiner com frango congelado, mas acabou também apreendido pela Receita Federal e pela Polícia Federal.

Por fim, os investigadores registraram ainda um carregamento de 660 quilos enviado por Morabito à Itália com ajuda de albaneses. Um grupo deles era muito próximo de Pasquino em São Paulo. Eles tiveram seus passos seguidos pelo Departamento de Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil paulista. 

Mafioso teve vida de luxo em São Paulo antes da extradição

Já Pasquino veio para o Brasil em 2017, para trabalhar com o envio de drogas para a Itália. Primeiro viveu no Paraná e se mudou para a capital paulista em 2019. Ele foi morar no Tatuapé, na zona leste. É ali que boa parte da cúpula do PCC comprou dezenas de imóveis e levava vida de luxo. 

Mafioso italiano morou no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, local onde parte da cúpula do PCC levava vida de luxo
Mafioso italiano morou no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, local onde parte da cúpula do PCC levava vida de luxo | Foto: Reprodução/Quinto Andar

Era também onde morava Antonio Vinicius Gritzbach, empresário que delatou esquemas do PCC e foi assassinado em 8 de novembro no Aeroporto de Guarulhos.

Pasquino foi extraditado para a Itália em março. Ele era um dos responsáveis pela logística do tráfico internacional. Em 2021, foi preso em um flat em João Pessoa, junto de outro suspeito de integrar a máfia. Foi extraditado somente neste ano. Promete ainda entregar às autoridades o mapa das principais rotas internacionais da droga e seus contatos com narcotraficantes turcos e operadores chineses ligados à lavagem de dinheiro.

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