O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares movidos contra médicos por suposto descumprimento da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificulta o aborto em gestação decorrente de estupro – uma das três hipóteses em que o aborto é permitido por lei no Brasil.
Na semana passada, o ministro suspendeu a resolução do CFM que proibia o uso de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. A resolução do conselho foi publicada em 4 de abril, e foi alvo de uma série de procedimentos judiciais antes que o Supremo a suspendesse de forma liminar.
De acordo com a nova decisão, fica proibida, ainda, a abertura de procedimentos administrativos ou disciplinares com base na resolução.
O ministro considerou informações acrescentadas aos autos sobre a suspensão do exercício profissional de médicas que realizaram aborto de aborto de fetos com mais de 22 semanas de gestação. Esses fatos teriam gerado manifestações populares na sede do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e a suspensão do programa Aborto Legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha.
“Em vista do exposto, e pelos mesmos fundamentos já assentados na decisão monocrática, compreendo ampliado o perigo de dano decorrente do não acautelamento das situações fáticas relacionadas à controvérsia constitucional submetida à apreciação do TRIBUNAL”, disse Moraes no despacho desta sexta-feira.
Norma suspensa
Na decisão da semana passada, Moraes suspendeu de forma liminar a resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe a utilização da assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. O método, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para os casos de aborto acima de 20 semanas, consiste na injeção de agentes farmacológicos para interromper os batimentos cardíacos do feto, que depois é retirado da barriga da mulher para completar o procedimento do aborto.
Moraes atendeu a um pedido feito pelo PSOL, que pede a declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM que proíbe a utilização da assistolia fetal exclusivamente nos casos de aborto decorrente de estupro. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado ao aborto.
De acordo com o partido, a proibição restringiria, “de maneira absolutamente discricionária”, a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos. Argumenta, ainda, que a resolução, na prática, submete meninas e mulheres à manutenção de uma gestação compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto, “privando-as do acesso ao procedimento e à assistência adequada por vias legais, submetendo-as a riscos de saúde ou morte”.
O PSOL também aponta que, como a resolução não proíbe a técnica nos outros dois casos em que o ordenamento jurídico permite o aborto – risco à vida da gestante e anencefalia –, o ato do CFM é discriminatório. Ressalta, também, que o procedimento é um cuidado médico crucial para a qualidade da atenção em aborto depois das 20 semanas, tal como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Na decisão, Moraes diz ter verificado “a existência de indícios de abuso do poder regulamentar” por parte do Conselho Federal de Medicina ao expedir a Resolução 2.378/2024, por meio da qual fixou condicionante que ultrapassa a lei “para a realização do procedimento de assistolia fetal na hipótese de aborto decorrente de gravidez resultante de estupro”.
O ministro lembra que a legislação atual estipulou duas excludentes de ilicitude para a conduta, quando praticada por médico: o aborto necessário, realizado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante; e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, caso em que se exige o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
“Nessa última hipótese, portanto, para além da realização do procedimento por médico e do consentimento da vítima, o ordenamento penal não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal, cuja juridicidade, presentes tais pressupostos, e em linha de princípio, estará plenamente sancionada”, explica Moraes.
A decisão de Moraes que suspende a norma do CFM não é definitiva. Ele determinou a análise da liminar pelos demais ministros e o processo foi incluído na sessão do plenário virtual que começa no dia 31 de maio. A suspensão da norma valerá até o julgamento final do tema pelo Supremo.