Quando o Boa Esporte fez as malas e se fixou em Varginha (MG) para disputar a Série B em 2011, a prefeitura de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, reagiu com um plano audacioso: erguer em dois anos um estádio para 18 mil torcedores, o equivalente a um quinto da população local, e trazer o clube de volta. Doze anos depois, o time não voltou, e a obra, que consumiu R$ 8,5 milhões do governo federal, está em ruínas e longe do fim. Não é um caso isolado. Levantamento do GLOBO identificou que, das 629 cidades que firmaram convênios com o Ministério do Esporte para construção de arenas ou campos de futebol desde 1995, ano de criação da pasta, há indicativos de atraso ou simplesmente abandono das obras em 203 deles — quase um terço.
Os contratos com problemas totalizam, até aqui, R$ 112 milhões. Agora sob a gestão do ministro André Fufuca (PP), empossado em setembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acomodar o Centrão no governo, o Esporte segue com planos de despejar recursos na construção de estádios. Como revelou O GLOBO há um mês, a pasta reservou R$ 10 milhões para erguer arenas no Maranhão, reduto de Fufuca.
O ápice de contratos firmados para esse fim ocorreu no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, entre 2007 e 2014, período em que o país se preparava para a Copa do Mundo. Titular da pasta de 2006 a 2011, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) justificou os recursos pela necessidade de adequar a infraestrutura esportiva no Brasil, inclusive com fins educacionais.
— Toda obra abandonada gera desperdício de dinheiro, mas os órgãos de controle responsabilizam quem dá o prejuízo — diz Silva.
Com custo de R$ 112 milhões em verbas do Esporte, Brasil tem mais de 200 obras escanteadas
No caso de Ituiutaba, um relatório da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), apresentado em plenário pelo ministro-relator, Vital do Rêgo, em setembro, apontou falhas na transparência da prefeitura sobre duração e valor exigido para conclusão da obra. Citando o valor total do contrato, de R$ 11,2 milhões, dos quais R$ 9,7 milhões cabem ao Esporte, o relatório afirmou que “estarrece imaginar que transferências de valores elevados para objetos de tamanho impacto social local tenham essa abordagem descompromissada em termos de transparência”.
Procurada, a prefeitura informou que fará uma nova licitação, prevista para o fim de outubro, e que por isso não devolveu a verba ao Ministério do Esporte, “considerando que a obra vai ser retomada”. O município não deu prazo para a conclusão do trabalho, que atravessou a gestão de três prefeitos com jogo de empurra de responsabilidades.
Promessa olímpica
Em Queimados, na Baixada Fluminense, um projeto similar foi anunciado em 2011 pelo então prefeito Max Lemos (PDT), hoje deputado federal, com a meta de receber “delegações interessadas” em usar o local para treinamento na Olimpíada de 2016. No ano em que a tocha olímpica chegava ao Rio, começaram cobranças de internautas no site da prefeitura. “O lugar só não está abandonado porque todo final de semana tem festival de pipas”, criticou um morador. Quase uma década depois, o tom era o mesmo: “Já estamos em 2023 e nada de estádio”.
Projetado para cinco mil pessoas, o campo ficaria no bairro Jardim da Fonte, hoje palco de uma guerra entre traficantes e milicianos. Lemos afirma que entraves burocráticos e dificuldades financeiras do município impediram que a obra avançasse além da terraplanagem em sua gestão, encerrada em 2016. O sucessor Carlos Vilela firmou novo convênio em 2017, de R$ 5,2 milhões, com o Ministério do Esporte, então chefiado por Leonardo Picciani, à época aliado próximo de Lemos.
— Aí já era outro projeto. Com o tempo, os custos têm que ser atualizados. Em 2020, a prefeitura viu que não tinha como fazer e devolveu o dinheiro — diz Lemos.
Além de obras que já venceram o prazo, projetos mais recentes têm indicativos de problemas. Em Coari (AM), a prefeitura fechou convênio em 2019 de R$ 3,8 milhões com o Ministério da Cidadania, que englobou as atribuições do Esporte no governo Bolsonaro. O município tinha outro estádio, que virou extensão do cemitério local, com lápides tomando o antigo campo, após a extinção do time do Grêmio Coariense em 2007.
A obra atual, prevista em convênio para ser entregue até dezembro de 2023, mal começou. A prefeitura diz que deve ficar para o primeiro semestre de 2024, embora pondere ser “muito provável que tenhamos que solicitar um aditivo junto ao governo federal”. O estádio foi promessa de campanha do ex-prefeito Adail Filho (PP), que acabou cassado pela Justiça Eleitoral. Sua tia, Dulce Menezes (MDB), assumiu interinamente e fez a licitação, antes de uma eleição suplementar em 2021 eleger o atual prefeito, Keitton Pinheiro. Moradores afirmam ao GLOBO que a obra foi interrompida em 2022.
A copa pelo caminho
Mesmo obras concluídas tiveram um caminho tortuoso. Em Olinda (PE), o Estádio Grito da República recebeu R$ 4,2 milhões em dois convênios, furou a prazo original e foi inaugurado às pressas em 2016, ainda inacabado, no último ano de gestão do ex-prefeito e hoje deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB).
Em Maracanaú (CE), a construção do campo municipal foi anunciada em 2005 pelo então ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, ao lado do prefeito Roberto Pessoa. O estádio só recebeu seu primeiro jogo oficial em janeiro deste ano. Foi inaugurado pelo mesmo prefeito, Roberto Pessoa, hoje no quarto mandato, após R$ 10 milhões em convênios. Em comum, ambos as arenas foram contempladas com mais recursos sob justificativa de que poderiam receber treinos de seleções na Copa, mas não ficaram prontos.
Campos de aparência simples se somam à relação de atrasos. Mesmo com projeto enxuto, prevendo apenas vestiários e um alambrado ao redor do campo, a obra em Caldas Novas (GO) atrasou quase dez anos. Com convênio de R$ 299 mil assinado em 2013, a prefeitura iniciou em julho a terraplanagem da área.
Em Jussari (BA), um estádio de R$ 780 mil, anunciado em 2014, ficou pela metade. A prefeitura alegou, no ano passado, erro de projeto envolvendo a instalação de uma fossa. Segundo o vereador Simão Lucas, que se afastou da gestão, a construtora disse que a verba ficou insuficiente.
— A empresa abandonou, e a prefeitura não se interessou. Deu no que deu, nós só ficamos com o prejuízo.