As empresas instaladas na Zona Franca de Manaus devem gastar R$ 1,346 bilhão em 2024 para contornar a seca mais severa da história na região. O valor considera R$ 846 milhões de adiantamento de estoque e mais R$ 500 milhões da chamada taxa da seca, que aumenta o preço da logística de cabotagem –a mais utilizada no Estado.
O levantamento é de Augusto César Barreto Rocha, professor da Ufam (Faculdade de Tecnologia da Universidade Federal do Amazonas) e coordenador da comissão de logística do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).
Segundo Rocha, a falta de infraestrutura e de investimentos na área para a região encarece a operação das indústrias por não oferecer diferentes alternativas logísticas para a chegada de insumos e o escoamento da produção.
“Não há investimento para a correção desse deficit de infraestrutura. Então, vale dizer, portanto, que é equivocado o debate entre infraestrutura e meio ambiente. Não é esse o debate, é como se houvesse um antagonismo entre eles. Ou faz infraestrutura ou protege o meio ambiente”, afirmou Rocha.
Para o professor, o governo utiliza a proteção ambiental como justificativa para não fazer nada pela região amazônica do ponto de vista da infraestrutura.
“O que nós necessitamos, de fato, é fazer duas coisas: fazer infraestrutura e proteger o meio ambiente, com respeito ao meio ambiente, porque a ausência de infraestrutura faz com que não exista governança nenhuma. A floresta vai sendo destruída com zero de governança. Ou seja, não há nem infraestrutura, nem proteção da floresta, nem nada”, declarou Rocha.
Uma das principais críticas de empresários que atuam na Zona Franca é a falta de diálogo com o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva. A ideia é que ela e sua equipe não estariam abertos a pensar em um desenvolvimento da região de forma sustentável sob a justificativa de que grandes obras na Amazônia piorariam o cenário de desmatamento da floresta.
“O ato de não fazer nada não nos transforma em responsáveis ambientalmente”, disse o professor.
Custo da seca
O principal modal logístico do polo industrial de Manaus é a cabotagem, que usa contêineres em navios para trazer os insumos para as empresas e para transportar os produtos acabados para o resto do Brasil.
Para isso, entretanto, é preciso que os rios mantenham navegabilidade durante o período de seca. Na Amazônia, o ciclo natural dos rios é de passar metade do ano em cheia e outra metade na seca.
Com as mudanças climáticas e o processo de aquecimento mundial, entretanto, as secas têm sido mais extremas e as cheias menos intensas. Em 2024, Manaus enfrentou a pior seca da série histórica, que começa em 2005. O nível do rio Negro chegou a 12,11 metros.
A máxima deste ano foi de 26,85 metros, que já está se distanciando das maiores cheias históricas, quando o rio chegou perto dos 30 metros. Com a seca, os navios não conseguem se aproximar de Manaus para carregar e descarregar, e, por isso, precisam passar por portos privados flutuantes, onde há o transbordo da carga e a aproximação da cidade.
Como não há alternativa viável para as empresas, os preços deste serviço disparam em 2024, chegando a US$ 4.000 ou US$ 5.000 por contêiner.
Segundo os empresários, apesar de haver outros modais logísticos, estes não atendem à demanda de carga e de tempo. Dentre as alternativas está a aérea, que transporta a menor parte dos produtos produzidos na Zona Franca, e a rodoviária.
O caminho por terra é o mais criticado pelo setor. Ou as cargas precisam ser colocadas em carretas que pegam balsas para irem até o Pará, onde acessam rodovias do resto do país, ou dependem da BR-319, que não tem asfalto em parte.
A única rodovia que conecta Manaus a outras regiões do Brasil, a BR-319, que vai até Porto Velho (RO), espera asfalto há 52 anos. Disputas judiciais e ambientais, entretanto, devem postergar uma solução definitiva para a “rodovia da lama” para depois de 2026.
A melhoria da infraestrutura destas alternativas logísticas poderia baratear o preço da cabotagem, que tende a ser o meio favorito dos empresários da região para escoar a produção para o resto do país.
“É impossível que uma obra resolva um problema de uma região. Só o Estado do Amazonas é do tamanho do Nordeste inteiro. Então não tem como uma rodovia resolver um problema de infraestrutura. É impossível. Para um tipo de infraestrutura de dimensão é impossível. Agora a BR-319 é importante. Que outra obra haverá necessidade? Por exemplo, manter a hidrovia navegável o ano inteiro. Aliás, transformar o rio em hidrovia, porque a gente só tem rio. A gente não tem hidrovia. Então a gente precisa ter uma hidrovia o ano todo. Fazer um canal, fazer alguma solução que resolva o problema. Mais portos, portos no interior, aeroportos no interior. Tem uma diversidade grande de obras”, declarou Augusto César Barreto Rocha, professor da Ufam.
Menos impacto que em 2023
Antes da seca de 2024, a pior da história havia sido justamente a do ano anterior (2023). Naquele momento, entretanto, não houve planejamento da indústria e do governo para enfrentar a estiagem. Com isso, o custo a mais para as empresas foi de R$ 1,4 bilhão, sendo que houve paradas nas produções e desabastecimento de insumos.
Desta vez, o cenário foi diferente. Além da criação de portos flutuantes para facilitar o transbordo das cargas em balsas menores, as indústrias adiantaram seus estoques durante o período da cheia para evitar que faltassem no 2º semestre.
População é quem + sofre
A seca recorde está longe de afetar só grandes empresários e indústrias instaladas no polo industrial de Manaus. É preciso subir o rio e chegar até quem vive nas margens do rio Negro para entender como a seca extrema dificulta a vida dos ribeirinhos.
Só depois de navegar 1h30 de lancha no rio Negro é possível chegar à comunidade de Três Unidos. Lá, vivem descendentes dos indígenas Kambeba, etnia originária das fronteiras do Brasil com os países andinos. Há um restaurante comunitário chamado Sumimi, administrado por mulheres indígenas, um grupo de artesanato com especialidade no vestuário tradicional e uma pousada para o turismo de base comunitária.
A seca mais severa, entretanto, prejudica o dia a dia das 42 famílias que vivem na comunidade. O rio chegou a baixar 7 metros em 3 meses. Além de afetar a pesca por motivos óbvios, toda a logística do grupo é afetada.
Antes, o rio chegava até um deck em frente a entrada da comunidade. Agora, é preciso caminhar 15 minutos para chegar até onde as lanchas conseguem atracar em segurança. Também há dificuldade para conseguir mantimentos que não têm na floresta, como sal, e que precisam vir de Manaus.
Mateus Maia/Poder360 – 22.nov.2024
Toda a faixa de areia até parte das árvores do lado esquerdo da foto ficam debaixo do rio durante a cheia. O percurso do rio até a comunidade Três Unidos ficou maior com a seca
A comunidade Três Unidos tem um Núcleo de Inovação e Educação para o Desenvolvimento Sustentável feito pela FAS (Fundação Amazônia Sustentável), uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos.
O espaço tem sala de aula, biblioteca, alojamentos, laboratório de informática e unidades de produção agroecológica.
É um modelo de parceria público-privada, em que a instituição constrói o núcleo e o governo fica responsável pelas políticas públicas, como escolas e atendimento médico.
No caso de Três Unidos, as aulas são virtuais com professores da rede estadual de Manaus. Ainda assim, por conta da seca, as aulas foram interrompidas em agosto de 2024 para evitar que algumas crianças de comunidades que ficam isoladas por causa da seca (acesso de barco fica interrompido) fossem prejudicadas.
A ideia da FAS, entretanto, é minimizar os impactos das mudanças climáticas nas comunidades tradicionais e de povos originários. Com a escola à distância, a evasão escolar caiu 70%. A fundação tem parcerias com empresas do polo industrial de Manaus para levar a infraestrutura mínima para as comunidades mais afastadas, como energia solar.
“As indústrias de Manaus precisam dar um passo além de proteger a floreta indiretamente gerando emprego e pagando impostos… Tem gente na Amazônia. Se essas pessoas não estiverem prósperas, elas não vão cuidar da floresta”, disse Virgilio Viana, superintendente da FAS.
Além da escola que parou, a comunidade também enfrentou um problema com a diminuição do fluxo de turistas para a localidade por causa da seca. O acesso à saúde também é prejudicado, dado que os tempos de deslocamento ficam significativamente maiores porque os barcos, mesmo os pequenos, precisam desviar do caminho original para evitar encalhes.
“Tudo que tem a ver com logística fica pior, mais caro, mais difícil”, declarou Viana.
*Com informações Poder360