O empresário Marcelo Odebrecht relatou em depoimento ao então juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR) como teria sido feito o repasse de R$ 300 milhões da sua empreiteira (hoje Novonor) para o PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As declarações foram dadas em 10 de abril de 2017 durante a operação Lava Jato.
Ele conta que os seus “principais interlocutores” com o governo de 2008 a 2015 foram o ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci e o ex-ministro da Economia Guido Mantega. “Palocci em 1º lugar, depois Guido Mantega”. Leia abaixo trechos da entrevista concedida a Thomas Traumann com todos os detalhes do relato de Marcelo Odebrecht ou assista os vídeos.
“Dentro dessa relação, eu negociava com eles valores no processo mais ou menos acumulado que, de 2011 a 2015, acabou sendo um montante que eu disponibilizei para eles ao redor de R$ 300 milhões”, disse.
Ele continua: “Em 2 momentos houve pedidos de contrapartida específica para 2 pleitos, o resto entrava dentro de uma relação ampla onde simplesmente ia se negociando o valor em função de uma agenda grande que a gente tinha com eles”.
Assista (2min51s):
Segundo o empresário, os demais valores eram usados para “fins diversos”, desde doações para as campanhas presidenciais de 2010 e 2014 e municipais e doações de caixa 2. Ele afirma que o dinheiro também foi usado para custear a campanha para a Prefeitura de São Paulo do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 2012.
Marcelo disse que o montante englobava ainda o pagamento de caixa 2 de campanhas do exterior -que ele não detalha de onde seriam-, “porque interessava por alguma razão ao PT o governo federal apoiar” e até contas do Instituto Lula.
ANULAÇÃO DE CONDENAÇÃO
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli anulou na 3ª feira (21.mai) todas as decisões sob juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, sob o comando de Moro, contra o empresário na operação Lava Jato.
“Em face do exposto, defiro o pedido constante desta petição e declaro a nulidade absoluta de todos os atos praticados em desfavor do requerente no âmbito dos procedimentos vinculados à operação Lava Jato, pelos integrantes da referida operação e pelo ex-juiz Sérgio Moro no desempenho de suas atividades perante o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”, diz Toffoli em decisão. Eis a íntegra (PDF – 626 kB).
As investigações da operação Lava Jato desvendaram um esquema de corrupção em que executivos da Odebrecht pagavam propinas a políticos e funcionários públicos para obter obras, garantindo a preferência de processos e contratos. Marcelo, então presidente e herdeiro da companhia, foi preso em junho de 2015.
A decisão de Toffoli de 3ª feira (21.mai) atendeu a um pedido da defesa de Odebrecht. Os advogados alegam que o caso do empresário era semelhante ao de outros réus da Lava Jato que tiveram seus processos anulados por irregularidades na condução das investigações.
Segundo o ministro, a 13ª Vara Federal de Curitiba, sob juízo de Moro, mostrou-se “parcial e agiu em conluio com a acusação”.
Toffoli afirma que magistrados e procuradores da República que atuaram na operação ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir objetivos “pessoais e políticos“.
O ministro requer o trancamento das persecuções penais contra Marcelo Odebrecht, entretanto, diz que o acordo de colaboração de delação premiada firmado por ele durante a operação segue válido.
“Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, bem como sobre as empresas que ele presidia, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, afirma Toffoli.
Para os seus negócios, fazia diferença contratar o ex-presidente Lula para dar palestras?
Sim, fazia diferença, mas nós tínhamos uma situação ambígua. Por um lado, Lula tinha uma enorme influência e era muito querido, tanto na América latina como na África. Por outro lado, ao contrário da maior parte das nossas competidoras, nós já estávamos presentes nesses países. Neste sentido, a presença de Lula nos trazia algum desconforto porque a intenção dele era abrir o mercado para todas as empresas brasileiras. Nós então procurávamos influenciar as pessoas no entorno do Lula, e preparávamos notas detalhando a nossa operação para que no momento em que ele fosse defender as empresas brasileiras, não o fizesse de uma maneira tão genérica que pudesse passar a impressão ao governo local que estava despriorizando a única empresa brasileira que já estava presente naquele país há muito tempo.
A Odebrecht era uma das “campeões nacionais” da política de financiamento do BNDES?
Discordo. Não havia uma preferência nem de Lula, nem de Dilma para fazer tal empresa crescer. O que havia eram políticas públicas influenciadas e disputadas por vários setores e empresas. A Odebrecht já era, desde a década de 1990, a maior exportadora de serviços do Brasil. No governo Lula houve uma boa política pública de incentivo à exportação de serviços e nós, pela nossa presença internacional, fomos os maiores beneficiários.
Havia algum tipo de esquema de corrupção na liberação dos financiamentos do BNDES?
Que eu tenha conhecimento, nunca houve esquema de corrupção no BNDES. Apenas no contexto de uma negociação bilateral para ampliar uma linha de crédito entre o governo de Lula e de outro país, negociação da qual a Odebrecht nem era parte, houve um pedido de apoio financeiro ao PT, e que é objeto de uma ação penal em andamento (referência ao inquérito sobre Angola).
O que quebrou a Odebrecht?
É fácil dizer que o que quebrou a Odebrecht foi a Lava-Jato. Sim, a Lava-Jato foi o gatilho para nossa derrocada, mas a Odebrecht poderia ter saído dessa crise menor, mas mais bem preparada para um novo ciclo de crescimento sobre bases até mais sustentáveis. Só que nós não soubemos conduzir o processo da Lava-Jato. A Odebrecht quebrou por manipulações internas, não apenas pela Lava-Jato.
O caixa dois era necessário?
Se eu disser que era necessário, estaria mentindo. Havia empresas que corretamente não aceitavam fazer. Nós, porém, sempre fomos tolerantes com o caixa dois. E não faltavam motivos para justificá-lo. Seja porque o político tinha uma referência de orçamento oficial de campanha que não queria ultrapassar, seja porque o político não queria aparecer recebendo muito dinheiro de uma empresa com interesses na região, ou cujos projetos ele defendia. A própria empresa, por sua vez, também não queria aparecer, porque havia uma criminalização na mídia com relação às contribuições oficiais de campanha. Posso me estender aqui por inúmeras justificativas que nos levavam a optar pelo caixa dois e todas elas têm um erro comum: tiravam a transparência e a legitimidade de nossas relações. Mesmo que grande parte das relações políticas não envolvessem um toma lá, dá cá, a existência do caixa dois tirava da sociedade o direito de fazer um julgamento.
Quando a Lava-Jato explodiu, descobriu-se que o volume de recursos de caixa dois da Odebrecht era tamanho que havia um setor específico, o famoso Departamento de Operações Estruturadas.
Isso é folclore. Esse tal departamento de propina nunca existiu. A verdade é menos espetaculosa. Desde os anos 1980, bem antes de meu ingresso na empresa como estagiário, havia pessoas na Odebrecht que apoiavam os executivos na realização de pagamentos não contabilizados. Eram bônus não declarados para executivos, pagamentos em espécie a fornecedores, especialmente em zonas de conflito, investimentos em que não queríamos aparecer, caixa dois para campanhas, e eventualmente até propinas. Essas pessoas iam se sucedendo, e todas eram identificadas por algum programa dentro da Odebrecht para ocultar sua real função, sendo que as últimas pessoas se autodenominaram responsáveis por operações estruturadas.
Não existia o departamento de operações estruturadas?
Existiam pessoas que faziam pagamentos não contabilizados, sendo que, em algum momento, sem que fosse de conhecimento meu ou de qualquer outro executivo, elas começaram a criar sistemas para controlar estes pagamentos. Uma maluquice total! Quanto à natureza desses pagamentos, só os executivos que os aprovaram é que podem responder e definir o que pode ser caracterizado como propina. Não estou negando o fato de que houve pagamento de propinas, só estou dizendo que não era nem de longe na dimensão que foi divulgada. E a prova de que as propinas eram uma parcela mínima de nossos pagamentos não contabilizados é que a grande maioria das ações judiciais fruto das delações da Odebrecht foi direcionada para a Justiça Eleitoral.
Mas as demais empresas não tinham a sofisticação da Odebrecht
A maior parte das empresas se utilizavam de notas frias. Como éramos extremamente descentralizados, foi tomada uma decisão na Odebrecht lá no início dos anos 90 de que, para não contaminar toda a contabilidade da empresa com notas frias, faríamos uma geração mais planejada de caixa 2. No Exterior, esse caixa 2 seria colocado em contas offshores à disposição dos nossos executivos. Quando precisavam, esses executivos solicitavam às pessoas que cuidavam desse caixa 2 para fazer os pagamentos não contabilizados. Nenhum executivo da empresa, eu entre eles, sabia que havia registros destes pagamentos e várias pessoas podiam autorizar estes pagamentos não contabilizados de forma descentralizada.
Mas o volume de dinheiro em caixa dois…
Representavam menos de 1% do nosso faturamento. Não sejamos hipócritas: era bem usual no mundo empresarial as empresas terem até 1% de seu faturamento direcionado para pagamentos não contabilizados.
De acordo com as investigações da Lava-Jato, o senhor administrava a conta Italiano, usada exclusivamente para o PT. Como ela surgiu?
Prefiro não entrar no caso específico de temas que fazem parte de ações penais em andamento. De maneira geral, era um registro de um lado dos valores de contribuição que eu e meu pai acertávamos com os governos do PT, e de outro dos pagamentos que eles pediam. Era uma conta fictícia na qual debitávamos os pagamentos que nos eram solicitados primeiro por Antonio Palocci e depois por Guido Mantega para atender os interesses do PT e, dentro dos interesses do PT, do Instituto Lula.
Qual a lição para o senhor desse período?
Nós, da Odebrecht, cometemos nossos dois grandes pecados: a falta de transparência do caixa dois, e a crença de que os fins justificavam os meios.
Qual é o futuro da Odebrecht?
Primeiro temos que vencer o desafio da recuperação judicial, e levantar o moral de nossa tropa, voltando a valorizar a nossa cultura empresarial. Tinha um antigo diretor nosso que dizia: “Enquanto tiver bala, atire”. E é isso que temos que fazer.