As noites de sexta-feira no Rio de Janeiro têm aspectos muito parecidos, em especial no subúrbio da cidade: bares movimentados, churrasco acontecendo, comércio funcionando até mais tarde e crianças na rua. Assim estavam as ruas da Barreira do Vasco, comunidade vizinha ao estádio de São Januário.
A poucos metros das esquinas mais movimentadas, na Avenida Roberto Dinamite, onde fica a entrada social do estádio cruz-maltino, um pequeno grupo de torcedores se juntava timidamente em volta de um carro de som. Aguardavam Cabo Daciolo, ex-deputado, pastor e político. E vascaíno: se notabilizou entre torcedores nos últimos anos por vídeos em momentos complicados e pelas várias oportunidades em que marcou presença em jogos do clube. Em suas redes, convocou oração para as 22h, na porta da Colina.
A situação do cruz-maltino é mais um desses momentos complicados, um dos piores deles nos últimos 20 anos: mesmo sob investimento de mais de R$ 100 milhões da SAF, a equipe é lanterna do Brasileirão com campanha de 9 pontos em 16 jogos e exibições que dão poucas esperanças de reação. Nos resultados ruins, são vários os momentos em que o time parece estar jogando melhor que seu adversário ou ensaiando domínio até que sofre um gol, por vezes em jogadas que pareciam improdutivas. Em outros, consegue chegar ao ataque mas para em grandes exibições de goleiros. Nas redes vascaínas, há quem diga, entre brincadeira e seriedade, que “o problema é espiritual”. Pois bem, era nisso que as cerca de 50 pessoas que se reuniram ali na noite de sexta apostavam.
Torcedores rezam com Daciolo na porta de São Januário
Alexandre Cassiano
“Temos que nos unir. Quem está sofrendo é a torcida, quem está entrando em campo pesados são os jogadores”, afirmou Daciolo, que falou em ‘guerra no plano espiritual’ e criticou o que apontou como divisões internas no clube.
O Vasco tem história de sincretismo religioso. Uma das maiores figuras do clube foi Pai Santana, massagista e pai de santo de umbanda que chegou ao clube nos anos 1950 e que se notabilizou pelos trabalhos espirituais e rituais muito próprios que manteve para tentar ajudar o clube — morreu em 2011, poucos meses após o último título nacional cruz-maltino. Ao mesmo tempo, o clube mantém uma ligação muito forte com o cristianismo. Há a capela de Nossa Senhora das Vitórias dentro de São Januário. Daciolo é cristão evangélico, mas a primeira coisa que disse à reportagem quando chegou à porta de São Januário era que não estava ali para “pregar religião”.
De fato, a noite foi de união. Havia ali vascaínos evangélicos mais fervorosos, torcedores menos ligados à religião — ou nem sequer religiosos —, mas confiantes de que o movimento poderia virar a fase péssima da equipe. Outros, mais longe, incluindo torcedores rivais, observavam com certa curiosidade. Em meio ao volume altíssimo do carro de som, que tinha banda completa, receberam Daciolo, que posou para fotos por um bom tempo, ganhou os cumprimentos dos presentes, incluindo comerciantes da região, e a atenção da maioria quando começou a pregar.
— Acredito que dias melhores virão. O Cabo Daciolo é um grande vascaíno, vai orar pelo Vasco. Vai rolar um movimento para abraçar essa causa (os próximos jogos do time), o Vasco está numa situação muito difícil — afirmou um torcedor que se identificou como “Fabão da torcida”, que fez críticas ao diretor de futebol Paulo Bracks e ao diretor técnico Abel Braga.
Outro torcedor, Henrique Matos, passou por curiosidade no local após ver a postagem de Daciolo. Católico, mas “não muito ligado na igreja”, se juntou aos que se aglomeraram ao redor de Daciolo após conversar rapidamente com a reportagem.
— A gente precisa de quem ama o Vasco — diz ele, que tem fé em mudanças após as contratações da segunda janela de transferências do ano, que trouxe nomes como Vegetti, Paulinho, Praxedes e Sebastián Ferreira.
A oração foi breve, cerca de 30 minutos. Entre os temas, Daciolo falou em “guerra espiritual”, “aguentar pancadas”, e do amor da torcida vascaína, que chamou de “a mais unida”. E ainda criticou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio por não liberar o estádio parcialmente para mulheres, crianças e pessoas com deficiência, conforme decisão publicada nesta sexta-feira. Ainda sem a presença da torcida por punição do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o Vasco volta a campo neste domingo, às 16h, contra o Grêmio, em São Januário.
Há quem diga que futebol não se mistura à religião. Os supersticiosos, que são muitos entre os torcedores, acreditam de certa forma que hábitos ou gestos podem influenciar de maneira sobrenatural no resultado de uma partida. Quem pode medir o que é certo, o que funciona, o que faz sentido ou não, em meio ao amor incondicional por uma camisa? Uma parte da torcida do Vasco, que há mais de duas décadas espera por dias melhores, fez uma de suas tentativas nesta sexta. Se no domingo sair com a primeira vitória na Colina neste Brasileiro, terá suas razões para acreditar no que quiser acreditar. Uma das belezas do futebol.