A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu nesta terça-feira (5/4), por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão neste sentido foi tomada pela Corte, pode servir de precedente para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento.
A subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, em sua manifestação, recomendou que o STJ utilizasse como referência o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O colegiado do STJ acatou recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), que foi contrário a um acórdão do Tribunal de Justiça paulista (TJSP). Uma mulher trans, agredida pelo pai, teve a medida protetiva negada sob a justificativa de que a Lei Maria da Penha seria aplicável apenas para pessoas do sexo feminino, “levando-se em consideração exclusivamente o aspecto biológico e sexual”.
O relator, ministro Rogério Schietti, relembrou que há 13 anos o Brasil figura como o país que mais mata pessoas trans no mundo.
“O dado é preocupante porque reflete comportamento predominante que não aceita identidades outras que aquelas que a nossa cultura e formação nos levaram a definir, até por questões religiosas, como identidades relacionadas tão somente ao sexo, característica biológica. O que se discute é que a possibilidade de uma lei que veio para proteger a mulher possa também abrigar assim quem se define, se identifica”, argumentou.
Dodge ressaltou que a legislação que regulamenta os atos de violência doméstica e familiar contra mulheres baseia-se em danos causados em razão do gênero. Ao contrário do conceito de sexo, que leva em consideração aspectos biológicos, o termo gênero
“diz respeito a um conjunto de características e construções sociais”.
O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ recomenda que questões culturais precisam ser levadas em consideração.
“O transexual feminino ou a mulher transexual, independentemente de ter sido submetida a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da Lei Maria da Penha se a ação ou omissão que ela sofreu decorre dessa sua condição social”, ressaltou a subprocuradora.