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STF julga mudança na tese que responsabiliza jornais por fala de entrevistado

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A ação havia sido apresentada pelo falecido ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, ex-filiado do PDT e PT, contra o jornal Diário de Pernambuco.

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar, nesta quarta-feira (19), dois recursos apresentados pelo Diário de Pernambuco e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para que a tese formulada para responsabilizar veículos de comunicação por declarações de entrevistados seja revisada.

Em novembro de 2023, o STF determinou em tese de repercussão geral que jornais podem ser responsabilizados civilmente se um entrevistado acusar um terceiro de crime quando existam “indícios concretos de falsidade” da declaração e falte ao jornal o “dever de cuidado” na verificação dos fatos (veja abaixo o texto exato aprovado pelo plenário da Corte).

O jornal, que é parte do processo, e a Abraji, que participa do embate jurídico como amicus curiae, apresentaram embargos de declaração em 2024 pedindo uma mudança nos termos utilizados pelos ministros da Corte. 

Risco de “indústria de ações contra jornalistas” para impedir a publicação de interesse público

Em seu recurso, em março de 2024, a Abraji apontou que a tese firmada pelo STF, por ser genérica, pode gerar uma indústria de ações judiciais não fundamentadas contra jornalistas, com o objetivo de inibir e intimidar quem queira mostrar fatos de interesse público relevantes. O texto, como está, segundo a Abraji, abriria espaço para abusos, a violação da liberdade de imprensa e provocar a autocensura dos veículos de comunicação, incapazes de arcar com os altos custos processuais dessas ações.

Para afastar esse perigo, a associação quer que a tese seja reformulada para responsabilizar os jornais civilmente apenas se:

  • (i) o responsável editorial possuía ciência da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência;
  • (ii) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível, tendo o veículo incorrido em dolo ou grosseira negligência, dada a notoriedade, na verificação da veracidade do fato;
  • (iii) não tiver sido dada oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime.

No documento entregue ao STF, a Abraji pede ainda a retirada da possibilidade de responsabilização nos casos de entrevistas e debates ao vivo, “ainda que tenham sido gravados e possam ser posteriormente visualizados”.

Já o periódico Diário de Pernambuco, além do recurso visando uma aprimoração da tese, também quer uma reversão de sua condenação no caso do ex-deputado Ricardo Zarattini por uma entrevista, publicada em 1995, que continha informações inverídicas sobre ele. Na ocasião, um entrevistado alegou para o jornal que Ricardo tinha sido responsável por um atentado a bomba, em 1966, no Aeroporto dos Guararapes (PE), que resultou em duas mortes e 14 pessoas feridas. O veículo alega que à época, o ex-deputado era suspeito.

Abraji aponta casos em que tese criada pelo STF em 2023 tem sido aplicada de forma indevida

O enunciado genérico criado pelo STF passou a ser mencionado nos últimos meses em dezenas de demandas judiciais contra veículos de comunicação sem qualquer relação com o tema julgado em 2023. Em uma manifestação enviada pela Abraji ao STF em julho de 2024, a instituição listou uma série de processos abertos contra jornais pedindo punições indevidas e desproporcionais.

Para o advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, a preocupação da Abraji tem fundamento, já que uma norma genérica abre espaço para a subjetividade do juiz, aumentando o risco de parcialidade e censura. “A prova para punir a imprensa tem mesmo que ser difícil de ser produzida, sob pena de tornarmos a restrição à liberdade uma regra, não uma exceção, como previsto na Constituição”, diz.

Expressões abrangentes e abstratas na tese do STF, como “dever de cuidado”, também mencionada no PL 2630/20, conhecido como o “PL da Censura” ou “PL das Fake News”, são perigosas. “O exagero na responsabilização da imprensa leva à sua desidratação, algo que, em última análise, é censura”, diz Marsiglia.

Sobre os programas jornalísticos realizados ao vivo, para o advogado Samuel Gabbay, professor e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, é importante que o STF não trate da mesma forma que as entrevistas gravadas.

“Corretamente a Abraji apresenta recurso alegando que entrevistas ao vivo não merecem o mesmo tipo de tratamento que as entrevistas gravadas, uma vez que, é impossível o controle, edição ou a realização de uma prévia investigação em tempo real. Devem sim, entrevistas ao vivo terem um capítulo de sentença para o tratamento do tema”, afirma.

Leia abaixo a tese aprovada pelo STF e a proposta feita pela Abraji:

Tese aprovada pelo STF:

  1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. 
  2. Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios. 

Tese proposta pela Abraji:

  • 1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Em casos de entrevistas publicadas por veículos de mídia e com relação ao conteúdo afirmado pelo próprio entrevistado, admite-se análise posterior à publicação para verificar a possibilidade de exercício do direito de resposta nos termos legais e eventual responsabilização civil, proporcional ao dano que tenha sido comprovado, por falsa imputação de crime a terceiro, considerando, em casos de responsabilização do veículo de mídia, de seus representantes e dos jornalistas os termos do item 2 desta tese. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
  • 2. Os veículos de mídia, seus representantes e os jornalistas não são responsáveis civilmente pelas falas de entrevistado, exceto na hipótese em que este imputa falsa prática de crime a terceiro, quando a empresa de mídia poderá ser responsabilizada civilmente e de forma solidária ao entrevistado se ficar comprovado que, à época da divulgação: (i) o responsável editorial possuía ciência da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência; ou (ii) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível, tendo o veículo incorrido em dolo ou grosseira negligência, dada a notoriedade, na verificação da veracidade do fato; e (iii) não tiver sido dada 45 oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime.
  • 3. Estão excetuados casos de entrevistas e debates ao vivo, ainda que tenham sido gravados e possam ser posteriormente visualizados.

*Com informações gazetadopovo