Grupos de direita na sociedade civil têm se reunido para reforçar suas pautas e buscar caminhos para viabilizá-las com foco nas eleições de 2026. Esses grupos representam vozes organizadas da sociedade com demandas de uma fatia da população. Diante da afinidade temática em pautas conservadoras, há maior proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Tanto que o ex-mandatário resolveu apoiar iniciativas que estão nascendo, compareceu a um evento organizado por um grupo de advogados de direita e pretende repetir a dose: reuniões de médicos e empresários estão sendo cogitadas para depois que o ex-presidente se recuperar.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o crescimento e o fortalecimento desses grupos baseados, em especial, em agendas da direita conservadora no Brasil não são um fenômeno meramente eleitoral, mas uma tendência da sociedade. “Bolsonaro é muito mais uma consequência desse fenômeno do que propriamente o causador disso. Ele soube trabalhar muito bem, ser o representante nacional dessa tendência conservadora que está se fortalecendo no Brasil”, aponta o cientista político Adriano Cerqueira.
A socióloga Azelene Inácio avalia que a mobilização da sociedade civil representa a tendência de buscar garantias de direitos, em especial, da liberdade de expressão. “Não é só sobre a pessoa ou a presença física de Bolsonaro. É sobre o que ele representa”, diz Azelene.
A socióloga pontua ainda que, ao ser julgado pelo STF ao mesmo tempo em que pessoas que estiveram nos atos de 8 de janeiro de 2023 são condenadas sem que tenham cometido crimes, Bolsonaro representa a possibilidade de solidificar a busca por liberdades individuais.
Uma reunião de advogados de direita foi a mais recente mobilização que contou com o apoio do ex-presidente Bolsonaro, embora não tenha sido organizada por ele. Realizada em Brasília no dia 10 de abril, o evento contou com a presença de mais de 400 advogados de todo o Brasil. Dentre as demandas deles estava a busca por mudanças na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O intuito é garantir representatividade e ter posicionamentos mais alinhados, diante de casos como o cerceamento da atuação desses profissionais nos casos que envolvem os atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023.
Na esteira dos advogados de direita, movimentos formados por médicos e empresários, que vêm assumindo posições políticas, devem ser os próximos. Havia a expectativa de que o ex-presidente pudesse participar dos encontros, mas isso não deve ocorrer, por enquanto, devido a Bolsonaro ter passado por uma cirurgia, ainda consequência da facada que sofreu em 2018. As agendas estão suspensas até que o ex-presidente se recupere.
O ex-presidente foi submetido a uma cirurgia que levou cerca de 12h e segue com os cuidados pós-operatórios. Ele passou por uma laparotomia exploradora para liberar aderências intestinais e fazer a reconstrução da parede abdominal. Segundo a perspectiva médica, Bolsonaro deverá retomar as atividades presenciais possivelmente só no segundo semestre, já que precisará de dois a três meses para se recuperar.
Na pauta dos empresários, por exemplo, as reivindicações se alinham com a busca por mais liberdade econômica. O grupo de médicos, por sua vez, é formado por profissionais que, dentre outras bandeiras, se identificam como pró-vida, um termo que remete à defesa da vida desde a concepção contra o aborto.
Mobilizações da sociedade civil de direita podem influenciar cenário eleitoral para 2026
A sociedade civil organizada tem o poder de impulsionar transformações e legitimar lideranças políticas que se comprometem com suas causas. Por outro lado, o cientista político Adriano Cerqueira avalia que há uma tendência cada vez maior de a classe política e, no caso também das lideranças políticas, como Bolsonaro, procurarem se associar organicamente a esses órgãos de representação mais à direita.
O estrategista eleitoral Gilmar Arruda avalia que os grupos se mobilizam para reforçar o seu posicionamento político e que isso tem relação com o grau de polarização efetiva em que a sociedade brasileira está inserida. “Bolsonaro vai intensificar este movimento para isolar cada vez mais o Lula, surfando na má fase do governo”, aponta Arruda.
A mobilização dos advogados, que culminou no Movimento dos Advogados de Direita do Brasil, envolve a defesa de prerrogativas profissionais e já conta com o apoio de quase 12 mil operadores do Direito de todo o país. “O advogado atua em defesa do cidadão. Quando seus direitos são violados, quem perde é a sociedade”, explica a coordenadora do movimento, Géssica Almeida.
Eles se uniram também para defender a valorização da classe, a defesa das garantias constitucionais e o posicionamento firme diante de retrocessos. Os processos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023, também são um ponto em comum entre os advogados de direita e Bolsonaro. A busca por anistia aos presos, almejada pelo ex-presidente, conta com o apoio desses profissionais.
Durante o evento dos advogados de direita, realizado em Brasília, Bolsonaro sinalizou ainda que apoia eleições diretas para o Conselho da OAB. A pauta é considerada uma prioridade para os grupos de advogados de direita.
“Uma das principais pautas que nos une é a busca por mudanças na OAB, com destaque para a aprovação das eleições diretas, como forma de garantir mais representatividade e participação democrática da advocacia”, destacou Géssica Almeida.
Além disso, a proposta que possibilita o porte de arma para os advogados, de autoria do filho do ex-presidente o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), também é uma sinalização para a categoria.
Grupos da direita brasileira ganham influência no país
Há aproximadamente 10 anos, grupos de direita passaram a se destacar no cenário político do Brasil, em especial quanto às pautas conservadoras. Diante da insatisfação com o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), especialmente após escândalos de corrupção, como os revelados pela Operação Lava Jato, e a crise econômica, grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua foram organizados por meio das redes sociais.
Pautados pelas críticas à esquerda, pelo combate à corrupção e pela redução do Estado, esses grupos tiveram influência no processo de impeachment de Dilma Rousseff. Além disso, garantiram a eleição de alguns de seus líderes no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas dos estados e nas câmaras municipais.
Recentemente, da união de pequenos agricultores com o apoio de grandes proprietários de terras, pecuaristas e fazendeiros surgiu o Movimento dos Com Terra (MCT). O movimento, formado em Santa Catarina, é um contraponto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e tem como objetivo central a proteção de propriedades privadas contra invasões, especialmente durante o mês de abril.
Em outros países como os Estados Unidos, a Espanha e a França, essas organizações da direita são mais antigas. De acordo com o cientista político Adriano Cerqueira, a organização da sociedade civil se tornou mais visível no Brasil mais recentemente, ganhando ares de novidade, por conseguir atingir mais pessoas por meio das redes sociais.
“De certo modo, [as organizações de direita] furaram um bloqueio informativo que havia na época em que a opinião pública era basicamente uma reverberação do que era publicado pela imprensa em geral. Foram aparecendo publicações mais autênticas, mais próprias que passaram a repercutir na opinião pública”, explica Cerqueira.
O cientista político avalia ainda que essas organizações devem seguir com a tendência de crescimento.
Sociedade civil se organiza também em áreas como cultura, educação, religião e economia
As organizações da sociedade civil atuam de várias formas, seja pressionando o Estado, atuando onde o Estado falha ou criando alternativas autônomas para resolver os próprios problemas. A sociedade civil também se organiza para preservar modos de vida, tradições e visões de mundo.
Os think tanks Iniciativa Dex e os Institutos Civis, Millenium e do Livre Mercado são exemplos de organizações apartidárias, focadas em agendas como soberania nacional, liberdades individuais, em especial a liberdade de expressão, e o liberalismo econômico.
Uma série de iniciativas nas áreas de cultura, educação e religião também têm surgido no Brasil.
O Instituto Conservador-Liberal (ICL) tem atuado na formação política e ideológica de lideranças alinhadas ao conservadorismo. Liderado pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o instituto é o responsável por trazer ao Brasil o Conservative Political Action Conference (CPAC), que é considerado o maior e mais influente encontro de conservadores do mundo. Lançado nos Estados Unidos, em 1974, o CPAC teve sua primeira edição no Brasil em 2019.
Já o Grupo de Ação Política (Gap) foi fundado em Belo Horizonte, em 2014, e nasceu de uma parceria entre a Igreja Batista da Lagoinha e a União Nacional de Estudantes Cristãos (UNEC). A iniciativa tem o propósito de formar cidadãos conscientes e preparados para atuar na esfera pública a partir de uma cosmovisão cristã.
“A esquerda compreendeu, há décadas, a importância do trabalho de base e da formação de um sistema de crenças como ferramenta para moldar o futuro de uma nação. Agora, a direita começa a trilhar esse mesmo caminho — com suas próprias convicções, valores e visão de mundo”, aponta o coordenador do Gap, Carlos Said Pires.
O Instituto Cultural Cruzeiro do Sul, fundado na cidade de Joaçaba, no interior de Santa Catarina, em 2023, também é um desses exemplos. O fundador do instituto, Leandro Sartori, ressalta que a motivação para a criação foi o fato de a cidade ser essencialmente conservadora, mas ter a cultura dominada pela esquerda, inclusive recebendo recursos governamentais para ser impulsionada.
“Nos reunimos como uma forma de manifestação e de protesto. Queremos que as pessoas tenham acesso a uma cultura condizente com os ideais predominantes na nossa sociedade”, explica Sartori.
Para ele, a formação de consenso e de opiniões de massa passa pela organização da sociedade civil. “Não adianta brigar por eleições, se as estruturas de poder e de difusão de cultura estão nas mãos de quem disputa conosco”, disse Sartori.
Ele destaca que o instituto é inspirado em organizações como o Instituto Borborema, criado em 2015, com sede em Campina Grande, na Paraíba, e o Instituto Hugo de São Vitor, sediado em Porto Alegre. O instituto na cidade de Joaçaba, que tem pouco mais de 30 mil habitantes, é uma amostra de como iniciativas locais têm se replicado no Brasil.