Nos últimos anos, as redes sociais tornaram-se um dos principais campos de disputa política no Brasil. O governo Lula, alinhado com o STF, tem reiteradamente classificado as redes sociais como “inimigas da democracia”, alegando que a disseminação de fake news e a influência de grupos extremistas representam ameaças à estabilidade institucional e ao processo democrático. No entanto, é essencial revisitar as últimas décadas para compreender os impactos transformadores das redes sociais no Brasil e na democracia, que, inclusive, concretizaram antigas reivindicações da esquerda.
Nos anos 1980 e 90, um dos discursos centrais do PT era a oposição à concentração da informação nas mãos de poucos conglomerados de mídia, especialmente na televisão e no rádio, que, segundo o partido, controlavam o debate público e se aliavam a interesses políticos dominantes. Eram recorrentes, inclusive, críticas à distribuição fisiológica de concessões de canais de TV e estações de rádio. Nesse contexto, a descentralização da informação, por meio de uma mídia mais plural e acessível, como as redes sociais, era considerada essencial para garantir uma democracia mais participativa.
É fundamental que a discussão sobre a regulação das redes sociais não perca de vista os ganhos significativos que essas plataformas proporcionaram à democracia, especialmente quando comparados à realidade profundamente restritiva de poucas décadas atrás
Nem o mais otimista esquerdista poderia prever que a democratização da comunicação ocorreria de forma tão abrupta e irreversível com a popularização da internet e, posteriormente, com as redes sociais. Essas tecnologias romperam com a intermediação tradicional da informação, permitindo que qualquer indivíduo ou grupo produza e compartilhe conteúdos de maneira instantânea e massiva. Além disso, a interação tornou-se bidirecional: em vez de um público passivo, surgiram cidadãos que questionam, debatem e viralizam conteúdos, moldando ativamente o debate público.
Paradoxalmente, aquilo que antes era uma bandeira histórica da esquerda agora se tornou motivo de apreensão – para dizer o mínimo. O principal fator para essa mudança de postura parece ser o fato de que a direita soube ocupar esse novo espaço com muito mais eficácia, construindo narrativas persuasivas e mobilizando amplamente a população, tanto em períodos eleitorais quanto no cotidiano político. Afinal, se fosse a esquerda a dominar as redes sociais, o governo Lula estaria tão empenhado em deslegitimá-las?
Entretanto, o predomínio de um espectro político não invalida a legitimidade dessas plataformas, nem torna as redes sociais automaticamente “inimigas da democracia”. Pelo contrário, o fato de múltiplas vozes terem espaço para se expressar e disputar narrativas públicas – mesmo aquelas que contrariem severamente minhas convicções – deve ser visto como um avanço democrático. E, afinal, este era um dos maiores objetivos do PT desde a sua fundação.
Isso não significa que os aspectos negativos das redes sociais, como a disseminação de fake news e a formação de bolhas informativas – fenômenos reais e amplamente documentados em diversos estudos – devam ser ignorados ou relativizados. Tampouco se pode negligenciar o domínio de algumas poucas empresas de tecnologia, que detêm um poder inédito sobre a circulação de informações, controlando o alcance e a visibilidade de conteúdos.
No entanto, é fundamental que a discussão sobre a regulação das redes sociais não perca de vista os ganhos significativos que essas plataformas proporcionaram à democracia, especialmente quando comparados à realidade profundamente restritiva de poucas décadas atrás. O debate deve ser equilibrado e técnico, conduzido pelo Congresso Nacional, a instância legítima para esse tema, garantindo que os avanços sejam preservados e os danos mitigados.
Além disso, as redes sociais também representam uma oportunidade estratégica para os governos. Quando bem utilizadas, tornam-se ferramentas valiosas para ampliar a transparência e a prestação de contas, com um custo significativamente menor em relação às mídias tradicionais. Isso, porém, exige não apenas uma presença ativa e qualificada nesses ambientes, mas também um compromisso com uma comunicação governamental genuinamente voltada ao interesse público – e não sua instrumentalização como ferramenta de marketing político para a autopromoção de líderes ou grupos, como tem se visto na atualidade.
João Paulo Silveira é auditor público.