A virada do ano é sempre uma boa ocasião para balanços e previsões. Nesse espírito, que avaliação podemos fazer do setor da saúde no Brasil em 2024 – e, sobretudo, o que esperar de 2025? Infelizmente, as perspectivas não são muito animadoras.
A saúde brasileira enfrenta desafios enormes para realizar um urgente e necessário salto de qualidade mantendo-se, ao mesmo tempo, financeiramente sustentável. Parte do problema diz respeito a pressões externas ao sistema. A população brasileira está envelhecendo em ritmo acelerado. De acordo com o último Censo do IBGE (2022), a fatia com mais de 60 anos já representa 15% dos brasileiros. Mantida a tendência, estima-se que até 2070 os idosos já serão mais de um terço do país.
Uma população mais velha é, por definição, uma população que demanda mais de seu sistema de saúde, cujos recursos não acompanham a curva demográfica. Para ficarmos num único exemplo bastante elucidativo: o Brasil tem 1/3 da população de idosos do Japão, mas só 1/10 do número de geriatras do país asiático.
Para além do fator etário, as características socioeconômicas do Brasil também impõem desafios adicionais ao sistema, que é pressionado por uma tripla carga de doenças. O grosso dos recursos do SUS (60%) é destinado ao tratamento de doenças crônicas; sua incidência é fortemente influenciada por fatores de risco como o consumo excessivo de álcool e a obesidade – ambos numa trajetória crescente.
Acontece que, paralelamente ao aumento das doenças crônicas, fenômeno que desafia sistemas de saúde em quase todo o mundo desenvolvido, o Brasil também convive com números relevantes de doenças infecciosas – relacionadas, dentre outras coisas, aos baixos níveis de saneamento básico, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste – e com uma mortalidade atrelada a causas externas, como os acidentes de trânsito.
São desafios que extrapolam a capacidade de atuação do SUS, pois dizem respeito a deficiências das políticas públicas, à desigualdade social e até a fatores culturais, mas que, ao fim e ao cabo, pressionam os serviços de atendimento médico.
Mas é claro o problema diz respeito também ao funcionamento interno do sistema. O Brasil é o único país do mundo que não especifica a extensão da cobertura do seu sistema de saúde pública; nossa legislação estabelece apenas que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.
Isso tem aberto espaço para uma enorme taxa de judicialização, que afeta tanto o SUS quanto a saúde suplementar. No lado da saúde pública, somados os níveis federal, estadual e municipal, gastamos mais de R$ 2 bilhões em apenas um ano com medicamentos e tratamentos não previstos no rol de serviços oferecidos pelo SUS, sem contar os custos administrativos e jurídicos inerentes a essa montanha de processos. Na esfera privada, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só entre 2020 e 2023, o número de ações de usuários contra planos de saúde cresceu mais de 50%.
Vale frisar que o problema não é que este ou aquele paciente estão tendo acesso a um tratamento mais específico, mas a ausência de uma “regra do jogo” clara, que permitisse ao Estado e às empresas estimar quanto custa, afinal, manter o sistema funcionando.
Se quisermos preservar a sustentabilidade da saúde brasileira, há pela frente tarefas imprescindíveis, que englobam desde a promoção de hábitos de vida mais saudáveis até a revisão do modelo de financiamento do SUS frente ao envelhecimento da população, passando também pelo investimento em tecnologia e saúde digital, o que pode simplificar processos e contribuir para democratizar o acesso a especialistas.
Mas as agências reguladoras, como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que determina o rol de procedimentos que os planos de saúde são obrigados a oferecer, ou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável por autorizar a incorporação de novos medicamentos ao SUS, também têm muito a contribuir.
A segurança jurídica do sistema inteiro depende da celeridade desses órgãos, evitando que os usuários criem falsas expectativas quanto à gama de procedimentos a que têm direito e, sobretudo, impedindo que questões simples e objetivas, como a obrigatoriedade ou não de cobertura para um medicamento, acabem nos tribunais.
Se não conseguirmos dar maior previsibilidade à saúde brasileira, é bastante provável que o sistema todo entre na UTI já no próximo ano.