Pauta prioritária para o governo do presidente Lula (PT) e parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a rígida regulação das redes sociais foi abraçada mais enfaticamente nos últimos dias pela primeira-dama Janja da Silva.
Duas semanas atrás, Janja cometeu uma gafe durante jantar com o ditador da China, ao reclamar diretamente a Xi Jinping alegando que o algoritmo da plataforma chinesa TikTok estaria favorecendo publicações da direita.
Dias depois, a primeira-dama concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo defendendo o modelo chinês de controle estatal da comunicação – as restrições à liberdade de expressão e ao direito à informação pelo Partido Comunista Chinês (PCC) são consideradas um dos modelos de censura mais rigorosos do mundo.
“Tem toda uma regulamentação e, se não seguir a regra, tem prisão. Por que é tão difícil a gente falar disso aqui? Não é uma questão de liberdade e de expressão, a gente está falando de vida e de crianças e adolescentes”, disse Janja.
A oposição ao governo Lula no Congresso tem criticado tentativas de regulação das redes sociais no Brasil sob a alegação de que a medida restringiria o debate público, silenciaria críticas ao governo e ao STF e criaria um ambiente de autocensura, em que as pessoas evitam expressar opiniões legítimas por medo de punições. É exatamente esse o cenário em que se encontra hoje a China, sob o domínio do Partido Comunista desde 1949.
“O Partido Comunista permite uma liberdade econômica, mas há fortes restrições a qualquer manifestação política que vá contra o regime. Ir contra isso significa ser levado a ‘campos de reeducação’, que na verdade são prisões”, explica Luís Alexandre Carta Winter, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
“Essas prisões funcionam como uma lavagem cerebral em que o cidadão será reeducado para entender quais são os valores do sistema. É o típico regime de supressão da liberdade política”, prossegue.
Regime chinês tem “muralha digital” para controlar informações na internet
O sistema de controle estatal da comunicação na China é bastante rigoroso em relação à internet, especialmente às redes sociais. O governo chinês bloqueia o acesso a uma série de plataformas estrangeiras populares no Brasil, como YouTube, Instagram, Facebook, WhatsApp, Google (incluindo Gmail, Maps, etc.) e até mesmo a Wikipedia.
Esses bloqueios fazem parte do projeto conhecido como “Great Firewall”, a “Grande Muralha Digital” chinesa, que é a combinação de legislação e tecnologia para filtrar as informações que os cidadãos podem ter acesso.
Em vez de permitir o acesso aos aplicativos, a ditadura comunista autoriza o uso de alternativas locais, de empresas supervisionadas pelo regime. Essas plataformas são obrigadas por lei a cumprir ordens de censura e entregar dados de usuários quando solicitadas pelas autoridades.
Há, por exemplo, o WeChat como substituto do WhatsApp; o Weibo, que é semelhante ao X; e o Baidu, buscador que substitui o Google. Até mesmo a rede social TikTok, que é de origem chinesa, possui uma versão diferente para a população do país – com promoção de conteúdos considerados “positivos” pelo regime e restrições daqueles considerados “prejudiciais” à ditadura.
“Não existe outro país que tenha o nível de controle que eles detêm, que vai desde a conexão com a internet até a concepção do conteúdo”, explica o especialista em crimes digitais Wanderson Castilho, CEO da Enetsec, empresa norte-americana que atua com segurança cibernética.
Castilho explica que se um cidadão chinês tentar fazer uma busca, por exemplo, sobre o famoso episódio de 1989 em que um homem desconhecido parou em frente a tanques do Exército chinês para frear a repressão aos protestos na Praça da Paz Celestial, em Pequim, ele não verá nada sobre o caso.
“Ele não conseguiria nenhum resultado para uma busca dessa. E a qualquer tentativa de busca ou qualquer comentário sobre o assunto na internet, a pessoa já é detectada, identificada e vai responder por isso. Então dentro da China é como se esse episódio nunca tivesse acontecido”, diz.
Recurso para driblar censura na China já foi popular no Brasil
A alternativas de muitos chineses para conectar-se a sites e plataformas comuns em países democráticos são as Redes Virtuais Privadas (VPNs), que escondem a localização do usuário e garantem anonimato online. “Muitos chineses se arriscam a usar, mas sabem que há o risco de serem identificados, e se forem pegos, serão presos”, diz Wanderson Castilho.
Foi esse recurso – que costuma ser bastante usado em países com restrições severas à liberdade de expressão – que muitos brasileiros utilizaram para driblar a censura determinada pelo ministro do STF Alexandre Moraes contra plataformas como o Telegram, em 2022, o X em 2024, e o Rumble neste ano, sob a alegação de “disseminar desinformação”.
Em um eventual modelo de controle estatal semelhante ao chinês no Brasil, como defendido por Janja, as VPNs seriam a alternativa para cidadãos que decidissem burlar a censura. Como o uso da ferramenta foi bastante significativo em 20024, quando o X estava bloqueado, Moraes chegou a estabelecer multa de R$ 50 mil para quem acessasse a rede social utilizando uma rede privada.
Modelo elogiado por Janja também é forte repressor da liberdade religiosa
Além da questão política, o modelo de controle estatal chinês também é um forte repressor da liberdade religiosa. No país asiático, apenas religiões autorizadas pelo Estado podem operar legalmente. O cristianismo, por exemplo, só é permitido através de igrejas supervisionadas pelo regime de Xi Jinping, como a Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC) e o Movimento Patriótico das Três Autonomias, para protestantes.
E as restrições logicamente chegam ao ambiente online: publicações religiosas em sites, redes sociais ou aplicativos de mensagens são removidas se promoverem encontros não autorizados; contiverem evangelismo ou convites à conversão, ou mesmo se usarem símbolos religiosos.
De acordo com a ONG Portas Abertas, que mantém uma lista atualizada de países com maior perseguição a cristãos, a China figura no 15º lugar. Mas além da repressão física em si, o país é marcado muito mais pela oposição ao livre discurso religioso.
Segundo a ONG, Xi Jinping tem se mantido no poder justamente por meio de um forte combate a qualquer ideia que possa ameaçar sua autoridade máxima. “A opressão comunista e pós-comunista é um instrumento para que o governo mantenha o poder. Nesse cenário, os cristãos convertidos e de minorias religiosas, como os muçulmanos de Xinjiang, também são alvos de ações mais diretas”, informa o Portas Abertas.