“Os russos fizeram do Brasil uma linha de montagem para agentes secretos”. Esse trecho da investigação do jornal americano The New York Times, divulgada nesta quarta-feira (21), resume o moddus operandi utilizado pela Rússia em território brasileiro. O país do Leste europeu usou o Brasil como uma “fábrica de espiões” — que depois seguiram para os Estados Unidos, Europa ou Oriente Médio.
Ao contrário de outras operações russas desmanteladas mundo afora, o plano de Moscou não era espionar Brasília — e sim “ponto de partida para a elite de seus oficiais de inteligência”. Para isso, os espiões forjaram uma identidade brasileira, abriram empresas, fizeram amigos e viveram romances.
As experiências, segundo o jornal americano, serviram como “alicerces” para que não houvesse desconfiança. O The New York Times relatou que “na prática, os russos fizeram do Brasil uma linha de montagem para agentes secretos”.
Entre eles estavam Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Olga Igorevna Tyutereva, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Roman Olegovich Koval. Ao todo, nove espiões foram investigados pela Polícia Federal (PF) de “forma silenciosa e metódica” nos últimos três anos, o que permitiu que fosse descoberto “um padrão que permitiu identificá-los, um a um”, informou o NYT.
“A investigação já alcançou pelo menos oito países, com o apoio de serviços de inteligência dos Estados Unidos, Israel, Holanda, Uruguai e outros aliados ocidentais”, acrescentou o veículo.
Como resultado, dois foram presos e outros fugiram para a Rússia, o que se tornou “improvável que voltem a atuar no exterior”. A reportagem indicou que, apesar do histórico de interferências e atentados russos, foi a guerra na Ucrânia que “desencadeou uma ocorrência global contra espiões russos, até mesmo em locais onde, por anos, eles atuaram com relativa impunidade”, como seria o caso do Brasil.
O texto, que citou a operação da PF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por planejar um golpe, revelou que a investigação brasileira recebeu o nome de Operação Leste. Os agentes contaram com a ajuda da CIA e iniciaram a operação após descobrirem uma certidão de nascimento “brasileira” de Cherkasov.
O documento indicava que ele havia nascido em 1989 e que era filho de uma brasileira de família real. Ela, no entanto, nunca teve filhos e não havia registros de alguém com o nome do suposto pai. A investigação do NYT mostrou que os agentes federais passaram, então, a procurar pelos “fantasmas” — pessoas com certificações de nascimento legítimas, mas sem nenhum histórico no Brasil.
Para localizar esses fantasmas, os agentes buscaram padrões em milhões de registros de nascimento, passaportes, carteiras de motorista e números de previdência social. Parte do trabalho foi automatizada, mas muitos bancos de dados no Brasil não são integrados nem digitalizados. Por isso, boa parte da investigação precisou ser feita manualmente. Uma análise levou a Operação Leste a desvendar a operação russa”, dizia um trecho da reportagem do The New York Times.
A escolha do Brasil, conforme indicou a reportagem, tinha como motivo o fato de que “o passaporte brasileiro é um dos mais úteis do mundo, permitindo viagens sem visto para quase tantos países quanto o americano”. Além disso, o território brasileiro é multiétnico, o que permite que pessoas com traços europeus e sotaques passem despercebidas. Ao mesmo tempo, o sistema brasileiro de documentação “é descentralizado e vulnerável à corrupção local”, de acordo com o NYT .
Embora tenham conseguido identificar os espiões, os agentes da PF tiveram dificuldades em prendê-los. Quando chegaram perto, era “tarde demais” e eles já conseguiram escapar, inclusive, fugindo para países como o Uruguai, afirmou o The New York Times.