A prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello nesta sexta-feira (25) por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro descobertos pela Lava Jato evidenciou a ambiguidade do Supremo Tribunal Federal (STF), que vem tomando sucessivas decisões para desfazer os resultados da operação.
Collor foi denunciado em 2015 e condenado em 2023 por receber R$ 20 milhões em troca de viabilizar irregularmente contratos da BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras, com a UTC Engenharia para a construção de bases de distribuição de combustíveis, entre 2010 e 2014. Moraes rejeitou na quinta-feira (24) os últimos recursos de sua defesa e ele foi preso na madrugada.
O ex-presidente, que havia sofrido impeachment em 1992 por outro caso de corrupção, não tem apoio popular e conta com limitados aliados políticos. Sua prisão ocorre após o STF ter usado falhas processuais e alegada parcialidade de juízes e promotores para livrar de condenações e reabilitar politicos como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, Antônio Palocci, Geddel Vieira Lima, além do marqueteiro João Santana e o empreiteiro Marcelo Odebrecht.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) criticou a possível seletividade da Justiça. Sem mencionar Collor, o deputado questionou se outros condenados da Lava Jato serão presos também. “Eu lembro de outros que foram condenados na Lava Jato. Moraes vai mandar prender também? Só perguntando”, escreveu Nikolas em publicação no X.
A prisão de Collor aponta para uma possível tentativa do STF de melhorar sua imagem, segundo o analista Paulo Kramer, da Kramer Consultoria Política. “Trata-se de uma movimentação politicamente calculada para ‘vender’ à opinião pública a imagem de um STF isento, que martela tanto o cravo quanto a ferradura. Não vai ‘colar’, na minha opinião: a maioria dos ministros demonstraram uma parcialidade político-ideológica tão deslavada que agora fica impossível colar de volta o ‘cristal’ da credibilidade institucional”, afirmou.
A advogada Géssica Araújo, coordenadora do Movimento dos Advogados de Direita do Brasil, destaca que Dirceu, Geddel, Santana e Marcelo Odebrecht foram condenados mas conseguiram no STF a anulação de provas, sentenças ou reduziram penas de forma significativa, alegando vícios processuais ou mudanças na jurisprudência. “A seletividade é flagrante. O Supremo, ao mesmo tempo em que age com rigor em um caso, suaviza ou silencia em tantos outros. Justiça firme para uns, indulgente para outros. Isso compromete a credibilidade da Corte e coloca em xeque a confiança da sociedade no sistema jurídico como um todo”, disse.
O senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que foi responsável pelas principais condenações da Lava Jato quando era juiz, usou as redes sociais para destacar que o caso da BR Distribuidora, no qual Collor esteve envolvido, ocorreu durante os governos do PT. “Quem será que entregou a BR Distribuidora para o Collor?”, questionou Moro em uma pergunta retórica sugerindo a ligação de Collor com o PT.
Segundo decisão do ministro Alexandre de Moraes, Collor foi condenado por receber R$ 20 milhões para viabilizar irregularmente contratos da BR Distribuidora com a UTC Engenharia para a construção de bases de distribuição de combustíveis. Ele teria influenciado a negociação em troca de apoio político para indicação e manutenção de diretores da estatal.
Enquanto era senador, Collor foi padrinho político de diretores da BR Distribuidora. A influência de Collor foi confirmada por testemunhos do ex-diretor internacional da Petrobras e ex-diretor financeiro da BR Distribuidora, Nestor Cerveró.
O senador Cleitinho (Republicanos-MG) elogiou a prisão de Collor, destacando o combate à corrupção: “Política é para servir o povo, não para enriquecer com dinheiro público”, afirmou, destacando o fato de a punição ser contra um investigado pela Lava Jato.
Já o deputado Zé Trovão (PL-SC) classificou a decisão de Moraes como uma “cortina de fumaça” para desviar a atenção do suposto desvio de aproximadamente R$ 6,5 bilhões do INSS. “É coincidência demais ou uma estratégia para desviar o foco?”, questionou.
Na avaliação do cientista político e professor do IBMEC-BH, Adriano Cerqueira, a prisão de Collor ajuda os governistas a “sair das cordas” após a Operação Sem Desconto da PF. “Apesar da tentativa de usar o caso [de Collor] como cortina de fumaça, o estrago [com a crise do INSS] já foi feito. Todos os aposentados e pensionistas sabem que foram roubados”. Ele se refere à fraude bilionária na Previdência Social que o governo demorou para investigar e configura hoje a nova crise política do governo Lula.
Por outro lado, lideranças de esquerda celebraram a decisão e tentaram ligar Collor ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) disse que esperou 33 anos pela prisão de Collor, se referindo ao processo de impeachment sofrido pelo ex-presidente. “Se durar esse tempo pra Bolsonaro ter o mesmo destino, só meus filhos e netos curtirão…”, disse o deputado.
O tom adotado pelo vice-líder do governo Lula, deputado Rogério Correia (PT-MG) e pelo deputado Guilherme Boulos foi de sátira. Em uma de suas três publicações sobre o tema, o petista compartilhou uma foto de Collor e Bolsonaro sorrindo, acompanhada da frase “rindo feito condenados”.
Já Boulos, compartilhou uma montagem em que Collor aparece, em vídeo, gritando o nome de Bolsonaro. A publicação é dividida com a frase “Collor já anuncia o próximo a ser preso” e a reprodução de uma reportagem que anuncia a determinação de prisão de Collor.
Diante das publicações da esquerda, a avaliação é de que há ainda um simbolismo político na prisão de Collor. “Não é desarrazoado questionar se essa prisão não faz parte de um movimento mais amplo de ‘preparação de terreno’ para justificar, futuramente, medidas semelhantes contra outras figuras de destaque da direita”, pontuou a advogada Géssica Almeida.
Ministros do STF divergem sobre forma de analisar prisão de Collor
Outro indício de ambiguidade do STF sobre a Operação Lava Jato foi uma divergência nesta sexta-feira (25) em um julgamento virtual sobre a decisão monocrática de Moraes pela prisão do ex-presidente Collor. Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Flávio Dino acompanharam o voto de Moraes pela manutenção da prisão. Já o ministro Gilmar Mendes votou para levar a análise da prisão para o plenário físico do STF.
Com isso, Barroso precisará marcar uma sessão, possivelmente na semana que vem, e a votação recomeçará do zero. Até lá, Collor deve continuar preso. Ele foi condenado a oito anos e 10 meses de reclusão e sua defesa quer que a pena seja convertida para prisão domiciliar.
Mendes é um crítico declarado da Lava Jato. Recentemente, ele comparou a Operação Lava Jato a uma organização criminosa e se disse “orgulhoso” com o seu “desmanche”. “Fico orgulhoso desse processo que você chamou de ‘desmanche da Lava Jato’. Porque era uma organização criminosa. O que eles faziam em Curitiba era criminoso”, disse Mendes ao ser questionado se operação havia passado por um desmonte.
Mendes ainda tem criticado os acordos de leniência fechados com empresas investigadas no âmbito da Lava Jato. O ministro defendeu, inclusive, a criação de uma “comissão da verdade” para investigar as circunstâncias em que as empresas teriam aceitado contribuir com as investigações. “Há coisas nebulosas que precisam ser esclarecidas. Talvez, merecesse buscar uma ‘Comissão da Verdade’ sobre isso. Há muito escombros sobre o que se passou”, disse Mendes em entrevista à Rede Globo, em março de 2024.
No ano passado, Gilmar Mendes anulou as condenações do ex-ministro José Dirceu relacionadas à Operação Lava Jato. Na decisão monocrática, o ministro alegou a existência de “elementos concretos” de que o ex-juiz Sérgio Moro utilizou o processo contra Dirceu como parte de uma estratégia maior para chegar ao então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 19 de fevereiro de 2025, o ministro Dias Toffoli, do STF, anulou todas as condenações contra Antonio Palocci, ex-ministro de governos do PT, com base em indícios de conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e membros da força-tarefa da Lava Jato, reveladas pela Operação Spoofing. Toffoli alegou que tais práticas violaram o devido processo legal e a ampla defesa.
Em maio de 2024, o ministro Dias Toffoli, do STF, anulou ainda todas as decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba no âmbito da Operação Lava Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht.
Em 2021, a Segunda Turma do STF, com relatoria do ministro Edson Fachin, excluiu das condenações de Geddel Vieira de Lima o delito de organização criminosa, mas manteve a condenação por lavagem de dinheiro. Também foi naquele ano que Fachin anulou todas as decisões praticadas nas ações penais da Lava Jato contra o presidente Lula.
A prisão de Collor, portanto, ocorre em um contexto de ampla revisão da Lava Jato pelo STF, sob o argumento da necessidade de corrigir excessos e garantir a legalidade dos processos. A decisão de Moraes contra Collor também vem a público no mesmo tempo em que a sua atuação em outros inquéritos, como o das Fake News, é criticada sob a acusação de descumprir as leis e direitos fundamentais.
Se corroborada pelo plenário, a decisão de Moraes contra o ex-presidente alagoano deve ser interpretada como mais uma demonstração de força pessoal de Moraes com respaldo de ao menos parte dos colegas ministros. Mas também acentuará contradições internas da Corte que poderão ser exploradas por seus críticos.
Além de já ter suspendido ou afrouxado condenações de outros réus da Lava Jato, o STF retomou neste mês o julgamento de recursos de ex-executivos da Odebrecht que contestam a ordem de perda imediata de bens no exterior relacionados à operação. As ações, relatadas por Edson Fachin, envolvem dinheiro, imóveis e obras de arte citados em delações.
Collor torna-se o terceiro ex-presidente preso no âmbito da Lava-Jato
Collor, de 75 anos, tornou-se o terceiro ex-presidente da República preso desde a redemocratização. Antes dele, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB) também haviam sido detidos após investigações da mesma Lava Jato, mas por motivos e fundamentos jurídicos diferentes.
O caso que levou Collor à prisão foi julgado pelo STF porque era ele senador à época da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2015. A defesa recorreu diversas vezes, questionando a dosimetria (tamanho) da pena e alegando divergências entre votos dos ministros. Moraes considerou os questionamentos como “meramente protelatórios”.
Quando era ex-presidente, Lula foi preso em abril de 2018, condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês no caso do triplex do Guarujá, e depois também no caso do sítio de Atibaia. Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou as condenações por incompetência da Vara de Curitiba, restabelecendo os direitos políticos do petista, que voltou à Presidência em 2022.
Michel Temer foi preso preventivamente em março de 2019, por ordem do juiz Marcelo Bretas, acusado de envolvimento em esquema de propina ligado à usina de Angra 3. Solto seis dias depois, respondeu a 10 inquéritos, parte deles no STF e o restante na primeira instância após deixar o cargo.
Fernando Collor, eleito presidente em 1989, renunciou em 1992 em meio a um processo de impeachment, tendo seus direitos políticos suspensos por oito anos. Retornou à política como senador por Alagoas, cargo que exerceu até 2023.