Com o foco na anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023, a manifestação organizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo pastor Silas Malafaia, neste domingo (16), deve deixar o pedido de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em segundo plano. O evento está programado para ocorrer no bairro de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, às 10 horas.
Até fevereiro deste ano, a oposição debatia se o pedido de impeachment contra Lula também entraria como prioridade do protesto. No entanto, o ex-presidente defendeu que o ato fosse centrado nos presos e que as críticas contra o atual mandatário fossem direcionadas à rejeição de uma possível reeleição do petista.
No mesmo mês, Bolsonaro chegou a publicar um vídeo afirmando que a pauta seria liberdade de expressão, segurança, custo de vida, “Fora Lula 2026” e “anistia já”. Entretanto, o presidente indicou a mudança de rumo em vídeo publicado na última segunda-feira (9), quando aliados próximos afirmaram que a anistia seria a pauta principal do protesto.
Dentre as hipóteses para a mudança do foco está a percepção de que o ex-presidente precisa manter a polarização com Lula para preservar seus capital político. Outra possibilidade avaliada por analistas do mundo político é o fato de que a defesa da anistia ao presos do 8 de janeiro também beneficiaria Bolsonaro, que foi indiciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por suposto golpe de Estado.
O ato deve contar com membros de peso da oposição, como os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Magno Malta (PL-ES); o pastor Silas Malafaia e os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), Gustavo Gayer (PL-GO), Luciano Zucco (PL-RS), Sargento Fahur (PSD-PR), Zé Trovão (PL-SC), Joaquim Passarinho (PL-PA), Júlia Zanatta (PL-SC), Carol De Toni (PL-SC), Bia Kicis (PL-DF), Carlos Jordy (PL-RJ), Capitão Alden (PL-BA), Maurício Marcon (Podemos-RS), Rodolfo Nogueira (PL-MT), Sanderson (PL-RS) e Hélio Lopes (PL-RJ).
Os governadores Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Tárcísio Gomes de Freitas, de São Paulo; e Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, confirmaram a ida ao ato. Já o governador Ronaldo Caiado (União), de Goiás, disse que não irá ao evento, mas que defende a anistia.
“No domingo, estarei mobilizando colegas de outros estados. A partir de agora, viajarei mais, pois o único problema identificado nas pesquisas é que sou pouco conhecido”, disse Caiado ao jornal O Estado de São Paulo.
Além dele, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD), governador do Paraná, não irá participar do ato. “Não vou. Nunca fui a esses eventos. Acho que a anistia deve ser revista, tem gente injustiçada, mas não vou”, disse o chefe do Executivo paranaense em entrevista ao Valor Econômico.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro cancelou a ida ao evento por motivos de saúde. Segundo sua assessoria, ela se encontra em pós-operatório devido a uma cirurgia e possui restrições médicas.
O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) é um dos que ressaltam que a principal preocupação no ato deve ser a situação das pessoas presas em decorrência das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). “É claro que tirar o Lula é muito importante para o país, mas a gente não pode se esquecer, em primeiro lugar, das vítimas desses absurdos.”
Ele cita o caso de Debora Rodrigues dos Santos como um exemplo. Ela está presa há quase dois anos por pixar a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, que se localiza em frente ao STF, durante os atos de 8 de janeiro de 2023. “É um caso impactante de uma mulher que não fez absolutamente nada, sem antecedentes criminais, sem julgamento, fica dois anos presa. É inaceitável”, afirmou Marcon.
O deputado Capitão Alden (PL-BA) também ressalta a necessidade de se defender a liberdade de expressão, que, segundo ele, está sob ameaça. “Neste dia, defenderemos a nossa liberdade de expressão, que gradativamente estamos perdendo nesta “censura” velada”, criticou.
O parlamentar também citou as preocupações com a segurança pública e fez críticas ao governo Lula. “A segurança pública jamais poderá ser esquecida, pois o Brasil está jogado nas mãos da criminalidade. E o “Fora Lula 2026” é um tema que também estará no contexto.”
Essa será a quarta manifestação protagonizada pelo ex-presidente. A primeira ocorreu na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro do ano passado. Já o segundo ato ocorreu no Rio, também em Copacabana, em 21 de abril. O terceiro protesto voltou a ocorrer na capital paulista, no feriado de 7 de setembro de 2024.
Depois do ato no Rio, a próxima manifestação está marcada para 6 de abril deste ano, na Avenida Paulista e também terá a anistia como foco.
Malafaia disse ser contra impeachment do petista e que o “fora Lula é para 2026”
A postura da oposição de não focar no afastamento de Lula neste momento teve início após Malafaia se posicionar contra o impeachment do petista em fevereiro deste ano. Na época, o religioso afirmou que o ato deveria ter como mote a anistia.
“Por que impeachment de Lula? Para entrar um [presidente] pior do que ele, que é o [vice-presidente Geraldo] Alckmin? Trocar seis por meia dúzia? Pelo Alckmin, que é pior ainda, que é amicíssimo do [ministro do Supremo Tribunal Federal] Alexandre de Moraes? Eles se merecem! Deixa esse governo ir até o final, já que foram eles que arrumaram tudo isso o que está acontecendo no país de desgraça econômica, de roubalheira, de estatal dando prejuízo. Deixa eles”, disse Malafaia em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo.
“O fora Lula é para 2026. Se alguém em algum lugar do Brasil quiser falar outra coisa, não é a noção do presidente Bolsonaro”, disse ainda Silas Malafaia à Folha
De acordo com um interlocutor da oposição, o posicionamento do pastor causou descontentamento em parte dos parlamentares. O entendimento era de que o prostesto deveria aproveitar a queda de popularidade de Lula, motivada pela inflação no preço dos alimentos, para engajar manifestantes descontentes com o governo. A leitura é de que isso possibilitaria maior participação de pessoas para além da direita.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, a pauta da anistia se tornou um ponto de convergência entre as diferentes correntes da direita.
“Essas disputas sobre o que seria e onde seria a manifestação diluíram bastante a possibilidade de um consenso em torno apenas do “Fora Lula”. E a questão da anistia me parece que hoje é uma questão que unifica mais as diferentes correntes da direita”, explicou Cerqueira.
Indagado se tirar o foco do “Fora Lula” prejudica a manifestação, o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, pondera que depende da perspectiva. Mas ele ressaltou que o indiciamento de Bolsonaro tornou a questão .
“Em termos de mobilização popular, talvez sim. Mas, politicamente, a anistia é a trincheira mais urgente. Se não resolver isso, qualquer outro movimento perde força. O indiciamento de Bolsonaro e aliados mudou o tabuleiro. O jogo agora não é sobre derrubar o governo, mas sobre evitar o xeque-mate jurídico”, disse Arruda.
Bolsonaro optou pela anistia por ser uma pauta mais viável do que o impeachment
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que a decisão da oposição de não pautar o impeachment do presidente Lula como tema principal nas manifestações foi estratégica. Segundo ele, no momento em que o ato foi planejado, a prioridade era evitar que a mobilização parecesse uma tentativa de desviar o foco das investigações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“A decisão de não pautar ou de não colocar como tema das manifestações o impeachment do presidente [Lula] se deveu a uma análise de conjuntura feita pelo grupo de oposição, liderado pelo ex-presidente Bolsonaro. Naquele momento, a ofensiva judicial e policial contra Bolsonaro era intensa, e havia o receio de que a pauta do impeachment parecesse uma tentativa de desviar o foco das investigações para um enfrentamento político mais direto”, explica Gomes.
Ele também aponta que, inicialmente, não havia condições jurídico-políticas para um processo de impeachment. No entanto, o cenário começou a mudar nas últimas semanas, com a intensificação da inflação, especialmente no preço dos alimentos, e a queda na popularidade do presidente.
“O fenômeno inflacionário se intensificou de maneira bastante pronunciada nesse intervalo de 40 a 60 dias, incidindo sobre produtos básicos. Isso enfraqueceu bastante a popularidade do presidente, conforme apontaram institutos de pesquisa, inclusive aqueles tradicionalmente mais favoráveis ao governo”, destacou o cientista político.
Cidades cancelam atos para fortalecer manifestação no Rio; protestos são mantidos em alguns municípios
Além do ato no Rio de Janeiro, manifestações em Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza e São Paulo também estavam programadas para ocorrer neste domingo. Entretanto, os organizadores optaram por centrar o protesto na capital fluminense. No caso da capital paulista, o movimento Nas Ruas afirmou que o cancelamento do protesto na Avenida Paulista atendeu a um pedido feito por Bolsonaro.
“Nós, do movimento Nas Ruas, compreendemos a importância da nossa união, de estarmos unidos em um só lugar. E, por conta disso, não estaremos em São Paulo, mas no Rio de Janeiro ao lado do nosso presidente [Bolsonaro]”, disse o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos-SP) no final de fevereiro.
A mesma orientação foi seguida por Gayer, que cancelou o ato em Goiânia após o mesmo ocorrer em Belo Horizonte. “Tendo em vista a concentração da manifestação do dia 16 de março, em Copacabana, informamos que o ato, em Goiânia, está cancelado […] Devemos concentrar esforços para o Rio de Janeiro.”
Apesar da orientação de Bolsonaro, outras cidades decidiram manter manifestações, como em Boa Vista, capital de Roraima. O ato está programado para ocorrer às 17h, na Praça do Garimpeiro, região central da cidade.
“Aqui não houve pedido nenhum pra que a gente cancelasse, então, a gente vai manter esse movimento, que é do povo roraimense. Um movimento ordeiro, pacífico. Todo mundo que quiser, seja político ou não, que vá à praça dar esse grito de ‘Fora Lula’ e mostre a força do estado de Roraima”, disse o deputado federal Nicoletti (União Brasil-RR), um dos organizadores, em entrevista ao jornal Folha de Boa Vista.
Em Uberlândia (MG), o ato contra Lula foi mantido e deve ocorrer às 10h, no estacionamento do Parque do Sabiá. Nas redes sociais, o empresário Braulio Marcos, organizador do ato, afirmou que “o Brasil é de todos e em todos os lugares”. “Não podemos excluir a vontade do povo em ajudar e se manifestar nesse momento ímpar”, disse Marcos.
Na Câmara, projeto de anistia defendido pela oposição depende de Hugo Motta
Atualmente, o projeto da anistia (PL 2858/2022) se encontra parado em uma Comissão Especial criada pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na época, Lira argumentou que o colegiado seria necessário para aprofundar as discussões sobre o tema. Na prática, o colegiado nem sequer foi instaurado ou teve qualquer funcionamento.
Com a eleição na Câmara, a oposição trabalhou para negociar a votação do texto em troca do apoio à eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB). Mas, até o momento, o deputado paraibano também não deu andamento à Comissão Especial. Por outro lado, desde que assumiu o comando da Casa Baixa, o parlamentar vem dando sinais de que o assunto não se encontra “enterrado”.
No mês passado, Motta comentou que, embora o presidente da Casa tenha o poder da pauta da ordem do dia, é o Colégio de Líderes que decide o que vai ser votado ou não. Ele ressaltou que o tema será tratado com responsabilidade e que seu objetivo é a busca de uma pacificação nacional.
“Vamos tratar tudo de forma muito tranquila e de maneira muito serena. Nosso trabalho será a busca de uma pacificação nacional, de harmonia, para que os Poderes constituídos tenham uma pauta de convergência nacional. É isso que o Brasil espera de nós”, afirmou Motta em entrevista ao canal GloboNews.
Manifestação do ano passado exaltou Elon Musk
No ato realizado em abril do ano passado, no Rio de Janeiro, Bolsonaro fez elogios ao empresário Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter). O ex-mandatário destacou a postura do bilionário em relação à transparência e ao combate à censura, e afirmou que Musk tem sido um aliado na luta pela livre manifestação de ideias.
“Hoje temos um homem que enfrenta o sistema, que luta pela liberdade de expressão: Elon Musk”, declarou Bolsonaro, em meio a aplausos do público. O ex-presidente citou as críticas do empresário às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o controle de conteúdos nas redes sociais.
O evento reuniu milhares de apoiadores, que ergueram faixas e cartazes contra o que consideravam ser a censura imposta pelo Judiciário brasileiro. Bolsonaro reiterou que foi a liberdade de expressão que o levou à Presidência da República e disse que o Brasil vive um momento de cerceamento das vozes conservadoras.
O ex-presidente também defendeu a anistia. Ele destacou que as pessoas que participaram do 8 de janeiro não estavam com armas, mas com bíblias e bandeiras do Brasil.
“Ninguém tentou, por meio de armas, tomar o poder em Brasília. Aquelas pessoas estavam com uma bandeira verde e amarela nas costas, e muitas com uma Bíblia embaixo do braço. Não queiram condenar um número absurdo de pessoas porque alguns erraram invadindo e depredando o patrimônio, como se fossem terroristas, golpistas”, disse o ex-presidente à época.