A notícia de que a marca “CUPUAÇU” havia sido patenteada no Japão, ainda no ano 2000, causou forte impacto sobre a opinião pública. Com a regulação, as empresas do Brasil acabaram impedidas de utilizar comercialmente um produto tipicamente brasileiro. Como consequência, sentimo-nos espoliados.
Foi inevitável a comparação com o contrabando de sementes de seringueira para a Malásia, efetuado no século 19 pelos ingleses, e que acabou provocando o declínio do Ciclo da Borracha e o início de um período de estagnação econômica que durou até a criação da Zona Franca de Manaus, no governo Castelo Branco, durante a década de 1960.
Esse episódio deixou claro que estávamos permitindo a ocorrência de um vazio tecnológico em área de enorme potencial, acarretando um déficit de soberania brasileira sobre a região. Temos de ter em mente que não há outra maneira de reverter esse quadro que não seja por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, abrangendo desde a pesquisa de base até o registro de patentes.
A pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico são ferramentas essenciais para assegurar aspectos fundamentais ao Brasil na Amazônia: garantia da soberania e obtenção do conhecimento que permita compatibilizar a ocupação com o desenvolvimento e a preservação ambiental.
Soberania
Vê-se, portanto, que a valorização dessa área se constituirá em verdadeira afirmação de soberania brasileira sobre a região, mas que, apesar do incremento que a atividade vem experimentando, estamos longe de metas que possibilitem reverter o quadro acima descrito. Há anos acompanhamos trabalhos de pesquisa realizados no Brasil sobre a Amazônia, cuja maioria conta com a participação de estrangeiros.
A professora Bertha Becker dizia que “há que se atribuir valor econômico à biodiversidade, para que ela possa competir com as demais commodities”. Em dados divulgados durante Webinar do Instituto General Villas Bôas sobre a Amazônia, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, citou que a biodiversidade amazônica poderia ser avaliada em trilhões de dólares.
Associando-se produtos regionais como base para o desenvolvimento de cadeias produtivas, será possível o estabelecimento de polos de desenvolvimento intensivo, capazes de evitar que a população dependa essencialmente da natureza para seu sustento
Na mesma série de palestras, o representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) trouxe as diversas vertentes do programa Ciência para a Amazônia, que incluíam pesquisas em biodiversidade, laboratórios-satélites flutuantes para estudo do bioma amazônico e alternativas de exploração sustentável in loco, além de um sistema complexo de monitoramento, complementado com a Torre ATTO, de 300 metros de altura. Recomendo a quem se interessa em saber mais sobre a Amazônia assistir às quatro edições do Webinar, disponíveis no canal do Instituto no YouTube.
É preciso levar em conta que ciência e tecnologia serão as ferramentas para que, partindo-se da pesquisa básica e considerando-se o conhecimento popular, se chegue ao registro de patentes e à concretização de produtos, tecnologias e técnicas capazes de apontar os caminhos para que se compatibilizem na Amazônia a ocupação, o desenvolvimento e a preservação ambiental.
Desenvolvimento econômico
Uma longa, sistemática e maciça campanha mundial incutiu na opinião pública internacional, e encontrou eco no Brasil, tanto entre a população em geral como, especialmente, em alguns setores da elite nacional, a visão de que o desenvolvimento econômico representa séria ameaça à preservação ambiental. Essa teoria, curiosamente, não encontra respaldo na realidade, pois a prática demonstra que pobreza e degradação ambiental estão intimamente associadas.
Pesquisadores do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) elaboraram o IDH Ambiental, associando os índices do IDH tradicional, criado pelo Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen, com o Índice de Sustentabilidade Ambiental, concebido nas Universidades de Yale e de Columbia. Embora tenham chegado à conclusão de que “a relação entre renda e preservação ambiental não ocorre de forma direta” (jornal O Globo, edição de 25 de março de 2007), constata-se uma clara associação entre pobreza e péssimas condições ambientais. Esse dado fica claro ao compararmos a lista dos países mais bem posicionados nesse ranking com os que ocupam as últimas posições. De um lado, estão Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia, Canadá, Austrália, Suíça, Áustria, Irlanda e Nova Zelândia, enquanto do outro encontramos Moçambique, Haiti, Etiópia, Burundi, Burkina Faso, Níger e Serra Leoa.
O Distrito Industrial da Suframa produz um efeito demonstração sobre como um projeto de desenvolvimento intensivo pode contribuir para a preservação ambiental. Abriga 100 mil empregos diretos, o que, segundo dados estatísticos, resulta em outros 300 mil indiretos. Se considerarmos a existência de uma família de quatro pessoas em média para cada um desses postos de trabalho, teremos uma população de 1 milhão e 600 mil pessoas, pouco menos que os 2 milhões de Manaus. Como resultado, o Estado do Amazonas é ao mesmo tempo o mais desenvolvido e o mais preservado entre todos os da Região Norte.
Modelo de desenvolvimento
Compare-se com o modelo de desenvolvimento até hoje praticado nos Estados do Pará e de Rondônia, onde predominam as atividades primárias, e encontraremos as áreas proporcionalmente mais desflorestadas e que abrigam os maiores e mais sérios problemas e conflitos sociais.
Quando do assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, em 2005, o Exército e outros órgãos de governo foram empregados na região da Terra do Meio, no Pará, por cerca de dez meses, numa operação cujo objetivo era realizar o desarmamento e a pacificação da área. Essa ação resultou na paralisação das atividades econômicas principais, causando uma forte perda de empregos — cerca de 60 mil —, com ocorrência de protestos nas principais cidades.
Três anos depois, no primeiro trimestre de 2008, após a divulgação de dados que indicavam um crescimento das taxas de desmatamento, os municípios mais afetados receberam uma fiscalização especial, que contou inclusive com o emprego da Força Nacional de Segurança Pública. No município paraense de Tailândia, novamente produziu-se a perda de empregos, em razão da paralisação da única atividade econômica disponível, qual seja a extração de madeira.
A realidade não se havia alterado, pois, no espaço de três anos decorridos entre os dois episódios, nenhuma nova atividade econômica havia sido introduzida para servir de alternativa e evitar o envolvimento em atividades ilícitas por parte daquela população.
Associando-se produtos regionais como base para o desenvolvimento de cadeias produtivas, com forte aplicação de conhecimento tecnológico, dispondo de infraestrutura que lhe dê suporte, focadas em áreas já degradadas — sul do Pará, Mato Grosso e Rondônia —, será possível o estabelecimento de polos de desenvolvimento intensivo, capazes de evitar que a população dependa essencialmente da natureza para seu sustento. Estar-se-iam criando condições para a fixação de um contingente populacional o qual, caso contrário, iria engrossar e aumentar a pressão sobre as frentes de desmatamento.
Esse é um movimento que já pudemos perceber em algumas comunidades indígenas, como em Mato Grosso, com a criação da cooperativa dos Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki, para a produção agrícola na terra indígena ou a produção do café premiado dos Pater-Suruí, em Rondônia.
Qual será o destino da Amazônia?
Nas últimas semanas, discutimos aqui a realidade amazônica, de problemas complexos e soluções possíveis, que dependem mais da boa vontade política do que da sociedade em si. Num esforço multidisciplinar e consciente, perceberíamos que a preservação da Amazônia só será assegurada a partir da consolidação de um processo de desenvolvimento econômico, integrado e intensivo, que ofereça alternativas à população que não sejam depender da exploração da natureza para garantir seu sustento.
*Com informações revistaoeste