Nada de senhorinha fazendo crochê ou tristeza. No Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, os idosos têm uma rotina agitada, com muita música, fofoca, amizades, romances e até algumas tretas. O EXTRA passou uma tarde no local conhecendo alguns dos 51 artistas que vivem por lá, entre atores, músicos, circenses, produtores e técnico de luz, e presenciou a alegria do lar, para onde iria morar Marcos Oliveira, o intérprete de Beiçola, de “A grande família”.
O ator de 67 anos ganhou uma vaga em uma das 51 casas do Retiro, mas optou por não ir, alegando que não teria como contribuir e que só poderia levar duas das três cachorras que tem.
“Ele não ia contribuir com nada. No retiro, ninguém é obrigado a contribuir”, diz Cida Cabral, administradora do abrigo há 23 anos. “Tenho pessoas aqui que não contribuem com nada. Tem outras que fazem questão, que ganham um salário mínimo e que contribuem com R$ 200, R$ 100 por mês. Assim como têm familiares que se reúnem e contribuem. A gente vive só de doações e da venda do nosso brechó. Nossa sobrevivência é da ajuda de alguns artistas e da população. A gente precisa muito de ajuda, seja na parte financeira, alimentação, remédio, roupas. Tudo é muito bem-vindo”, explica.
Lar, localizado em Jacarepaguá, RJ, é reduto de afeto e algeria
Por lá vive desde 2020 o ator Paulo César Pereio, de 82 anos. Ex-marido de Cissa Guimarães, com quem tem dois filhos, o veterano é conhecido no lar pelo mesmo temperamento forte que marcou sua carreira. “Ele se adaptou supebem, a gente até estranhou, porque ele continua com o jeito Pereio de ser. Ele viva na dele, mas frequenta a biblioteca e o refertório”, conta Cida.
Durante um lanche festivo na tarde da última quinta-feira, Pereio protagonizou uma “minitreta” com uma senhora que estava na frente da sua passagem. “Sai da frente, p@##%!”, gritou ele, numa cena que parece ser corriqueira. Embora imprima, num primeiro momento, uma fama de mau humorado, Pereio fica muito feliz quando recebe a visita do filho, o ator e ex-Malhação João Velho, da ex-mulher Cissa e de amigos como Maitê Proença. “Ele é durão, xinga, mas é o jeito dele”, diz um dos 38 funcionários de lá.
Pereiro não gosta de dar entrevistas, mas topou ser fotografado, desde que não fosse fotos posadas. “Não sou ator, p@##%! Sou diretor de cinema!, c#$%¨&*…”. gritava, numa cena que mais arrancava risadas do que medo.
Outro que tem fama de poucos amigos é Rui Rezende, de 85 anos. O ator — famoso por interpretar o personagem que virava lobisomem em “Roque Santeiro”, o professor Astromar — está no asilo desde 2019 e não interage com os colegas. “Ele é mais sistemático, mais difícil de se envolver”, conta a administradora, que tem ajuda diária do funcionário Robson Souza para cuidar dos moradores.
Existe, no entanto, muita amizade no retiro. À noite, alguns se reúnem na beira da piscina para conversar, tomar cerveja, fumar, tocar e cantar. Lá tem várias opções de lazer, como teatro, cinema, salão de beleza, sala de massoterapia e até uma capela. Tudo espalhados pela área de quase 15 mil metros quadrados.
Silvio Pozatto, de 67 anos, chegou ao retiro há um ano e meio em busca de “uma vida mais segura e tranquila”. Solteiro e sem filhos, ele morava antes sozinho em Copacabana, e há 12 anos convive com com parkinson. Hoje, tem a companhia de um cuidador e um gato, além dos amigos de profissão que reecnontrou na nova moradia.
Ator e fotógrafo famoso, Pozatto atuou na primeira versão de “Pantanal” e costuma receber visitas das amigas Malu Mader e Patricia Pillar. “Gosto daqui. E quero fazer a cirurgia de implante de eletrônico no cérebro para recuperar a fala e os movimentos e voltar a atuar”, sonha ele, que reclamou ser fotografado “sem fazer a barba”.
Vizinhos de parede, a produtora de teatro aposentada Vera Morais, de 80 anos, e o ator de teatro André Brevot, de 73, cuidam juntos da cadela Maju, que encontraram abandonada na rua na frente do Retiro. “Dou graças a Deus por isso aqui existir, Se não, eu teria morrido. Acabei de fazer uma cirurgia do coração. Aqui tem um plano de saúde maravilhoso”, elogia Brevot, que chegou no lar há sete anos.
Brevot é gay e conta que teve um relacionamento de três anos dentro do asilo com outro ator, que é um ano mais velho que ele. “Não vou revelar o nome porque ele ainda está no armário (risos). Ele voltou para a cidade dele, e hoje vivo um amor platônico”, diz, contando que foi rejeitado pelo pai aos 17 anos por ser homossexual.
Ali também vive Rubens Serrano, músico que já foi casado com quatro mulheres e tem seis filhos, netos e bisnetos. “Vim pra cá porque queria uma vida independente. Tenho 90 anos, e se não morri é porque estou sendo bem cuidado aqui”, diz.
Serrano costuma organizar saraus no abrigo com outros músicos como o maestro Mauro Continentino, 80 anos, que se apresenta em shows externos nos fins de semana. “Aqui é animado, cheio de amigos. Sou muito feliz aqui”, diz o músico.
Responsável pela biblioteca e a luz do teatro do asilo, o técnico de luz Kari Lage, de 68 anos, chegou ao retiro há quase cinco anos por indicação da amiga, a atriz Nathalia Timberg, com quem trabalhou na peça “Paixão, de Bety Milan”.
Ele conta que montou a biblioteca do retiro com ajuda de doações de amigos como Fernanda Montenegro. Kari foi casado três vezes, tem três filhos, já namorou uma funcionará do asilo e hoje vive um relacionamento com uma jovem de 29 anos que ele conheceu no metrô.
Por lá também vive, desde a pandemia, o ator Jaime Leibovitch, de 77 anos, que tem mais de 40 anos de carreira na TV, atuando em novelas como “Fina estampa” e “Além da ilusão”. A atriz Claire Dignonn, de 85, outra residente, também segue trabalhando em novelas. Ela conta que costuma se reunir com os amigos ali mesmo no Retiro para “bater-papo e tomar cerveja”.
No Retiro, cada morador um tem sua privacidade, uma cas com sala, quarto, cozinha e banheiro, sua própria televisão e internet. Eles costumam sair juntos em uma van para eventos culturais e passeios pela turísticos, recebem atendimentos diários de enfermeiro e equipe médica e pedem pizza pelo aplicativo.
“Aqui eles têm qualidade de vida. As pessoas pensam que o retiro é o fim da vida, e não é. Noventa por centos dos idosos que chegam aqui chegam com essa carência de companhia, de estar próximo de pessoas do meio deles. Em uma semana, você já nota a mudança. A carência vai ficando para trás e tira deles aquele peso nas costas, porque aqui eles têm casa, comida, roupa lavada e passada, médico, plano de saúde, equipe técnica, passeios. E tudo isso dá uma tranquilidade para eles viverem uma velhice digna”, enfatiza a administradora Cida.
Saiba aqui como ajudar o Retiro dos Artistas.
*Com informações extraonline