Menu

Mudanças no foro privilegiado e pressão do STF podem moldar as alianças para eleição em 2026

WhatsApp
Facebook
Telegram
X
LinkedIn
Email

A mudança realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no entendimento do foro privilegiado, ocorrida em 11 de março, é avaliada por analistas e agentes políticos como um fator que pode alterar as articulações feitas pela direita para as eleições de 2026.

Por 7 votos a 4, os ministros reconheceram que autoridades mantêm a prerrogativa mesmo após deixarem os cargos. Com isso, o tribunal expande sua competência para julgar personalidades do mundo político que não estão mais no cargo, mas que ainda possuem influência. É o caso do presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Em 28 de março, o ministro Alexandre de Moraes determinou que uma investigação já encerrada contra Kassab, que estava na primeira instância da Justiça Eleitoral, seja remetida de volta ao Supremo. Assim que os autos do caso chegarem ao STF, caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) opinar pela manutenção do arquivamento ou eventual reabertura da investigação.

A movimentação é vista pelo mundo político como uma forma de pressionar o dirigente partidário a não apoiar o projeto de lei que concede anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. Por outro lado, o efeito dela também pode afetar as conversas entre o PSD e o Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para uma possível aliança no próximo pleito.

Na manifestação deste domingo (6), na Avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro subiu o tom contra Alexandre de Moraes e outros ministros do STF. O ex-presidente deu a entender que sua derrota na disputa presidencial para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022, foi um “conluio” do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido à época por Moraes.

No caso da anistia, se Kassab recuar da aproximação com a oposição, a possível formação de chapa entre o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Jr., e um candidato do PL – cenário que é avaliado pelos partidos – pode estagnar e forçar o PSD a manter uma aproximação com o governo federal até outubro do ano que vem.

Ratinho Jr. participou do ato na Avenida Paulista junto com Jair Bolsonaro e outros governadores que dependem de seu apoio caso queiram disputar a presidência em 2026: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais e Ronaldo Caiado (União), de Goiás.

Vice-líder do PSD na Câmara, o deputado Reinhold Stephanes (PR) afirma que existe uma “clara perseguição contra a direita” por parte do ministro Alexandre de Moraes. “Eu sempre tenho preocupações, pois o Alexandre [de Moraes] não respeita a Constituição e persegue pessoas usando o seu cargo. A situação do presidente [do PSD], Gilberto Kassab, se utilizada, é um absurdo e uma vergonha para o país”, disse Stephanes à Gazeta do Povo

Nos bastidores, o sentimento entre outros integrantes da bancada do PSD é que o processo contra Kassab não deve alterar a composição de alianças entre o Centrão, a centro-direita e a direita para 2026. No entanto, entende-se que aliados de Bolsonaro podem ficar mais vulneráveis a possíveis investidas do Supremo em razão do apoio à anistia.

A avaliação dentro do partido de Kassab, inclusive, é de que a decisão de Moraes tem como pano de fundo as sinalizações de apoio da bancada do PSD ao projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. Stephanes tem atuado com interlocutor dentro da sigla para apoiar o projeto encampado pela oposição.

“Sou o vice-líder do partido e fui autorizado a atuar em nome da bancada do PSD para tratar desse tema, tanto que eu assinei o regime de urgência em nome do partido. Tudo isso com aval do Kassab”, afirmou o deputado paranaense.

Kassab tem mais poder político do que Alexandre de Moraes, avalia cientista político

Em outra frente, a defesa de Kassab já ingressou com um pedido junto ao STF para que Moraes arquive o inquérito. Na petição, o advogado Thiago Fernandes Boverio argumenta que o inquérito “não mais subsiste, pois houve o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito, que ao fim teve o seu trancamento determinado pela Justiça Eleitoral com o trânsito em julgado no dia 29 de novembro de 2023″.

“Diante disso, tendo em vista a economia processual e pela instrumentalidade das formas, eis que não mais subsiste o citado INQ nº 4669, entende-se não aplicável ao caso o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos precedentes motivadores da decisão de V.Exa, eis que não há tramitação em curso”, afirma a defesa no pedido enviado a Moraes.

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a recente investida do ministro Alexandre de Moraes sobre Gilberto Kassab é um exemplo da judicialização da política e do ativismo judicial como estratégia para obter vitórias políticas fora do Legislativo.

“Essa nova investida do ministro Alexandre de Moraes para tentar… Acho que não tem outra forma de dizer isso: constranger, persuadir, chantagear – chame como quiser – o presidente do PSD é muito reveladora dos expedientes dos quais se servem certos acordos da elite política brasileira”, afirmou Gomes.

Segundo ele, a manobra não deve surtir efeito, pois Kassab é um estrategista político experiente e entende os bastidores da disputa pelo poder no Brasil. “Não creio que o ministro Alexandre de Moraes tenha condições de dissuadir Kassab. Ele pode ser muito poderoso enquanto magistrado, mas, do ponto de vista da formação e manutenção de alianças, é um neófito [“novato”]. Kassab, ao contrário, é um exímio jogador na arena política brasileira”, avaliou.

Além disso, Gomes sugere que Kassab pode até mesmo virar o jogo contra Moraes. “Pode acontecer de Kassab pressionar para que a denúncia contra ele no tribunal paulista seja finalmente extinta. Ele tem muito poder retaliatório e conexões estratégicas. Se eu fosse seguir naqueles odds [cotações] de apostas, diria que Kassab levaria essa disputa e não seria engrupido nem constrangido pelo ministro Alexandre de Moraes”, opinou.

Processos contra expoentes da direita estão suscetíveis a novas decisões

Assim como Kassab, outros aliados de Bolsonaro possuem processos que podem ganhar novos desdobramentos. No caso do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral por supostamente obstruir investigações sobre uma organização criminosa hipoteticamente composta por membros do PP (IQ 4.720). Ele também foi investigado por supostamente desviar dinheiro da Petrobras no âmbito da Operação Lava Jato.

O caso foi parar na Segunda Turma do STF, que recebeu, em 2018, a denúncia feita pelo Ministério Público. No entanto, o colegiado formado pelos ministros Gilmar Mendes, relator do caso, Nunes Marques, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Edson Fachin rejeitou o mérito da denúncia em 2021. Os dois últimos ministros foram vencidos pelos demais.

Pelo ordenamento jurídico, a Procuradoria-Geral da República pode recorrer da decisão se entender que existem fatos novos sobre o caso, os chamados embargos de declaração. Em tese, essa medida não muda a decisão.

No entanto, um jurista ouvido pela reportagem, sob reserva, explicou que o caso é suscetível a uma revisão, caso o Supremo assim entenda. Para ele, a questão em relação aos processos contra autoridades do Legislativo deixou de ser jurídica e passou a ser política.

Outros nomes importantes da direita também possuem uma situação jurídica delicada, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União). Em dezembro do ano passado, o TRE condenou Caiado por abuso de poder, alegando que ele usou o Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano, para fazer eventos em apoio a Sandro Mabel, candidato do União Brasil à Prefeitura de Goiânia nas eleições de 2024. Ainda há a possibilidade de recurso ao TSE. Isso mantém os direitos políticos do governador até que o caso seja julgado pela Corte.

A expectativa do mundo político é de que Caiado mantenha os direitos políticos para 2026, quando disputará o Palácio do Planalto. No entanto, um deputado da cúpula da oposição avaliou que o processo eleitoral mantém o governador refém do gosto político dos juízes da Justiça Eleitoral. Nesse contexto, acenos feitos pelo gestor ao STF são interpretados como evidências do imbróglio no Judiciário.

Na semana passada, Caiado afirmou que o impeachment de ministros do STF não atende aos interesses da população e deve ser um debate superado.

“Se nós continuarmos alimentando isso [impeachment de ministros] no Brasil, a quem interessa? A mídia não fala em outra coisa. Faz dois anos e quatro meses que o atual governo não governa, não trabalha. Só fala de 8 de janeiro, e agora [a oposição] só fala em cassar ministro. A que ponto nós estamos chegando? Você acha que isso é governar o país? Você acha que isso é meta de campanha?”, disse Caiado ao portal Metrópoles.

O empresário Pablo Marçal (PRTB) também aparece como expoente da direita que pode sofrer complicações com a Justiça para disputar o pleito de 2026. Em fevereiro deste ano, a Justiça Eleitoral de São Paulo tornou o ex-candidato a prefeito inelegível por oito anos, a contar a partir de 2024, por suposto abuso de poder econômico durante as eleições municipais. 

A Justiça Eleitoral acatou ações do Psol e do PSB que acusavam o influenciador de oferecer apoio político para impulsionar a campanha eleitoral de candidatos a vereador por meio de vídeos divulgados na internet com Marçal. A divulgação custaria R$ 5 mil. 

O caso ainda cabe recurso ao plenário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), e, sendo reafirmada a decisão, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar da situação, Marçal acredita que conseguirá reverter a inelegibilidade na Justiça e concorrer a algum cargo público. 

“Podem contar comigo em 2026, pois estarei disputando, seja para o governo de São Paulo ou para a Presidência do Brasil”, afirmou o empresário em entrevista à CNN, em 22 de março.

Pressão do STF pode reforçar movimento da centro-direita

O cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, avalia que a pressão judicial exercida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, sobre lideranças partidárias ocorre em um contexto mais amplo de judicialização da política, um fenômeno que se observa não apenas no Brasil, mas também internacionalmente.

“Esse movimento curiosamente afeta mais candidaturas que se posicionam mais à direita”, destaca Cerqueira. Segundo ele, essa postura pode não ser suficiente para alterar a dinâmica política e a tendência de aproximação do PSD e de outros partidos de centro com forças mais à direita.

A opinião pública, segundo o cientista político, tem um papel determinante nessa movimentação. “Política também segue o que a gente pode chamar de “lei da gravidade”. Onde está indo a opinião pública em peso, isso vai orientando os movimentos políticos. Se o eleitorado assume uma posição mais acíclica de direita, isso impulsiona partidos, mesmo o PSD, a irem para lá”, explicou.

Além disso, ele aponta que essa postura de Moraes pode radicalizar ainda mais a direita no Congresso, fortalecendo pautas como a anistia aos investigados pelos atos de 8 de janeiro.

“A pauta da anistia, que foi um fator por trás disso tudo, continua sendo colocada sob forte pressão. Mas, no momento, os articuladores estão enxergando essa ofensiva mais como um ruído do que uma ameaça real às alianças entre o Centrão e partidos mais à direita”, analisou Cerqueira.

Bolsonaro reforça aliança com governadores em ato de São Paulo

Além de defender a anistia aos presos do 8 de janeiro, Bolsonaro aproveitou a manifestação em São Paulo para reforçar sua aliança com ao menos oito governadores. Estiveram presentes: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Wilson Lima (União), do Amazonas; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; e Mauro Mendes (União), de Mato Grosso.

O governador Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, cancelou presença devido às chuvas no seu estado. O ato é a primeira ação da oposição nas ruas desde que o ex-presidente foi declarado réu na ação do STF por envolvimento na suposta tentativa de golpe de Estado. 

Desde a decisão da Primeira Turma da Corte, em 27 de fevereiro, Bolsonaro buscou fortalecer sua base de aliados. Na manifestação, os milhares de apoiadores de Bolsonaro, muitos vestidos de verde e amarelo, entoaram coros de “não houve golpe”.

“Se o voto é a alma da democracia, a contagem pública do mesmo se faz necessária. Meus irmãos de todo o Brasil, apesar do momento difícil, a gente consegue recarregar as baterias, se preparar para novas batalhas, mas com a certeza de que a vitória virá”, encerrou Bolsonaro o ato na Paulista. 

plugins premium WordPress