O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, foi informado, em junho de 2023, de que havia um aumento de denúncias de descontos sem autorização em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Apesar disso, não tomou providências por dez meses, de acordo com as atas das reuniões do Conselho Nacional de Previdência Social.
A informação foi revelada pelo “Jornal Nacional”, da TV Globo, e confirmada pelo Estadão. O ministro confirmou à TV Globo que tomou conhecimento do tema e disse que medidas passaram a ser adotadas para enfrentar as fraudes
Na reunião de 12 de junho de 2023, Tonia Galleti, representante do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), afirmou que havia pedido a inclusão da discussão do tema no encontro. O pedido, porém, não foi aprovado com a desculpa de que a pauta já estava elaborada.
“(Galleti) reforçou a sua solicitação, tendo em vista as inúmeras denúncias feitas, e pugnou que fosse apresentada a quantidade de entidades que possuem ACTs (Acordos de Cooperação Técnica, como são chamados os acordos fechados com as entidades que fazem os descontos) com o INSS, a curva de crescimento dos associados nos últimos 12 meses e uma proposta de regulamentação que trouxesse maior segurança aos trabalhadores, ao INSS e aos órgãos de controle”, diz a ata da reunião.
Segundo o documento, Lupi registrou que a solicitação era relevante, mas, como seria necessário fazer um levantamento dos dados, pediu que o tema fosse pautado para a próxima reunião.
O ministro disse ainda que, para proteger o sistema, estava sendo iniciada a “utilização de token”. Na reunião seguinte – da qual Galleti não participou –, o assunto não apareceu.
O tema só volta às reuniões do conselho em 24 de abril de 2024. Na ocasião, porém, o ministro deixou a reunião no meio da discussão sobre o assunto.
Antes de Lupi sair da reunião, o representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Hélio Queiroz, pediu ao ministro uma avaliação sobre a situação, dado que havia “um jornal” colocando o INSS em uma “situação desagradável diariamente”.
Queiroz sugeriu que um bloqueio valesse a partir de maio, ao que Lupi afirmou que isso precisava ser analisado com o departamento jurídico.
O então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, “destacou a importância das associações” e afirmou que muitas das acusações eram referentes aos anos de 2020 e 2021.
Galleti disse que uma auditoria feita nas fichas do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi) não havia encontrado indícios de fraude. Logo em seguida, Lupi afirmou que precisaria comparecer a uma reunião no Senado e deixou a reunião.
Na sequência, os participantes discutiram medidas como uma auditoria e formas mais rígidas de adesão às entidades que supostamente ofereciam benefícios aos aposentados.
Procurada pelo Estadão, a assessoria de Carlos Lupi informou que ainda não havia sido elaborada uma nota para comentar o caso.
Em mensagem enviada ao “Jornal Nacional”, o ministro confirmou que o tema das fraudes foi apresentado no conselho em junho de 2023 e disse que a partir de então o INSS começou a rever normas e a formular propostas de alterações nos sistemas da Previdência.
Segundo Lupi, as mudanças foram concluídas em março do ano passado, quando o instituto apresentou uma instrução normativa com as novas regras para o desconto.
Entenda a fraude do INSS
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagaram na semana passada a Operação Sem Desconto, que identificou um esquema fraudulento de deduções indevidas em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS.
O valor estimado em cobranças irregulares soma R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo a PF. Mas, se retroagir a data até 2016, esse valor sobe para quase R$ 8 bilhões referentes a descontos sem autorização.
O escândalo provocou a saída do presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, acusado de omissão. Ele foi indicado pelo Ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Após denúncias de aumento no número dos descontos, a CGU iniciou uma apuração do caso e entrevistou quase 1.300 aposentados que tiveram descontos em todo o País. O resultado mostrou que, em média, 97% dos beneficiários não tinham dado consentimento para a medida.
Foram feitas auditorias em 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS.
A CGU identificou que as entidades não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários.
A CGU também identificou que 70% das 29 entidades analisadas não entregaram a documentação completa ao INSS, diz a CGU.
O número de entidades saltou de 15 em 2021 para 22 em 2022, chegando a 33 em 2024.
Segundo a PF, para o desconto ser realizado, a entidade precisaria de autorização expressa e individual de cada beneficiário para realizar o desconto de sua mensalidade associativa.
Na investigação, foram identificadas, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização.
A diretora de Orçamentos e Finanças e Logística do INSS, Débora Floriano, relatou 6 milhões de descontos ativos, mas observou que nem todos são irregulares.
Na última quinta-feira, 24, o governo anunciou a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica do INSS com sindicatos para, na prática, evitar o repasse de recursos para as entidades sindicais, especificamente os descontos nos benefícios previdenciários.
Os valores serão restituídos aos aposentados. A primeira parcela referente a abril virá na folha de pagamento de maio.
Mas ainda não há prazo para o ressarcimento integral dos descontos ilegais ocorridos nos vencimentos dos beneficiários do INSS.
Esse “estoque” terá de ser analisado caso a caso, para separar o que foi feito com ou sem consentimento dos aposentados e pensionistas.