A legitimidade das denúncias de violências sofridas pelas pessoas LGBTQIA+ junto aos órgãos do sistema de justiça e segurança pública é um dos destaques do Formulário Rogéria, instrumento que será ampliado para todo o país por meio de acordo de cooperação assinado nesta terça-feira (17), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília (DF). Com a presença da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, o documento foi assinado junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o CNJ.
Ao longo de cinco anos, a parceria entre os órgãos prevê monitoramento, amplo diálogo com entes federados e formação de operadores para garantir que o Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente à Comunidade LGBTQIA+, batizado de Formulário Rogéria, seja implementado nos órgãos do sistema de justiça e de segurança pública dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal.
De acordo com o documento, o Formulário pretende ser a base de registro e documentação de dados reais da violência sofrida diariamente pela população LGBTQIA+ no Brasil. O Formulário contém dados como identificação da vítima, do risco sofrido, a análise do profissional da área envolvido no registro da ocorrência e a identificação do serviço prestado.
Desafios e expectativas
Ao reforçar a importância e o ineditismo do acordo firmado, a ministra Macaé Evaristo reafirmou o compromisso do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) com a pauta LGBTQIA+ e citou os desafios enfrentados por essa parcela da população no acesso à justiça. Entre eles, destacam-se o reconhecimento da violência LGBTQIAfóbica no momento do registro dos boletins de ocorrência e a dificuldade de preenchimento por parte de agentes de segurança pública.
A ausência de campo específico de identificação da violência sofrida e a produção de provas sobre a violência sofrida e interpretação da prova pelo poder judiciário completam os desafios enunciados pela gestora. Além disso, Macaé destacou a fragilidade das articulações entre as instituições do sistema de justiça com o possível protagonismo das defensorias públicas e violências sofridas pela população transexual no sistema prisional.
“Essa listagem deixa mais do que evidente a mudança que nós teremos no acesso à justiça para as pessoas LGBTQIA+. É fundamental a participação da população LGBTQIA+ na construção da política, porque nós sabemos que é nada sobre nós sem nós”, disse ao agradecer a participação dos representantes da sociedade civil que atuam em nome da população LGBTQIA+.
Após a formalização da assinatura, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, explica que o acordo vai uniformizar o formulário lançado pelo CNJ em 2022. “Além disso, ele pensa a sua aplicabilidade, a coleta desses dados e, sobretudo, o que a gente vai fazer com eles – que são os protocolos que nós estamos minutando e queremos socializar com todos esses órgãos”, detalhou Larrat.
Sistema de justiça
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o Formulário Rogéria padroniza as notificações com o objetivo de enfrentar um dos tipos de violência que mais envergonham o país.
Presente na cerimônia, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu que a iniciativa é fundamental para a pacificação do país e para a harmonização das relações sociais. Durante a solenidade, o secretário-geral do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Carlos Vinícius Alves Ribeiro, representou o presidente do colegiado, Paulo Gonet.
Justiça e Igualdade
Embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a cantora Daniela Mercury definiu o acordo como um marco na caminhada da população LGBTQIA+ por justiça e igualdade. “A assinatura desse acordo de cooperação é mais do que um ato formal: é um grito de resistência e um compromisso com a proteção da vida das pessoas LGBTQIA+”, declarou.
Em 2022, a cantora propôs ao Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário a criação do Formulário Rogéria. A proposta surgiu da necessidade urgente de se ter um instrumento que documente e classifique as denúncias de violência e discriminação contra a população LGBTQIA+. Na cerimônia, a militante defendeu dados concretos e transparentes para “uma atuação punitiva dos crimes que interrompam o ciclo da violência”.