O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na capital da Rússia nesta quarta-feira, 8, como um dos poucos chefes de Estado do mundo com presença confirmada na celebração do Dia da Vitória, que marca a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra. A visita tem um peso simbólico nas relações diplomáticas do Brasil com a Rússia e, de acordo com analistas, sinaliza a aproximação de Lula com o presidente russo Vladimir Putin.
Historicamente, Putin utiliza o Dia da Vitória para impulsionar o nacionalismo russo e projetar uma imagem de força para o mundo. Diversos chefes de Estado já participaram da celebração no passado, mas desde o começo da Guerra na Ucrânia, em 2022, a presença de lideranças internacionais se tornou menor. Este ano, presidentes de 18 países não considerados democracias estarão presentes na celebração do 80º aniversário do fim da guerra.
Putin usa evento para fazer propaganda do regime russo
Segundo o professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit, a presença de chefes de Estado nas celebrações é utilizada por Putin como demonstração de apoio internacional. Isso se tornou ainda mais forte depois da guerra na Ucrânia, quando as relações da Rússia com a União Europeia, os Estados Unidos e aliados ocidentais se deterioraram.
O principal chefe de Estado presente este ano será o ditador da China, Xi Jinping, que aumentou o laço com a Rússia depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, sobretudo como parceiro comercial. Depois da China, o Brasil é o país com a economia mais forte a confirmar presença.
Outros convidados são os líderes das antigas repúblicas soviéticas: Armênia, Azerbaijão, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Também confirmaram presença os líderes da Bósnia, Burkina Faso, Congo, Cuba, Egito, Guiné Equatorial, Etiópia, Guiné-Bissau, Laos, Mongólia, Mianmar, Palestina, Sérvia, Eslováquia, Venezuela, Vietnã e Zimbábue.
O único país da União Europeia a ser convidado foi a Eslováquia. Aleksandar Vucic, presidente da Sérvia, que busca entrar na UE, planejava ir, mas adoeceu durante uma viagem aos Estados Unidos e cancelou a viagem. No caso de Vucic, Bruxelas chegou a alertar que a visita violaria os critérios de adesão à UE e prejudicaria o país no processo de adesão. A UE rompeu relações com a Rússia depois da invasão da Ucrânia; o bloco tem sido um financiador das tropas ucranianas e forte crítico de Putin.
A expectativa da presença de chefes de Estado levou o principal conselheiro de política externa do Kremlin, Yuri Ushakov, a declarar que o evento terá “grande escala”. “Apesar da atitude hostil em relação à Rússia por parte de vários países ocidentais, estamos fazendo com muito sucesso um evento de grande escala”, disse à imprensa estatal russa.
“Lula auxilia Rússia na propaganda”
De acordo com Gunther Rudzit, o Brasil, ao confirmar presença, auxilia a Rússia a construir essa imagem. “Trata-se de uma chance para a Rússia demonstrar que não está isolada na diplomacia. A ida do Brasil para o evento este ano ajuda a reforçar essa ideia”, afirmou o professor da ESPM. Em contrapartida, os ganhos para o Brasil são incertos.
Para Rudzit, o Brasil não tem a ganhar com a ida de Lula à Rússia. Ao contrário, tem a perder: ao demonstrar proximidade com Putin, o brasileiro envia um recado negativo à União Europeia, que pode afetar o acordo comercial do bloco com o Mercosul. “É um acordo que se arrasta há muito tempo e que enfrenta oposição na Europa, principalmente da França. Uma imagem de Lula atrelada a Putin coloca isso sob risco”, declarou.
De acordo com o analista, esse risco é presente mesmo no momento em que a UE busca ampliar laços comerciais ante uma guerra comercial entre China e EUA, que desestabiliza as relações. “Putin é uma ameaça existencial para a Europa como conhecemos hoje. Se eles tiverem que preterir questões comerciais por existenciais, eles vão fazer”, disse Rudzit.
O professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Brites, discorda da ideia. Segundo ele, o acordo entre os blocos está avançado e a Europa deve priorizar os laços comerciais. “A visita pode gerar algum desgaste de imagem, mas não acredito que vá além disso neste momento em que a União Europeia busca diversificar laços”, declarou.
Brites acrescenta que a visita de Lula acontece no momento em que os Estados Unidos, que até então foram os principais parceiros da Ucrânia no conflito, retomaram os diálogos com a Rússia, sob a presidência de Donald Trump. “O Brasil se sentiu mais confiante de ter uma postura mais assertiva [de aproximação com Moscou]”, declarou.
Em contrapartida, afirma Pedro Brites, o país pode aprofundar os laços comerciais com Moscou e exercer protagonismo no Brics, bloco que preside este ano e que conta com a Rússia. “O Brasil tem chance de protagonismo no Brics mais do que em qualquer outro bloco que faça parte. Por isso, há uma aposta no bloco e fortalecer as relações com outros países do Brics é estratégico para o País se mostrar forte na diplomacia”, acrescentou.
Lula tem “chances nulas” de influenciar rumos da guerra
Os dois analistas concordam, no entanto, que a visita de Lula tem chances nulas de influenciar os rumos da guerra — um desejo enfatizado pelo presidente desde que voltou ao Planalto. Rudzit elenca duas razões para isso: o país não é visto por uma das partes do conflito, a Ucrânia, como imparcial; e não tem condições de exercer pressões econômicas ou políticas. Brites acrescenta que os interesses opostos de Rússia e Ucrânia dificultam qualquer mediação.
Para Rudzit, a visita acaba ainda por prejudicar a imagem da diplomacia do Brasil como um país atrelado à neutralidade. “Uma visita do Lula à Rússia durante uma guerra chancela todas as ações de Vladimir Putin na Ucrânia, desde a anexação da Crimeia em 2014 até hoje”, afirmou.