A audiência, realizada em Orlando, na Flórida, foi conduzida pelo juiz federal Gregory A. Presnell e tratou exclusivamente da organização processual da ação, que agora avança com etapas definidas.
O magistrado estabeleceu dois marcos importantes para o andamento do processo. O primeiro foi o início da fase de discovery – etapa do sistema americano equivalente à instrução no Brasil, em que as partes podem reunir documentos, trocar informações e colher depoimentos. O segundo foi a definição do cronograma para apresentação das chamadas dispositive motions – petições que pedem ao juiz que decida o caso com base nas provas já apresentadas, sem a necessidade de um julgamento completo.
Essas petições deverão ser protocoladas até agosto deste ano. Se, até lá, o juiz considerar que os fatos relevantes já estão esclarecidos e que não há divergência substancial entre as partes, ele poderá encerrar o processo por meio de uma decisão sumária.
No caso de Filipe Martins, isso poderia significar um reconhecimento formal, pela Justiça americana, de que houve erro grave no registro migratório. Uma decisão nesse sentido representaria uma comprovação oficial, por parte dos EUA, de que sua prisão no Brasil se baseou em dados falsos.
Durante a audiência, os réus – o Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) e a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) – informaram que devem apresentar declarações formais ao longo do processo. Essas declarações são documentos em que representantes das agências explicam por escrito os fatos e procedimentos relacionados ao caso.
O juiz indicou que, uma vez apresentadas as declarações, a defesa terá o direito de tomar os depoimentos de seus autores, incluindo representantes do DHS e do CBP. Esses depoimentos servirão para esclarecer o conteúdo das declarações, o contexto em que foram feitas e os fundamentos das informações prestadas.
Segundo a defesa, a procuradora responsável por representar as agências já sinalizou que vai produzir os documentos solicitados – o que, na prática, abrirá caminho para a coleta desses depoimentos dentro da fase de discovery.
Em julho de 2024, o próprio governo americano reconheceu oficialmente que Filipe Martins não ingressou nos Estados Unidos em dezembro de 2022, como indicava um registro equivocado usado na investigação brasileira.
A última entrada válida no país ocorreu em setembro daquele ano. Mesmo assim, o documento adulterado – com erros como grafia incorreta do nome, uso de passaporte cancelado e tipo de visto incompatível – foi utilizado para justificar sua prisão, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Fed
eral (STF).
O que está em jogo no processo movido por Filipe Martins nos EUA
A prisão de Filipe Martins no Brasil, em 2024, foi fundamentada na acusação de que ele teria tentado fugir do país, com base em um registro que indicava sua entrada nos Estados Unidos em dezembro de 2022. O documento apresentado nos autos trazia diversos erros, como o nome grafado como “Felipe” em vez de “Filipe”, uso de um passaporte cancelado e categoria de visto incompatível com a que ele utilizava.
Posteriormente, o próprio governo americano retificou a informação, reconhecendo que a última entrada válida de Filipe Martins em território dos EUA havia ocorrido em setembro de 2022. Mesmo assim, o registro incorreto foi utilizado como justificativa para prolongar a prisão preventiva no Brasil por mais de seis meses.
A Polícia Federal já monitorava a localização de Martins desde outubro de 2023, e seus dados de geolocalização estavam disponíveis para o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal – o que contradiz a narrativa de fuga.
Esse conjunto de informações levou os advogados de Martins a ingressarem com uma ação judicial nos Estados Unidos, solicitando a responsabilização dos órgãos americanos envolvidos no registro migratório adulterado. O processo tramita na Justiça Federal da Flórida e busca apurar como o documento falso surgiu, por que foi incluído nos sistemas oficiais e quem foi o responsável pela alteração.
A audiência desta quarta-feira marcou o início efetivo dessa investigação no âmbito judicial.