Uma ejeção de massa coronal do Sol pode causar tempestades geomagnéticas na Terra e danificar seriamente infraestrutura da internet. Este evento extremo também poderia prejudicar linhas de transmissão elétrica e satélites, mas os estragos nas comunicações, principalmente aos cabos submarinos, seriam bem mais graves.
Já se sabe há algum tempo que um evento desse tipo pode ameaçar satélites e equipamentos elétricos. A nova pesquisa — feita pela cientista Sangeetha Abdu Jyothi, da Universidade da Califórnia em Irvine, e apresentada na conferência SIGCOMM 2021 — olha com mais detalhes para os impactos na infraestrutura da internet.
Repetidores de cabos submarinos são o grande problema
Redes de distribuição local sofreriam no caso de uma tempestade solar desse tipo, já que elas usam em grande parte fibras óticas, que não são afetadas por perturbações no campo magnético. O problema maior estaria nos cabos submarinos, que conectam continentes e levam a maior parte dos dados. Portanto, mesmo que as redes locais permanecessem intactas ou com danos pequenos, países inteiros poderiam ficar desconectados da internet.
E o problema nem é com os cabos submarinos em si — eles também usam fibra ótica, afinal de contas. A questão é com os repetidores, aparelhos que ficam a cada 50 a 150 quilômetros de cabos e servem para amplificar o sinal e garantir que ele chegue ao seu destino.
Os componentes eletrônicos desses equipamentos são vulneráveis a perturbações nos campos magnéticos. Se eles falharem, os cabos se tornam inúteis.
O fato de estarem debaixo d’água não ajuda — pelo contrário, atrapalha, já que a água do mar é altamente condutiva, e uma perturbação no campo magnético geraria correntes elétricas. Aliás, essas correntes também afetariam os equipamentos que fornecem energia aos repetidores, causando uma sobrecarga e danificando esses amplificadores de sinal.
Um ponto importante é que essas estruturas são de difícil acesso. Mesmo os cabos submarinos são projetados para serem substituídos a cada 25 anos, dado o trabalho que é instalá-los no fundo do mar. Por isso, esses repetidores danificados poderiam levar dias ou mesmo semanas até serem substituídos. Como um evento desse tipo poderia também tirar satélites de funcionamento, várias regiões ficariam sem alternativa.
Brasil continuaria ligado à Europa, mas não aos EUA
Uma tempestade solar de grande magnitude faria algumas regiões sofrerem mais do que outras. Isso ocorre porque altas latitudes estão mais suscetíveis aos efeitos de uma perturbação no campo magnético, mesmo que ela seja de grau mais moderado. A pesquisa de Abdu Jyothi também leva isso em consideração.
O trabalho descobriu que a Ásia pode ser menos afetada em um episódio desse tipo, já que Singapura atua como um hub para as redes de lá e tem uma localização próxima à linha do equador.
Por outro lado, regiões com maior concentração de equipamentos ficam em latitudes mais altas, e há uma grande chance de os EUA ficarem desconectados da Europa. Já as conexões dentro Velho Continente devem passar sem maiores danos. A Austrália e ilhas como a Nova Zelândia e o Havaí poderiam perder grande parte de suas conexões de longa distância.
Abdu Jyothi também descreveu o que pode acontecer com o Brasil em uma situação extrema:
“De maneira interessante, mesmo com grandes falhas, o Brasil manteria sua conectividade com a Europa e com outras partes da América do Sul, como a Argentina. Entretanto, perderia sua conectividade com a América do Norte. É interessante também notar que os EUA perderiam sua conectividade com a Europa neste cenário, mas o Brasil não. Isso acontece porque o cabo Ellalink, que conecta o Brasil a Portugal, tem 6.200 km, enquanto o cabo conectando a Flórida a Portugal é muito mais longo, com 9.833 km.”
Mesmo assim, ninguém estaria 100% a salvo, já que sistemas de roteamento provavelmente ficariam sobrecarregados. Os servidores de DNS, por serem altamente distribuídos no planeta, estão menos vulneráveis. É um caso parecido com os data centers do Google, que são menos suscetíveis que os do Facebook por mais espalhados geograficamente.
Outras ejeções de massa coronal já atingiram a Terra
Ejeção de massa coronal é o nome dado a grandes erupções de gás ionizado do Sol. Esse material passa a fazer parte do vento solar e, ao atingir o campo magnético terrestre, pode provocar tempestades geomagnéticas, perturbações momentâneas nessa parte do nosso planeta. Isso, por sua vez, causaria correntes elétricas induzidas por geomagnetismo, causando danos à rede elétrica.
Uma dificuldade para prever o que aconteceria em casos assim é que há poucos dados, já que eventos desse tipo são raros. Mesmo assim, há alguns registros deles.
Um dos casos mais exemplares foi o chamado Evento Carrington, em 1859. Na ocasião, bússolas ficaram malucas, telégrafos pararam de funcionar e até mesmo auroras foram vistas em regiões próximas à linha do equador. Em 1921, outra tempestade causou apagões e danos aos telégrafos.
Um evento recente com danos menores ocorreu em 1989, quando causou apagões nos EUA e no Canadá. Em 2012, uma tempestade solar poderia ter atingido a Terra, mas não acertou nosso planeta por uma diferença de apenas nove dias.
A probabilidade de um evento desse tipo atingir a Terra é de 1,6% a 12% por década, de acordo com a pesquisa de Abdu Jyothi. Nos últimos 30 anos, houve uma queda na atividade solar, que coincidiu com o desenvolvimento tecnológico no planeta. No futuro próximo, porém, a tendência é que a estrela fique mais ativa, aumentando também as chances de uma nova tempestade.
Dada a raridade desses eventos, eles não são tão prioritários na hora de pensar em mitigar riscos. Como explica Thomas Overbye, da Texas A&M University, à revista Wired, os operadores de redes elétricas estão mais atentos a isso nos últimos dez anos. Mesmo assim, eventos climáticos extremos e ciberataques estão acima na lista de problemas a serem combatidos.
Com informações de Wired via Ars Technica.