“Minha mãe tem 74 anos, está muito debilitada e tem usado cadeira de rodas para se locomover na prisão”, lamenta a produtora rural Paula Guardia Felipi, ao afirmar que Vildete da Silva Guardia emagreceu durante os nove meses no presídio e está pesando cerca de 40kg. Além disso, “sofre com diversos problemas de saúde, e não está recebendo o atendimento que precisa”, alerta. “Estão matando a minha mãe.”
A septuagenária está presa na Penitenciária Feminina de Santana, em São Paulo, desde 6 junho de 2024, quando cerca de 200 envolvidos nos atos de 8 de janeiro que cumpriam medidas cautelares foram levados de suas casas para o cárcere. A alegação foi “suposto risco de fuga”, já que outros envolvidos no 8/1 haviam saído do país.
Vildete, no entanto, estava em sua residência na cidade de Santo André (SP), onde realizava acompanhamento médico com diversos especialistas e se recuperava de uma cirurgia para retirada de um tumor. “Ela também teve trombose”, relata a filha, que viu a idosa ser levada ao presídio mesmo assim e mantida no cárcere até hoje, apesar de sua condição de saúde.
“Ela sente muitas dores e precisa de acompanhamento médico especializado”, afirma Paula, ao citar que a falta das sessões de fisioterapia, por exemplo, fez com que Vildete perdesse a pouca mobilidade que ainda possuía nas pernas. “Agora está na cadeira de rodas.”
Segundo o advogado de defesa, Jaysson Mineiro de Franca, três pedidos de prisão domiciliar já foram realizados com laudos particulares de saúde que apontam comorbidades como retocolite — que gera sangue nas fezes —, cisto renal, trombose venosa, osteoporose, bronquite asmática e transtorno depressivo. No último, de 19 de fevereiro de 2025, a defesa informou que o estado da idosa era “gravíssimo”, com a mobilidade prejudicada, necessitando do uso de um andador na prisão. No entanto, todos os pedidos foram negados pelo ministro Alexandre de Moraes.
Além disso, a defesa comunica que já solicitou laudo médico da penitenciária para mostrar ao ministro a situação atual da idosa, mas não foi atendido. “Até fui a São Paulo, no presídio, para tentar pessoalmente”, diz o advogado de Brasília, ao alertar que “dona Vildete está muito ruim” e que a situação dela é “deplorável e absurda”.
Procurada, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) enviou uma nota dizendo que Vildete “tem quadro de saúde estável, não necessita de ajuda de terceiros e realiza suas atividades normalmente”. A instituição afirmou ainda que ela estaria recebendo apoio médico e fazendo exames, o que a defesa contesta. “A defesa repudia veementemente as informações divulgadas”, rebateu o advogado da idosa reiterando que ela não tem recebido tratamento médico e psicológico adequado.
Lei estabelece prisão domiciliar para pessoas acima de 70 anos ou com comorbidades
De acordo com o jurista Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado, casos como o de Vildete seriam facilmente indicados para prisão domiciliar devido à idade e às comorbidades. Segundo ele, o artigo 117 da Lei de Execuções Penais concede esse benefício a pessoas com mais de 70 anos ou que apresentem doença grave que estejam cumprindo pena em regime aberto.
Chemim cita ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já admitiu a mesma concessão para presos em regime fechado, contanto que as condenações não envolvam crimes com violência.
No entanto, explica que esse parece ser o ponto em discussão no caso da moradora de Santo André, já que a idosa foi condenada a todos os crimes imputados aos participantes no 8 de janeiro, e esses crimes envolvem atos violentos.
“Ainda que ela não tenha agido com violência, o ministro Alexandre de Moraes considerou que ela aderiu à violência”, explica o jurista, em referência, por exemplo, ao crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Vildete foi condenada a 11 anos e 11 meses, sem provas
Além desse crime, a idosa foi condenada por golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. “Mas não carregava nada e não há provas individualizadas contra ela, apenas uma condenação genérica”, aponta o advogado Jaysson Mineiro de Franca.
De acordo ele, Vildete estava em frente ao Palácio do Planalto com uma amiga no momento em que o helicóptero da polícia começou a atirar bombas de efeito moral.
“Ambas assustadas correram para dentro do prédio na intenção de se proteger”, relata o advogado, ao afirmar que Vildete foi condenada à pena de 11 anos e 11 meses, além da exigência de pagamento indenizatório de R$ 30 milhões a ser dividido entre os demais envolvidos no 8/1. A amiga que a acompanhava, também idosa, foi condenada a 14 anos.
Uma das alegações da defesa de Vildete no processo foi a inexistência de individualização de conduta, já que “a denúncia é genérica, as testemunhas não reconheceram a acusada e não há provas concretas que vinculem Vildete Ferreira da Silva Guardia à autoria ou participação nos crimes”, afirmou o advogado, quando pediu absolvição da mulher.
“A denúncia é genérica, as testemunhas não reconheceram a acusada e não há provas concretas que vinculem Vildete Ferreira da Silva Guardia à autoria ou participação nos crimes.”Jaysson Mineiro de Franca, advogado de defesa
O ministro Alexandre de Moraes, porém, negou esse argumento em seu voto, afirmando que, no entendimento da Procuradoria-Geral da República (PGR), o caso envolve “crimes multitudinários” em que “um agente exerce influência sobre o outro, a ponto de motivar ações por imitação ou sugestão”, gerando “vínculo subjetivo” (imagem abaixo).
Vildete entrou no prédio para se proteger e bateu fotos do local já vandalizado
As ações de Vildete apresentadas na denúncia, entretanto, se resumem a registros fotográficos que ela fez no gramado da Praça dos Três Poderes e no interior do prédio já depredado (imagem abaixo/voto de Alexandre de Moraes). Ela foi presa no dia 8 de janeiro dentro do Palácio do Planalto.
Além das fotos, são apresentadas três imagens, caracterizadas como “mídias de teor golpista”, encontradas em seu celular. Entre as artes está a divulgação de um ônibus que sairia de São Paulo para Brasília no dia 6 de janeiro de 2023, uma imagem convocando greve geral, e outra se referindo aos atos de 7 e 8 de janeiro como “tomada de poder pelo próprio povo” (imagens abaixo/voto de Alexandre de Moraes).
A partir dessas imagens, a PGR e o ministro Alexandre de Moraes entenderam que Vildete “integrava grupo que buscava, em claro atentado à Democracia e ao Estado de Direito, a realização de um golpe de Estado” que “invadiu os prédios públicos na Praça dos Três Poderes, com emprego de violência ou grave ameaça”.
O voto de Moraes também cita o depoimento da idosa (imagem abaixo), no qual ela informa que entrou no prédio para se abrigar das bombas jogadas pelo helicóptero e para “sentar um pouco, pois estava com dor”. A mulher relatou ainda que sua intenção era “participar de uma manifestação” para “solicitar o código-fonte das eleições”, pois tinha medo de o Brasil “virar uma Venezuela”.
Vildete afirmou também que “não quebrou nada”, mas se manifestou “sem violência, dano ou ameaça”, até porque uma idosa “não tem força para causar dano” e porque ela estava operada do tendão do ombro direito e com problemas de dores nas costas”.
Vildete disse em depoimento que seu intuito era participar de uma manifestação
A mulher foi presa no dia 8 de janeiro e passou 21 dias na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia. De acordo com sua filha Paula Guardia Felipi, a idosa foi liberada na época porque teve uma crise muito forte devido ao problema no intestino.
“Ela estava defecando sangue”, lembra a filha , ao clamar pela liberdade da mãe, que completará 10 meses de prisão neste domingo (6), data da manifestação nacional em prol da anistia na Avenida Paulista, em São Paulo.
“É uma injustiça o que estão fazendo com a minha mãe”, afirma, ao pedir que deputados e senadores lutem pela anistia para que dona Vildete e os demais presos pelo 8 de janeiro voltem para casa. “Afinal, cada minuto para nós é precioso”, finaliza, emocionada.