O vírus da influenza (gripe) aviária de alta patogenicidade (IAAP/H5N1), que ameaça a avicultura e a saúde humana, chegou às praias do Sul do país. Ele causa a maior mortalidade de leões e lobos-marinhos já registrada no Brasil. De 1º de outubro até ontem, 548 animais mortos haviam sido contados por cientistas no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
O Ministério da Agricultura e Pecuária, que coordena as ações contra a gripe aviária, diz que estão sendo adotadas medidas de biossegurança em granjas comerciais e feita vigilância sanitária, com investigação de novos casos em aves e outros animais.
A estratégia é identificar e enterrar rapidamente os corpos dos animais mortos. O ministério contabiliza, desde 15 de maio, 134 focos da influenza H5N1 em animais domésticos e silvestres. Mas cada um desses focos reúne um ou mais casos.
A devastação impressiona especialistas em pinípedes (grupo de animais que inclui os lobos e leões-marinhos). Estudiosa dessas espécies há três décadas, Larissa de Oliveira, professora do Laboratório de Ecologia de Mamíferos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), destaca que a população estimada no Brasil em colônias em terra é de entre 500 e 800 animais. Na conta, não entram os que ficam no mar.
— Nunca pensamos em ver algo assim, uma devastação. Os lobos e leões têm se mostrado extremamente suscetíveis, e é importante conter o vírus. A população precisa saber como proceder — afirma ela.
Mantenha distância
Os especialistas e autoridades sanitárias orientam a população a não se aproximar e muito menos tocar em qualquer animal marinho, morto ou vivo, com ou sem sintomas de doença. Também pedem à população para evitar que cães e outros animais domésticos se aproximem de aves, lobos e leões-marinhos já que podem ser, potencialmente, infectados.
Outra orientação, enfatiza Jeferson Pires, coordenador do Centro de Recuperação de Animais Silvestres da Estácio Vargem Pequena, no Rio de Janeiro, é informar imediatamente qualquer caso suspeito às autoridades de saúde animal.
— Em qualquer lugar do país, ao se encontrar um animal com sintomas de doença, não se deve tentar resgatá-lo, mas chamar o serviço veterinário oficial — recomenda Pires.
Oliveira e outros especialistas pedem especial atenção com os cães, principalmente os que andam soltos nas praias.
— Eles remexem os animais mortos e doentes e podem levar o vírus para as cidades. É um risco para eles, para as pessoas e para outros animais — frisa Oliveira.
O H5N1 é uma sentença de morte para aves de importância comercial, como as galinhas. A taxa de letalidade alcança 100%, dependendo da carga viral, explica a professora da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Helena Lage Ferreira.
Em seres humanos, a letalidade é alta, chega a 18%. Mas a taxa de transmissão é baixa, já que não existe até o momento contágio de uma pessoa para outra. A contaminação só acontece por contato direto com animais mortos ou doentes.
Ferreira observa que desde o fim de 2020, quando o vírus sofreu uma mudança considerada significativa, foram registrados 11 casos em humanos no mundo, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês).
Entre animais a história é outra. Além de dezenas de espécies de aves — de galinhas a gaivotas, gaviões e corujas — o vírus já foi encontrado em 26 espécies de mamíferos, incluindo cães, golfinhos, ursos, gatos, leopardos, furões, onças e raposas. As aves migratórias, porém, são as principais transmissoras e reservatórios naturais do H5N1.
A oceanóloga Paula Canabarro, coordenadora do Centro de Recuperação de Animais Marinhos da Universidade Federal do Rio Grande (Cram-Furg), salienta que a maioria dos lobos e leões-marinhos encalha já morta nas praias. Poucos encalham doentes. Estes rapidamente morrem.
Ninguém sabe, porém, qual o tempo de doença nos lobos e leões-marinhos. Possivelmente foram infectados pelo contato próximo com aves marinhas.
Nas praias, têm sido encontrados animais com tremores, convulsões e que parecem desorientados. Em leões-marinhos-da-Patagônia e nos lobos-marinhos-sul-americanos, assim como em seres humanos, o H5N1 causa graves sintomas respiratórios e neurológicos.
A orientação é a eutanásia dos animais doentes. Tanto para aliviar o sofrimento dos animais quanto para evitar que o vírus se espalhe.
— O objetivo é controlar o H5N1. Mas nos preocupamos muito com o sofrimento desses lobos e leões-marinhos. São vítimas, passam por uma agonia terrível e não existe tratamento ou cura — frisa Canabarro.
Os corpos são rapidamente enterrados na praia a pelo menos dois metros de profundidade, para evitar que aves marinhas, ratos e até tatus possam comer as carcaças e, potencialmente, espalhar o vírus.
O H5N1 tem se propagado com velocidade que espanta os cientistas pelas colônias de leões e lobos-marinhos da América do Sul. Circula no Brasil desde 15 de maio, em aves domésticas e silvestres. Podem entrar diversas vezes. Só os EUA contam sete introduções desde 2021.
Uma hipótese é que os mamíferos marinhos podem ter sido infectados em outra onda de introdução do vírus, iniciada no Peru. Nesse país e no Chile, banhados pelo Pacífico, mais de 15 mil leões e lobos-marinhos morreram de influenza das aves.
O primeiro animal doente
Uma equipe do Cram resgatou o primeiro animal doente no Brasil, um leão-marinho-da-Patagônia, em 30 de setembro, na Praia do Cassino, no Rio Grande do Sul. O animal morreu logo depois e foi detectado o H5N1, conta Canabarro. A partir daí, leões e lobos-marinhos mortos ou doentes têm encalhado em praias do Rio Grande do Sul e, em menor escala, de Santa Catarina, em Garopaba.
Já se reconhece que os pinípedes são altamente suscetíveis. Mas o que não se sabe é se isso é um sinal de que o vírus se tornou mais adaptado aos mamíferos.
O Ministério da Agricultura informou em nota que a estratégia de contenção da doença atualmente não envolve a vacinação das aves e que “a vacinação voluntária contra a influenza aviária para qualquer espécie continua proibida no Brasil”.
Ferreira explica que a vacinação só deve ser feita para controlar surtos comerciais. Na ausência deles, a imunização dificultaria a detecção de casos positivos. Não há vacinas para seres humanos, mas ela poderia ser produzida em caso de necessidade. Para os animais, diz Pires, não há opção.
— É fundamental neste momento manter a população muito bem informada, fazer vigilância, inclusive genômica, entender como ele se propaga e causa doença. Manter o vírus sob o tapete não é uma opção — afirma Ferreira.