Vítimas do golpe de pastores que prometiam investimentos com lucros exorbitantes, indo até a casa do “octilhão”, receberam um manual ensinando a como gastar a prometida fortuna, mostra documento obitido pelo GLOBO. Nesta quarta-feira, a Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a Operação Falso Profeta, mirando a organização criminosa responsável pelo esquema, que lesou 50 mil pessoas, no Brasil e exterior.
Batizado de “Manual de utilização dos recursos provenientes das operações”, o documento afirma que quem violar suas normas poderá ter os recursos milionários inexistentes bloqueados. Entre os gastos proibidos estão bares, dança de mesa, casas de apostas, álcool, enervantes, pedofilia e prostituição, bem como tráfico de imigrantes.
O dinheiro pode ser usado na aquisição de alguns bens, mas com limitações. A compra de imóveis, por exemplo, não pode exceder os US$ 20 milhões, o equivalente a R$ 98 milhões. Joias e relógios acima de US$ 100 mil (R$ 492 mil) por unidade também são proibidos. A compra de carros também sofre de limitação semelhante: apenas US$ 1 milhão (R$ 4,9 milhão) por veículo. Os gastos com roupas e comida, por sua vez, limitam-se a US$ 5 mil (R$ 24,6 mil) e US$ 200 mil (R$ 984 mil), respectivamente.
A compra de aviões e barcos, no entanto, não encontra as mesmas imposições, de acordo com o documento. Veja abaixo uma tabela que resume o contéudo do manual:
O manual também dá outras orientações quanto a compra de alguns bens e cita os documentos necessários para fechar os negócios, como comprovantes de residência, contratos e recibos.
Entenda o caso
Os integrantes de uma quadrilha alvo da Operação Falso Profeta, deflagrada nesta quarta-feira pela Polícia Civil do Distrito Federal, convenciam as vítimas a investir por meio de conversas enganosas nas redes sociais (Youtube, Telegram, Instagram, Whatsapp, etc.) “abusando da fé alheia, da crença religiosa e invocando de uma teoria conspiratória apelidada de ‘Nesara Gesara'”. Trata-se de uma suposta alteração na economia global em que seria possível ganhar muito, investindo pouco.
O esquema teria feito mais de 50 mil vítimas em quase todo o país. Segundo a polícia, a maioria delas era evangélica e era levada a investir economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias. Em troca, receberiam “retorno financeiro imediato”, com “rentabilidade estratosférica”.
As investigações apontam que as vítimas, no Brasil e no exterior, foram induzidas a investir dinheiro com a promessa de receberem, de volta, no futuro, valores milionários. A polícia apurou, por exemplo, que os criminosos prometiam o retorno de “um octilhão de reais” se a pessoa fizesse apenas um depósito de apenas R$ 25. Outras vítimas foram levadas a crer que ganhariam “350 bilhões de centilhões de euros” se concluíssem um aporte de R$ 2 mil.
A investigação começou há um ano. Segundo a Polícia Civil do DF, o grupo é composto por cerca de 200 integrantes, incluindo dezenas de lideranças evangélicas intitulados pastores. Os religiosos são acusados de induzir as vítimas ao erro — normalmente, fiéis que frequentam suas igrejas e que eram levados a acreditar que eram escolhidos por Deus para receber a “benção”, isto é, quantias milionárias.
Empresas fantasmas e ‘falsos bancos’
Os investigadores destacaram que o grupo mantinha empresas “fantasmas” e de fachada que simulavam ser instituições financeiras digitais (falsos bancos), com alto capital declarado. As vítimas eram enganadas que receberiam o dinheiro por meio dessas instituições.
Para dar uma aparência de legalidade à operações, o grupo fazia contratos falsos com as vítimas, nos quais prometiam a liberação de “quantias surreais provenientes de inexistentes títulos de investimento”. O grupo afirmava que tais títulos estavam registrados no Banco Central do Brasil (Bacen) e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
De acordo com a PCDF, o grupo movimentou mais de R$ 156 milhões nos últimos cinco anos e utilizou cerca de quarenta empresas “fantasmas” e de fachada e mais de oitocentas contas bancárias suspeitas para forjar o esquema.
Agentes da Polícia Civil do Distrito Federal cumpriram, na manhã desta quarta, dois mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão contra integrantes da organização, suspeita de praticar estelionato e outros crimes no DF e em quase todas as unidades da federação. De acordo com os investigadores, o golpe pode ser considerado um dos maiores já apurados no país.
As buscas foram feitas em endereços do DF e de quatro estados –Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo. A Justiça também autorizou o bloqueio de valores, redes sociais e a proibição do uso de mídias digitais por parte dos suspeitos. Segundo o “Metrópoles”, um dos alvos foi Osório José Lopes Júnior, apontado como líder do grupo e que é considerado foragido. Ele se apresenta nas redes sociais como pastor. Osório foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo e de Goiás, no ano passado.
Os suspeitos são acusados de formar uma “rede criminosa organizada, estruturalmente ordenada, hierarquizada e caracterizada pela divisão de tarefas, especializada no cometimento de diversos crimes como falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e estelionatos por meio de redes sociais (fraude eletrônica)”. O objetivo dos golpistas, segundo a polícia, seria obter vantagem econômica às custas das vítimas.
Em dezembro, a polícia chegou a prender em Brasília um dos suspeitos de envolvimento no esquema. Na ocasião, ele usou um documento falso numa agência bancária para simular ter um crédito de cerca de R$ 17 bilhões. Preso em flagrante, Paulo Roberto Salomão foi descrito pelos investigadores como “o principal influenciador digital” da quadrilha. O grupo continuou a aplicar golpes mesmo após essa detenção.
“Os alvos poderão responder, a depender de sua participação no esquema, pelo cometimento dos delitos de estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e organização criminosa”, afirmou a PCDF, em nota.