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GESTÃO SUPREMA: Mais imposto à vista? STF analisa cobrança de IR sobre herança em vida

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Quem tem patrimônio para deixar ou receber como herança precisa ficar atento. Está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) o mérito da cobrança ou não de Imposto de Renda em casos de antecipação de legítima — ou seja, a doação de bens aos herdeiros necessários (como filhos e cônjuges) ainda durante a vida do doador.

A cobrança do IR sobre os ganhos de capital dos bens doados ainda em vida tem sido questionada nos tribunais superiores. A falta de uma jurisprudência tem multiplicado essas ações.

A decisão do Supremo, ainda sem data para ser concluída, afetará as decisões de todas as Cortes no país, já que em 25 de abril o Tribunal admitiu a repercussão geral do caso. O relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, defendeu que sua relevância jurídica, econômica e social justifica a necessidade da repercussão geral.

Essa não é a primeira vez que o Supremo julga casos como este, tendo, em seu histórico, decisões que favorecem tanto os contribuintes quanto a Fazenda Nacional.

Mateus Nicacio, especialista em Direito Tributário e sócio do Chinaglia Nicacio Advogados, avalia que, embora a análise mais recente sobre o tema pelo Supremo tenha afastado a incidência do IRPF, o entendimento ainda não é pacífico.

Já o especialista em Direito Tributário e advogado do escritório Bento Muniz Advocacia, Leandro Alves, entende que há uma boa boa expectativa de êxito para os contribuintes.

Sua avaliação se baseia na decisão da Corte segundo a qual a doação antecipada a herdeiro não caracteriza uma aquisição, disponibilidade de renda ou acréscimo patrimonial, mas, sim, uma redução de patrimônio.

Na semana passada em que o STF decidiu que o caso terá repercussão geral quando for julgado, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2) autorizou a cobrança do IR sobre o ganho de capital na atualização do valor de bens transferidos por herança. A decisão acendeu um alerta entre consultores em planejamento patrimonial.

De acordo com o especialista em planejamento sucessório e proteção patrimonial Luiz Felipe Baggio, diretor-geral de operações da Evoinc, a decisão do TRF2 abre a possibilidade de bitributação e impõe obstáculos significativos à sucessão empresarial no país.

“Aumenta o custo da transmissão patrimonial e pode comprometer a liquidez do espólio, forçando a venda de ativos estratégicos ou dificultando a continuidade dos negócios familiares”, afirmou.

No caso de uma decisão do Supremo nessa direção, Leandro Alves afirma que poderá impactar aqueles que já fizeram planejamentos sucessórios, a depender da existência ou não de restrições para aqueles que ainda não tinham ação ajuizada quando do julgamento, por exemplo, entre outros critérios que possam ser estabelecidos.

Contribuintes acusam bitributação sobre heranças

De um lado, os contribuintes defendem que não deve haver tributação do IR. O argumento é de que a cobrança implicaria em bitributação, uma vez que nas doações já incide o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um tributo estadual.

A cobrança do ITCMD, incluindo a determinação do valor da alíquota, é estabelecida por cada estado da federação.

Outro ponto defendido pelos contribuintes é que, como quem doa está se desfazendo do bem, não há acréscimo patrimonial, mas decréscimo, o que inviabilizaria a incidência do IR.

A Fazenda Nacional, por outro lado, parte do entendimento de que deve haver a cobrança do IR sobre o ganho de capital — a diferença entre o valor de compra, declarado no Imposto de Renda, e o valor atualizado, de mercado, do bem que é objeto da doação, seja um imóvel, sejam ações ou outros ativos. Esse foi o entendimento que prevaleceu na decisão do TRF2.

Supremo ainda sem consenso sobre IR em heranças

Atualmente, não há jurisprudência consolidada quanto à prática no Judiciário. Em outubro do ano passado, no julgamento do RE 1.439.539, de relatoria do ministro Flávio Dino, o STF afastou a incidência do IRPF sobre adiantamento de legítima.

No entanto, anteriormente, em agosto de 2023, no julgamento do RE 1.437.588, de relatoria do ministro Luiz Fux, o Supremo havia autorizado a cobrança do IR, entendendo que, na transmissão sucessória, há fatos geradores distintos que permitem a incidência tanto do ITCMD quanto do IRPF.

Em sua decisão sobre a repercussão geral do caso, o próprio ministro Gilmar Mendes afirmou que há divergências entre as decisões da Corte a respeito desse tema.

Diante desse cenário, Mateus Nicacio avalia que não é possível indicar uma tendência clara quanto ao desfecho do julgamento, principalmente por considerar que o “tema envolve impactos relevantes para a arrecadação federal”.

Recurso da PGFN reacende insegurança jurídica

O julgamento atualmente em curso no STF foi derivado de um recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, que afastou a incidência do IR sobre o ganho de capital no momento da doação.

Gilmar Mendes, em seu voto, referiu-se a decisões do Supremo que embasam ambas as teses. Em favor do argumento da PGFN, o magistrado citou que não há inconstitucionalidade na cobrança do IR, pois a lei ordinária que determina a aplicação do imposto não teria criado novo fato gerador do IRPF, mas apenas explicitado o “momento de apuração do acréscimo patrimonial”.

O ministro ainda mencionou que a “Corte também tem decidido no sentido de que, na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível para incidência do Imposto de Renda” e que as normas que exigem cobrança do IR “sobre a diferença entre o valor de mercado do bem e o declarado para o Fisco federal configuram inválida bitributação”.

Especialistas avaliam legalidade de tributação sobre ganhos de capital

A consultora especialista em assuntos regulatórios da Contabilizei, Juliana Ribas, diz que a regra geral disposta na legislação do Imposto de Renda prevê a cobrança sobre os ganhos de capital.

As normas estão concentradas no artigo n.º 130 do Decreto 9.580/2018, que estabelece que os bens e direitos transferidos por herança, legado ou doação são isentos de IR, desde que seu valor mantenha-se o mesmo declarado pelo doador. Assim, no caso da atualização para o valor de mercado, há a incidência de IR.

João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), afirma que, por outro lado, o ITCMD não incide sobre os ganhos de capital na transferência de legítima. Dessa forma, a cobrança de IR não configuraria bitributação.

Ele ainda comenta que, de acordo com o artigo 16 da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.585/2015, “a transferência de bens e direitos a título gratuito sujeita o alienante à apuração de ganho de capital”.

“Ou seja, a Receita Federal considera a doação como alienação para fins de ganho de capital. Portanto, o doador precisa calcular se houve ganho entre o valor pelo qual ele adquiriu o bem e o valor pelo qual ele está doando”, afirmou, acrescentando que, nos casos em que há ganho de capital, a cobrança de IR está dentro das normas.

Projeto sobre grandes rendas pode aliviar heranças de IR

Atualmente, está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei, de autoria do governo, que visa isentar os contribuintes que ganham até R$ 5 mil do IR, além de cobrar imposto mínimo sobre grandes rendas.

Em seu artigo 16-A, parágrafo 1.º, a proposta estabelece que, para rendas superiores a R$ 600 mil, serão “considerados todos os rendimentos recebidos no ano-calendário, inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida, deduzindo-se, exclusivamente:

III – os valores recebidos por doação em adiantamento da legítima ou herança”.

Ou seja, o artigo descarta a cobrança de IR no caso de adiantamento de herança. A proposta ainda está sendo analisada pela Câmara, com relatoria do ex-presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). Assim como o relator, o atual presidente, deputado Hugo Motta, já avisou ao governo que haverá mudanças no projeto.

Resta saber se o Supremo irá na direção da proposta do governo ou não, e como a Câmara reagirá diante da nova decisão da Corte.

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