A notícia de que a oposição estava próxima de conseguir (como de fato conseguiu) assinaturas suficientes para que o projeto de lei da anistia aos réus e condenados do 8 de janeiro tramite em regime de urgência elevou a temperatura em Brasília. As forças contrárias ao projeto intensificaram seus movimentos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que se elegeu prometendo ao governo que enterraria a anistia, e prometendo à oposição que a colocaria em pauta, escolheu seu lado: primeiro, pediu aos líderes partidários que não assinassem a urgência; depois, cancelou reuniões e esvaziou o plenário nesta Semana Santa. Mas outra frente de oposição à anistia é bastante emblemática, revelando o atual grau avançado de degradação institucional do país.
A colunista Bela Megale, do jornal O Globo, apurou que ministros do Supremo Tribunal Federal enviaram recados a integrantes do governo federal, pois estão insatisfeitos com o fato de haver deputados da base governista entre os signatários do requerimento de urgência do projeto. A mesma colunista já havia divulgado que ministros do STF procuraram o próprio presidente Lula para manifestar desagrado com declarações da ministra Gleisi Hoffmann, para quem o governo aceitaria discutir com o Congresso uma anistia em alguns casos, mas não todos – Gleisi recuou logo na sequência. Em outro episódio, no último dia 10, a jornalista Eliane Cantanhêde leu ao vivo, durante um programa da GloboNews, mensagens enviadas a ela por um ministro do Supremo, pedindo-lhe que fizesse no ar algumas perguntas retóricas aos deputados favoráveis à anistia.
Ministros do STF trabalham ativamente para torpedear um projeto de lei que tramita no Poder Legislativo. O nome disso é atuação político-partidária
Em outras palavras, há ministros do Supremo Tribunal Federal trabalhando ativamente – e em parceria com o governo federal – para torpedear um projeto de lei que tramita no Poder Legislativo e que contraria os interesses desses ministros. O nome disso é atuação político-partidária. É o tipo de atitude vetado pelo artigo 95 da Constituição e que poderia levar um magistrado a perder o cargo, segundo o artigo 26 da Lei Orgânica da Magistratura; no entanto, como o STF não se sujeita ao Conselho Nacional de Justiça, qualquer punição a um ministro que articula oposição a um projeto de lei, ou manda recadinhos contrários a esse projeto pela imprensa, teria de vir dos próprios pares de STF, o que é improvável. Mas também a Lei do Impeachment (1.079/50) elenca, no artigo 39, a atividade político-partidária como um crime de responsabilidade quando cometido por ministros do Supremo, e neste caso o julgamento caberia ao Senado Federal – que, infelizmente, manterá com Davi Alcolumbre (União-AP) a mesma inércia que marcou a gestão de Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
Difícil dizer o que surpreende mais: que a cúpula do Poder Judiciário tenha assumido de vez um caráter político, totalmente oposto ao seu papel e sem o mandato popular para fazer nada semelhante; ou que jornalistas e formadores de opinião tenham naturalizado essa atuação política do STF a ponto de narrar tais interferências como algo corriqueiro, sem nem sequer explicar que se trata de uma irregularidade proibida por lei, e até mesmo de aceitar o papel de “garoto de recados” de ministros interessados em fazer tais pressões políticas. Esse tipo de comportamento, que viola um pilar da democracia, a separação de poderes, é algo que a imprensa deveria estar denunciando, em vez de naturalizar ou colaborar com ele.
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A pressão do STF para barrar a lei da anistia tem precedentes: em 2021, quatro ministros do Supremo (dois dos quais também integrantes do Tribunal Superior Eleitoral à época) se encontraram com líderes partidários em meio a articulações para a PEC do Voto Impresso, que acabaria fracassando no Congresso. Como o episódio não despertou o necessário repúdio nem dos próprios parlamentares, nem da opinião pública, os ministros sentiram-se cada vez mais livres para continuar interferindo politicamente em assuntos de interesse nacional, até chegar ao ponto de articular livremente contra projetos de lei sem pudor nenhum, assumindo abertamente seu “poder político”, nas palavras de Luís Roberto Barroso.
Trabalhar politicamente para interferir no funcionamento de outro poder, pressionando parlamentares para que engavetem um projeto de lei, é atividade que compromete seriamente a independência e a imparcialidade necessárias a qualquer bom magistrado, desde o juiz de primeira instância até o ministro do STF. Sejam quem forem, esses ministros – já que eles nunca são identificados – estão abusando do seu cargo, transformando-o no que ele não é. Um membro do Supremo que parta para a articulação política direta é uma disfuncionalidade gravíssima, que não há como aceitar sob pena de colaborar com o desmonte da democracia brasileira.
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