Presente nos planos do presidente americano Donald Trump desde seu primeiro mandato, a proposta de retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi incluída nas ordens executivas assinadas pelo republicano nesta segunda-feira, 20, assim que ele assumiu o cargo. Nesta terça-feira, 21, a entidade se manifestou lamentando a decisão e fez um pedido para que o país reconsidere a medida “em benefício da saúde e do bem-estar de milhões de pessoas ao redor do mundo”. Para especialistas ouvidos por VEJA, além das questões de financiamento, a saída pode impactar a saúde global e aumentar vulnerabilidades sanitárias em meio à circulação de antigos e novos patógenos, inclusive com potencial pandêmico.
Em nota compartilhada pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a entidade afirmou que os Estados Unidos atuaram como membro fundador da instituição em 1948 e, desde então, tiveram participação em ações para combater ameaças à saúde ao lado de outros 193 Estados-membros.
“Esperamos que os Estados Unidos reconsiderem e estamos ansiosos para nos envolver em um diálogo construtivo para manter a parceria entre os EUA e a OMS, em benefício da saúde e do bem-estar de milhões de pessoas ao redor do mundo”, diz trecho da nota.
No comunicado, a OMS enumerou sua atuação para proteger a saúde da população ao redor do mundo “abordando as causas básicas das doenças, construindo sistemas de saúde mais fortes e detectando, prevenindo e respondendo a emergências de saúde, incluindo surtos de doenças, muitas vezes em lugares perigosos onde outras pessoas não podem ir.”
Impactos para a saúde
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri classificou a decisão como “lamentável” e relembrou que a OMS é uma ação global de promoção à saúde.
“Uma das lições que a gente aprendeu com a pandemia é que ninguém está seguro em um mundo globalizado em que epidemias acontecem, como ebola, mpox e covid, com potencial até pandêmico, e o mundo fica sob risco de doenças que não são controladas em uma determinada região”, diz Kfouri. “Uma das principais vocações da OMS é olhar para o todo, proteger os menos favorecidos e fazer vigilância dos surtos”, completa o médico pediatra e infectologista, recém-nomeado como membro do Grupo Consultivo Estratégico sobre Doenças Preveníveis por Vacinas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O financiamento também é um ponto sensível na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem. Sem contar as taxas de associação, os Estados Unidos figuram como o principal financiador da entidade, com doações que correspondem a 20% do orçamento de 6,8 bilhões de dólares.
“Retirar (esse valor) vai afetar todos os trabalhos e iniciativas que a agência internacional faz, inclusive com problemas globais como tuberculose, malária, recente epidemia de mpox. Imagina se tiver uma nova pandemia. Como a OMS vai conseguir lidar com isso com um orçamento tão reduzido? Lembrando que o segundo maior contribuinte é a Alemanha, que contribui com três porcento do orçamento”, alerta Natalia Pasternak, professora na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).
A saída pode ainda reduzir o potencial tanto da OMS quanto de agências de saúde americanas de rastrear e vigiar potenciais riscos à saúde, a exemplo da circulação de patógenos.
“Os Estados Unidos vão deixar de ter uma troca de informações oficiais, perdendo acesso ao monitoramento que a OMS faz de novas ameaças, avaliação de novos medicamentos e vacinas, vigilância dos países. O CDC, que é a principal agência dos Estados Unidos, pode acabar ficando no escuro em relação a essa rede de informação, o que pode ser péssimo para a saúde pública do país”, explica Natalia.