A 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu, nesta terça-feira, uma liminar suspendendo o leilão marcado para esta quarta do terreno do Gasômetro, onde o Flamengo planeja construir o seu estádio. O juiz Marcelo Barbi Gonçalves acatou uma ação popular, movida por Vinícius Monte Custodio, para considerar nulo o decreto da Prefeitura do Rio de Janeiro que desapropriou a área no fim do mês passado. Veja abaixo os argumentos citados na petição:
Flamengo projeta dois setores populares sem cadeira em estádio no terreno do Gasômetro
“1) o legislador carioca não definiu se a desapropriação sucede diretamente pela hasta pública ou se o Município adquire provisoriamente o imóvel para então aliená-lo em hasta pública, remetendo essa definição para regulamento específico do Poder Executivo (art. 158, § 3º);
2) o Decreto nº 54.691/2024 é nulo por vício de forma, pois não indica a hipótese legal da desapropriação, o que é indispensável para a constituição válida do processo de desapropriação;
3) o Decreto nº 54.691/2024 e o Edital LP – SMCG nº 001/2024 são nulos por desvio de finalidade, pois a desapropriação deve visar à realização de uma necessidade ou utilidade pública, ou um interesse social, e não de um interesse privado;
4) a princípio, sem comunicação patrimonial, o Imóvel do Gasômetro não integraria o ativo da CEF, de modo que seria desnecessário prévia autorização presidencial, por não se tratar de ação, cota ou direito representativo do capital da estatal. Todavia, o FII Porto Maravilha só tem um único cotista, justamente a CEF, razão pela qual, apesar de formalmente incomunicável, materialmente o patrimônio do fundo pertence à empresa;
5) a CEF adquiriu todos os 6.436.722 certificados de potencial adicional de construção (Cepacs) da OUC Porto Maravilha em 2011, a um custo total de R$ 3.508.013.490,00 (R$ 545,00/cada), para viabilizar as principais intervenções da operação;
6) arguição incidental de inconstitucionalidade, aduz que o 1º Corréu é uma pessoa jurídica de direito público, e não um corretor de imóveis. Não lhe é dado apropriar-se de valores excedentes de hasta pública como se fosse uma corretagem pela viabilização da desapropriação”.
O juiz Marcelo Barbi Gonçalves escreveu o seguinte em sua decisão:
– O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo está configurado, tendo em vista que foi publicado edital do leilão presencial do domínio útil do Imóvel do Gasômetro (Edital LP – SMCG nº 001/2024), que está marcado para acontecer no dia 31 de julho de 2024, às 14h30, na sede do 1º Corréu. Ante o exposto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, para suspender o Decreto nº 54.691/2024 e o Edital LP – SMCG nº 001/2024 e, assim, o leilão presencial marcado para acontecer no dia 31 de julho de 2024, às 14h30, na sede do 1º Corréu.
A suspensão do leilão foi noticiada primeiro pelo site “Mundo Rubro Negro” e confirmada pelo ge, que teve acesso ao processo e também apurou que nesta terça a Justiça negou um recurso da Caixa Econômica Federal para impedir o leilão, após o banco ter o pedido de liminar negado na última segunda-feira.
Em seu recurso, a Caixa e o FII PM (Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha) argumentaram que “a administração pública se utilizou de medida extrema de intervenção na propriedade para interferir em negociação privada em andamento e favorecer clube de futebol específico, o qual já se tem publicamente como declarado vencedor do leilão, antes mesmo de sua realização”.
Responsável por julgar o recurso, o desembargador federal Sérgio Schwaitzer argumentou que “não há como concluir de maneira categórica pelo desvio de finalidade no ato expropriatório” alegando que todo o processo, desde a desapropriação ao leilão, então previstos na lei e que não é possível dizer que o Flamengo será o vencedor da hasta pública pois podem surgir concorrentes.
– A questão aqui discutida não é simples, mas não se vislumbra direito líquido e certo apto a reconhecer de plano a ilegalidade do ato com base em desvio de finalidade, de modo a autorizar a concessão da medida liminar em sede de mandado de segurança para declaração de nulidade do Decreto Municial nº 54.691, de 21 de junho de 2024 e consequente suspensão do leilão designado para o dia 31/07/24 – escreveu o desembargador.
Entenda o cenário e os próximos passos
Neste momento, o leilão marcado para esta quarta-feira está realmente suspenso. Mas a Prefeitura do Rio e o Flamengo podem recorrer da decisão da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro e contam com um instrumento jurídico para isso: o artigo 55, parágrafo 3 do Código de Processo Civil diz que “serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
O que isso significa? Em casos de ações conflitantes de diferentes juízes, existe no Direito o princípio da “prevenção”, que determina que todas devem ser julgadas pelo mesmo juiz ou desembargador que julgou o assunto primeiro. Caso esse argumento processual seja acatado, a análise do recurso será feita pelo mesmo desembargador que negou o pedido da Caixa e manteve o leilão.
Na noite desta terça-feira, a Procuradoria Geral do Município entrou com recurso na 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, usando os seguintes argumentos:
“(1) Lesão ao patrimônio da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e à moralidade administrativa;
(2) Vício de forma no decreto expropriatório, consistente na ausência de fundamentação legal e de motivação, a configurar um imaginário desvio de finalidade, seja pelo suposto direcionamento da licitação a um clube de futebol, seja pela utilização da desapropriação por hasta pública como “ferramenta de arrecadação para o tesouro municipal”;
(3) Necessidade de autorização do Presidente da República; e
(4) Inconstitucionalidade do art. 5º do Decreto 54.234/24 por transformação da desapropriação por hasta pública em instrumento de arrecadação”