Na última terça-feira, 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse fazer “votos” para que a eleição presidencial na Venezuela, marcada para o próximo dia 28, seja realizada “de forma tranquila” e que “o resultado seja reconhecido por todos.”
Não fosse Lula um defensor convicto da ditadura de Nicolás Maduro, poderia se dizer que ali falava um estadista, empenhado em convocar os cidadãos a exercerem seu direito de voto e a aceitarem o resultado como legítima expressão da vontade popular. É o que afirma o jornal O Estado de S.Paulo, em seu editorial desta quarta-feira, 17.
“Sendo Lula quem é, no entanto, seus ‘votos’ derivam de uma evidente falácia: partem do princípio de que as eleições na Venezuela serão livres e justas, e por essa razão seus resultados devem ser aceitos ‘por todos’, quando até a espada de Bolívar sabe que a ditadura de Maduro, seguindo o padrão habitual, está fazendo de tudo para minar as chances da oposição”, diz o Estadão.
Na Venezuela, com seus inúmeros presos políticos, sem imprensa livre e sem Judiciário independente, é muito improvável que a oposição vença, afirma o jornal. Esta é razão pela qual, mantidas as atuais condições absolutamente antidemocráticas, o vencedor para o qual Lula reclama antecipadamente o reconhecimento deverá ser o companheiro Maduro.
“Tudo muito conveniente para o lulopetismo, que agride a história e a inteligência ao sugerir que a Venezuela voltará à ‘normalidade’ (termo usado por Lula), na prática, se a oposição reconhecer a vitória de Maduro como legítima”, destaca o texto.
Além disso, Lula disse que gostaria de ver a Venezuela voltar “muito rapidamente” ao Mercosul, do qual foi suspensa justamente por violar as cláusulas democráticas do bloco.
Eleição não muda histórico ditatorial da Venezuela
Segundo a publicação, nem a simples realização de uma eleição – que nem livre é – não vai ser capaz de mudar o fato de que o regime venezuelano corroeu instituições, se estruturou na corrupção e solapou a vida a ponto de os cidadãos fugirem de forma massiva.
Foram essas, inclusive, as razões da suspensão da Venezuela do Mercosul. Aliás, o bloco não pode aceitar o país de volta sem que os direitos dos cidadãos venezuelanos sejam integralmente restabelecidos.
Com a vasta experiência político-eleitoral que possui, destaca o Estadão, Lula sabe muito bem como se dá um processo democrático justo. Nada do que ocorre hoje na Venezuela, e vem ocorrendo há anos, contém vestígios de democracia.
Do lado de lá, Maduro tem intensificado nas últimas semanas o cerco a eleitores potenciais da oposição, ao reduzir o prazo de registro de novos eleitores e ao exigir passaporte vigente e residência permanente de quem está no exterior na condição de refugiado ou que está à espera de asilo e que gostaria de votar.
De 3,5 milhões a 5,5 milhões de venezuelanos – 25% dos eleitores – enfrentam barreiras para votar fora do país e apenas 69 mil conseguiram se habilitar.
Além disso, observadores eleitorais da União Europeia foram barrados. Já do Brasil, foram convidadas entidades fiéis ao regime chavista, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz(Cebrapaz), por exemplo.
“É com base nessa farsa que Lula quer o reconhecimento por todos do resultado de um pleito no qual os detentores do poder articulam subterfúgios dos mais variados com a única finalidade de declarar a vitória de Maduro”, afirma o texto.
Mas é possível entender a aflição do chavismo e de seus simpatizantes no Brasil, afinal, pesquisas independentes mostram folgada liderança do candidato da oposição, o septuagenário Edmundo González, o único aceito pelo regime de Maduro depois de invalidar a candidatura da popular opositora María Corina Machado.
A poucos dias do pleito, seria improvável uma virada de Maduro, segundo o Estadão, fosse uma campanha eleitoral normal.
“Sendo a Venezuela o que é, a vitória da oposição depende exclusivamente dos cálculos de Maduro: se esse triunfo não desatar um processo de revanchismo, há uma remota possibilidade de que o ditador decida que chegou a hora de deixar o poder”, afirma a publicação. “E isso, ao contrário do que Lula quer fazer parecer, nada tem a ver com democracia.”