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Decisão do STF sobre jornais se assemelha a conceito do PL das fake news

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Na decisão sobre responsabilização de veículos, ministros replicaram trecho de projeto acerca de big techs que está parado na Câmara

Ao determinar que jornais podem ser responsabilizados por declarações feitas por entrevistados, o STF (Supremo Tribunal Federal) replicou um conceito considerado controverso do PL (Projeto de Lei) 2.630 de 2020, conhecido como PL das fake news

O projeto estabelece que as big techs sejam responsabilizadas civilmente por publicações indevidas de seus usuários. O texto também diz que quando houver patrocínio de desinformação, ou seja, quando um usuário paga a plataforma para que o conteúdo seja entregue a mais pessoas, a empresa será corresponsável pela publicação. 

O trecho foi rechaçado pelas plataformas, que afirmam que há incertezas sobre o que se enquadra para a remoção do conteúdo. 

Replicando esse conceito, o STF decidiu que empresas jornalísticas devem ser responsabilizadas civilmente por acusações “injuriosas” feitas por entrevistados. Na tese fixada pela Corte, fica determinada a responsabilização e remoção de conteúdos “comprovadamente injuriosos” –sem definir o que seria esse conceito. 

Na tese, o STF definiu que os jornais devem responder pela declaração se 1) na época da publicação havia “indícios concretos da falsidade da imputação” e 2) se o veículo deixou de verificar a existência dos fatos narrados. 

O PL das fake news está parado na pauta do plenário da Câmara desde maio. Nesse período, os ministros da Corte verbalizaram publicamente sobre a necessidade de uma legislação sobre o tema.

Em setembro, o ministro Alexandre de Moraes disse que o Congresso está “devendo” uma regulamentação sobre as redes sociais. O magistrado é um grande defensor da discussão e afirma que é necessária a responsabilização das big techs.

Na Corte, há duas ações que tratam da responsabilização das plataformas por conteúdos publicados paradas à espera de um avanço legislativo sobre o tema. As ações chegaram a entrar na pauta do Supremo em maio, mas foram retiradas a pedido dos relatores, os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. Os magistrados paralisaram a discussão para aguardar uma resposta do Congresso. 

O tema ainda não tem data para retornar à pauta do STF, mas o julgamento que estabeleceu a responsabilização dos jornais já pode ser considerado um indicativo de como a Corte deve agir em relação às big techs.

Segundo o especialista em liberdade de expressão Marco Antonio da Costa Sabino, sócio de Mannrich e Vasconcelos Advogados, no julgamento sobre os veículos de imprensa, a Corte “tentou colocar ordem na casa” em relação ao tema da desinformação. 

“Eu entendo que isso acontece numa tentativa do Supremo de coibir fake news. Entendo que o Supremo perfile numa vertente de combate à desinformação. Eu acho que de fato, considerando que já se passou em que não podia contar muito bem com Legislativo e muito menos com o Executivo”, afirmou ao Poder360.

Sabino afirma ainda que o avanço da Corte se dá diante da “inação” do Legislativo sobre o tema. 

“Ele [STF] tem que decidir, então ele decide coisas que o Congresso não quer decidir e o Congresso por conveniência também transfere o desgaste político Supremo”, completou. 

ENTIDADES E ESPECIALISTAS CRITICAM

Em resposta à decisão do STF, entidades de jornalismo afirmaram que haverá uma tendência à “autocensura” nos veículos de mídia. Já especialistas consultados pelo Poder360 afirmam que a regra é “impossível” de colocar em prática e pode inviabilizar alguns formatos de entrevista. 

Segundo André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão e direito digital e articulista do Poder360, a decisão pode prejudicar a publicação de reportagens. O advogado também afirmou que a tese inviabiliza as entrevistas realizadas “ao vivo” e deve tornar “desconfortável” a relação entre entrevistado e entrevistador.

Já Marco Sabino afirma que a norma pode aumentar a judicialização contra as reportagens, o que provocaria desgastes para as empresas. Ele diz acreditar em uma “onda de processos” até que a Justiça forme um entendimento a respeito do que é considerado “comprovadamente injurioso”, como diz a tese da Corte. 

ENTENDA O CASO

Em 29 de agosto, a Corte julgou uma ação que tratava de uma entrevista publicada em 1995 pelo jornal Diario de Pernambuco. No material, Ricardo Zarattini Filho (1935-2017) foi acusado por um entrevistado de ter participado de um ataque a bomba em 1966 que deixou 3 mortos no aeroporto de Guararapes. Zarattini foi militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e deputado federal pelo PT de São Paulo. Ele é pai do atual deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

No julgamento do caso concreto, em junho, os ministros decidiram, por 9 votos a 2, que o jornal deve ser indenizado pela acusação contra Zarattini. A partir disso, se formulou a seguinte tese: 

  • “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”;
  • “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (1) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

Eis o placar:

  • 9 votos a favor da responsabilização: Edson Fachin, Roberto Barroso (presidente), Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Nunes Marques;
  • 2 votos contrários: Marco Aurélio de Mello (relator) e Rosa Weber.

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