Antecipando o debate daquele que promete ser um dos grandes temas das eleições de 2026, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), bate de frente com o governo Lula na segurança pública e desponta como o único mandatário a não aderir, sequer parcialmente, à PEC da Segurança Pública.
“Querem colocar em pauta o Sistema Único de Segurança Pública. O Caiado desmascarou o presidente Lula na frente dele dizendo ‘você quer tirar prerrogativa de estados.’ Isso aí é dar poderes à bandidagem”, discursou Caiado durante o lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República.
Caiado é o governador mais resistente em relação à proposta do Ministério da Justiça de compartilhamento de bancos de dados entre as polícias, um dos pontos contemplados na PEC já acordado entre governo federal e governos estaduais. “Lá de Brasília querer achar que o iluminado vai saber como acontece a criminalidade na Bahia, no Ceará, em cada região do país”, afirmou na mesma ocasião, no início do mês de abril.
O acordo foi costurado no Consesp (Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública) junto ao Ministério da Justiça, comandado por Ricardo Lewandowski, e deixou o governador de Goiás isolado em sua posição. Contra a vontade de Caiado, ficou acordado que será implementado o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
Criado em 2018 ainda no governo Michel Temer (MDB), o sistema único para a segurança pública, nos moldes do SUS, nunca saiu do papel. As mudanças definidas entre governos estaduais e governo federal precisam ser votadas na PEC que tramita no Congresso Nacional, mas a existência de um acordo facilita a aprovação das medidas.
Vitrine de Caiado para as eleições de 2026
O governador de Goiás possui bons números e resultados para mostrar na segurança pública, a grande vitrine da gestão goiana. Ao se contrapor ao plano do governo federal para a área, Caiado busca pautar a discussão eleitoral antecipadamente sobre o tema e, com resultados para mostrar, deixar Lula na defensiva.
A violência no estado registrou queda de até 97,6% entre os anos de 2018 e 2024, conforme balanço da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO). No caso do roubo de cargas, o número caiu de 248 casos no primeiro semestre de 2018 para 6 no mesmo período do ano passado. Na sequência estão roubo de veículos, com queda de 93,7%, roubo a transeunte (88,5%), roubo a comércio (88,3%) e latrocínio, cujo índice caiu 84,7%. Em relação ao homicídio doloso, a redução foi de 57,2%. Mais da metade dos municípios goianos, 128 no total, não registrou nenhum assassinato em 2024.
Em 2025, a tendência de queda dos índices de criminalidade tem sido mantida. Os homicídios caíram 9,06% no primeiro trimestre, com 271 casos registrados neste ano e 298 casos no mesmo período do ano anterior. Os estupros também apresentaram queda expressiva de 17,89%, com 179 ocorrências contra 218 no mesmo período. A tentativa de homicídio registrou uma leve redução de 1,19%, saindo de 506 para 500 casos, enquanto o latrocínio, que é roubo seguido de morte, diminuiu 14,29%, com seis ocorrências neste ano e sete no mesmo período do ano anterior.
De acordo com pesquisa Quaest divulgada no final de fevereiro, Caiado tem um índice de 86% de aprovação entre a população de Goiás, com a área da segurança pública como uma das melhor avaliadas pelos eleitores.
“A segurança pública é uma grande vitrine do governo Caiado em Goiás para as suas pretensões presidenciais, ao mesmo tempo que é uma área em que o governo Lula não está bem avaliado, mostram pesquisas recentes”, afirma o cientista político Samuel Oliveira, vice-presidente do Movimento Voto Consciente.
Caiado antecipa debate da segurança pública na corrida presidencial
A violência é um dos focos de maior preocupação dos brasileiros atualmente, de acordo com pesquisa Genial/Quaest divulgada no início de abril. Os altos índices de criminalidade fazem com que 29% dos entrevistados apontem o problema como o maior do país.
O instituto de pesquisa ouviu 2.004 brasileiros entre os dias 27 e 31 de março. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o índice de confiabilidade da pesquisa é de 95%. Ciente da percepção do eleitor, o governo federal tenta correr atrás do problema para ter o que mostrar na hora da eleição presidencial no ano que vem.
“Como político habilidoso e inteligente que é, o Caiado está usando essa vitrine para fazer uma contraposição ao governo federal na área que certamente vai ser central nas eleições. Com a PEC, o governo Lula busca uma marca nessa área onde não tem nenhuma até agora. Caiado já tem essa marca para mostrar, então em certo sentido não quer ‘ajudar’ o Lula”, analisa Oliveira.
Com essa leitura, o governador goiano cobra autonomia do governo federal para gestão dos recursos na segurança, proposta que também é apresentada pelos mandatários que integram o Cosud, o consórcio de integração dos estados do Sul e Sudeste. Desde o ano passado, o grupo que tem os presidenciáveis Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ratinho Junior (PSD-PR), Eduardo Leite (PSD-RS) e Romeu Zema (Novo-MG) propõe até a discussão sobre a autonomia do estados em aprovar leis estaduais mais rígidas para combate ao crime. O assunto estava em pauta na próximo encontro dos governadores, marcado para o início deste mês no Paraná, mas a edição do Cosud foi adiada por incompatibilidade das agendas dos líderes estaduais.
Único pré-candidato do Centro-Oeste na briga por representar a oposição a Lula nas eleições de 2026, o governador goiano mostra sintonia com os demais postulantes a adversário do petista nas urnas. “Caiado mostra com os resultados, principalmente na questão da gestão dos recursos da segurança, que são quase todos federais, que o ente federado merece mais autonomia na condução da segurança pública”, comenta o cientista político. “O dinheiro deveria ser enviado aos estados independente de uma ação conjunta unificada”, completa.
Centralização da segurança pública no governo federal é criticada
O advogado Fernando Capano, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) especializado em Direito Militar e Segurança Pública, concorda com as críticas de Caiado ao plano federal. “As críticas fazem sentido. Toda proposta que possa aprimorar o texto constitucional neste assunto é bem-vinda, mas a PEC adota algumas premissas equivocadas ao trazer a gestão da segurança pública em grande parte para a esfera federal, sem considerar as diferenças e peculiaridades do país, que é muito grande”, afirma.
Na avaliação do especialista, ao invés de centralizar o controle e ações estruturantes de combate ao crime, a União pode funcionar como um polo de facilitação e viabilização da transferência de recursos orçamentários para financiar os estados, além de agilizar a troca de informações entre as diversas polícias.
Para Capano, uma das chaves do sucesso de Caiado na redução da criminalidade em Goiás é a valorização e investimento nas polícias do estado. “Para ter uma polícia boa, para além de investimento em equipamentos, formação e treinamento, é preciso valorizar o policial com um bom salário, é uma premissa básica. Hoje a polícia de Goiás é uma das mais bem pagas do país, junto com a do Distrito Federal. A relação disso com a queda da criminalidade não é uma coincidência.”
Enquanto o governo Lula segue em busca de uma marca na área, o governo de Goiás afirma que Caiado investiu, entre 2019 e 2024, R$ 17 bilhões na área de segurança como um todo. O salário inicial para um soldado da polícia militar de Goiás é de R$ 7.452,68 em 2025. Na média, as remunerações dos PMs do estado chegam à casa dos R$ 13 mil por mês. Na Polícia Civil, os salários iniciais partem de R$ 6.865,56 por mês.
Procurado pela Gazeta do Povo para responder às críticas de Caiado sobre a PEC da Segurança Pública, por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu.