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Big Brother tributário: revogação de norma do Pix não reduzirá fiscalização da Receita

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Receita Federal deve continuar com acompanhamento intenso das transações financeiras (Foto: Ilustração: Vandré Kramer/Gazeta do Povo com DALL-E)

O anúncio da revogação da instrução normativa que ampliava o monitoramento sobre transferências via Pix, nesta quarta-feira (15), festejada nas redes sociais e pela oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não vai impedir o aumento e aprimoramento da fiscalização por parte da Receita Federal (RFB).

A medida, que passou a vigorar em janeiro, previa que instituições de pagamento, como operadoras de cartão e carteiras digitais, enviassem dados à Receita quando valores ultrapassassem R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para empresas. Até então, apenas os bancos tradicionais apresentavam informações sobre transações, sobre o montante global movimentado ou o saldo, em cada mês, por tipo de operação financeira.

Para tributaristas ouvidos pela Gazeta do Povo, a instrução da Receita tentava apenas acrescentar uma camada a mais de fiscalização ao aparato que já existe. Mas o movimento da Receita de intensificar o combate à sonegação é permanente.

“O propósito do Fisco é pegar todos que estão irregulares, a Receita já tem instrumentos para isso e faz parte do jogo”, diz a tributarista Maria Carolina Gontijo. “Costumo dizer que declarar é a cada ano mais difícil. Este ano será mais fácil do que em 2026 e assim por diante.”

Tatiana Migiyama, professora especialista em Gestão Tributária da Fundação Instituto de Pesquisa Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), reforça que a RFB tem diversos convênios estabelecidos com órgãos reguladores, entre eles o Banco Central, além de estados e municípios para o repasse de informações financeiras.

“Inegável que a norma da RFB facilitaria o trabalho da fiscalização. Mas já existe um grande big brother fiscal em vigor, e este aparato deve se intensificar”, diz ela.

Revogação pode trazer “falsa tranquilidade”

Segundo a professora da Fipecafi, a revogação deve trazer um alívio para algumas pessoas, mas é preciso continuar atento à necessidade de formalização. “É possível sim que parte da sociedade, que ainda trabalha na informalidade, como autônomos e freelancers, e que ainda não informam devidamente ao fisco a receita e ganhos obtidos com seus negócios, fiquem mais tranquilos”, diz.

“Porém, com os convênios de informações, a Receita ainda poderá questionar. Por isso a recomendação é sempre informar e tributar devidamente a renda e ganho auferido por meio de carne leão, para não cair na malha fina.”

Luciano Burti, do CBLME Advogados admita limitações do Fisco, mas reforça a recomendação. “Já existe meios de fiscalização para monitorar os contribuintes ainda que não tão direto como o caso do PIX”, diz . “Em nenhuma hipótese é recomendável a omissão de receita ou sonegação.”

Gontijo, por outro lado, destaca que a revogação pode criar uma “ilusão de tranquilidade” para informais e pequenos empreendedores. “O governo resolveu revogar a norma por uma opção para preservar de capital político diante de tanta repercussão”, afirma.

“Mas a gente continua com os mesmos controles bancários, ou seja, vai mudar pouquíssima coisa. Não quer dizer que a fiscalização vai ser afrouxada. As pessoas podem ter essa falsa sensação ‘se o governo revogou, agora não está fiscalizando’. Não caiam nessa.”

Repercussão negativa inviabilizou medida

A decisão de revogar a norma foi tomada após a repercussão negativa da medida sair do controle. Desde a divulgação da norma pela Receita, o assunto se intensificou nas redes sociais. Memes e vídeos produzidos com ajuda de inteligência artificial viralizaram. Um vídeo do deputado Nikolas Ferreira teve 200 milhões de visualizações, 20 vezes mais que um de Lula, desmentindo a taxação.

Na tarde desta quarta-feira, o presidente chamou ministros às pressas ao Palácio do Planalto e determinou a suspensão da medida. O entendimento foi que, se não houvesse recuo, a oposição continuaria criando um clima de desconfiança sobre o Pix. Por isso foi anunciada também a edição de uma medida provisória para assegurar que as transferências realizadas pela ferramenta não possam ser tributadas.

“A medida provisória reforça os princípios tanto da não oneração, da gratuidade do uso do Pix, quanto de todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do Pix, que foram dois objetos de exploração por parte dessas pessoas que estão, na nossa opinião, cometendo um crime – porque, quando você desacredita um instrumento público, você está cometendo um crime”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após a reunião no Palácio do Planalto.

Na mesma ocasião, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, atribuiu a revogação às “fake news” de que as transferências via Pix seriam taxadas. “As pessoas distorceram um ato da Receita do Brasil”, disse. “Então decidimos revogar esse ato.”

Barreirinhas afirmou também que o órgão, juntamente com a Advocacia Geral da União e a Polícia Federal, irá investigar e responsabilizar as pessoas que disseminaram fake news e fizeram o uso do nome e do símbolo da Receita para dar golpe.

O problema não foi apenas desinformação

Para Migiyama, no entanto, as críticas não foram apenas fruto de desinformação. “A fake news tratada pelo governo residia na tributação do Pix, que realmente não existia”, afirma.

“Mas havia sim um facilitador para a RFB autuar e questionar os contribuintes que trabalham “na informalidade” com o envio de informações de transações via pix pelas instituições financeiras. Pois poderia considerar que o contribuinte estivesse omitindo renda tributável.”

A RFB justificava que o objetivo da instrução normativa não era atingir os pequenos, mas combater a lavagem de dinheiro e os grandes sonegadores. Também argumentou que não haveria quebra de sigilo, já que as informações das transações não abarcariam a origem e o destinatário.

“Mas se sabe que a fiscalização seria para quem estivesse fazendo estas transações em sua conta. Esta pessoa que poderia ser fiscalizada e, possivelmente, questionada sobre omissão de tributação sobre determinado valor, que seria renda tributável, na visão do Fisco”, explica Migiyama.

Para Gontijo, houve uma reação amplificada pelo entendimento equivocado de que haveria um cruzamento automático dos dados de movimentação do Pix com a Receita. “Não seria assim, de uma hora pra outra”, explica. “Seria preciso avaliar as movimentações ao longo do tempo.”


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