O ministro Alexandre de Moraes votou nesta sexta-feira (21) para condenar a 14 anos a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a estátua “A Justiça” com batom. O voto foi publicado no plenário online do Supremo Tribunal Federal (STF) por volta das 11h e pode, ou não, ser seguido pelos demais magistrados da Corte. O julgamento segue até a próxima sexta-feira (28).
Assim como nas ações anteriores relacionadas ao 8 de janeiro, Moraes afirma que existiu crime de multidão, em que todas as pessoas presentes durante os atos seriam consideradas culpadas pelas ações registradas.
“A invasão aos prédios públicos se deu em contexto de crime multitudinário, ou de multidão delinquente, sendo dispensável, portanto, a identificação de quem tenha efetivamente causado os inúmeros danos acima exemplificados e descritos nos relatórios constantes dos autos, e evidenciando-se que os líderes e responsáveis efetivos deverão responder de forma mais gravosa, nos termos da legislação penal”,
Portanto, ainda que Débora não tenha entrado em prédio público e a prova existente contra ela sejam fotos escrevendo, com batom, na estátua “A Justiça”, o ministro entendeu que deve ser condenada pelos crimes de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado, e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União. O voto foi pela condenação a 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção (imagem abaixo).
O ministro também estabeleceu o pagamento de uma multa de R$ 30 milhões pelos estragos causados aos prédios públicos. O valor deve ser dividido entre os demais envolvidos nos atos do 8 de janeiro que forem condenados.
Segundo os advogados Hélio Junior e Taniélli Telles, “tal decisão ignora os princípios fundamentais da proporcionalidade e da individualização da pena, tornando-se um marco vergonhoso na história do Judiciário brasileiro”, afirmam. “Condenar Débora Rodrigues por associação armada apenas por ter passado batom em uma estátua não é apenas um erro jurídico — é pura perversidade”, continuam.
“Tal decisão ignora os princípios fundamentais da proporcionalidade e da individualização da pena, tornando-se um marco vergonhoso na história do Judiciário brasileiro”Hélio Junior e Taniélli Telles, advogados de defesa da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos
Débora deve ser colocada em liberdade imediatamente, afirmam advogados
Ainda de acordo com, a defesa, mesmo diante da condenação ‘absolutamente injusta”, a ré “preenche os requisitos legais para a progressão de regime e deveria ser colocada em liberdade imediatamente”, informam.
Em nota encaminhada à Gazeta do Povo, a defesa explica que o artigo 112, § 3º, da Lei de Execução Penal (LEP), alterado pela Lei nº 13.769/2018, estabelece que mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência podem obter progressão de regime ao cumprir 1/8 da pena, e Débora já está presa há dois anos.
Os advogados apontam ainda que aguardarão atentamente os votos dos demais ministros, na expectativa de que prevaleça a justiça e Débora (imagem abaixo, disponível no voto de Alexandre de Moraes) seja absolvida. “Não desistiremos até que ela recupere sua liberdade, adotando todas as medidas legais cabíveis, no Brasil e no exterior, para reverter essa condenação injusta”.
Defesa solicitou que julgamento fosse presencial, mas pedido foi negado
Assim que o julgamento online foi agendado, na última semana, a defesa da cabeleireira solicitou ao STF que Débora fosse julgada presencialmente para permitir sustentação oral em tempo real pelos advogados. Na petição, a defesa destacou que o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é de que os julgamentos do 8/1 sejam retirados do plenário virtual devido à importância da sustentação oral na defesa dos réus.
No entanto, Moraes negou o pedido esta semana sob argumento de que “o julgamento em ambiente virtual não prejudica a discussão sobre a matéria”. No plenário online, os advogados enviam um vídeo que pode, ou não, ser assistido pelos julgadores.
Débora passou mais de um ano sem denúncia e defesa aponta “acusações genéricas”
Moradora de Paulínia, em São Paulo, Débora tem 38 anos, e foi presa em 17 de março de 2023, alvo da oitava fase da Operação Lesa Pátria, deflagrada pela Polícia Federal (PF). Ela passou mais de 400 dias na prisão sem denúncia — quase 12 vezes mais que o prazo estabelecido em lei —, e seus advogados garantem que as acusações contra ela são “genéricas”.
Em junho de 2024, o jurista Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado, afirmou à Gazeta do Povo que indivíduos que picham, grafitam ou sujam algum monumento costumam ser punidos com pagamento de cestas básicas, pois se trata de “crime de menor potencial ofensivo”.
No entanto, reportagem publicada em janeiro deste ano mostrou que, entre a elite do poder estatal, há a tese de que os participantes das manifestações do 8/1 merecem tratamento análogo ao de criminosos hediondos e, em alguns casos, pior que o dispensado a narcotraficantes.
Além disso, Chemim informou em 2024 que Débora poderia aguardar sentença em casa, com seus filhos, pois o artigo 318 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz pode substituir a prisão preventiva por domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos de idade. “Inclusive, em 2018, o STF concedeu Habeas Corpus coletivo [143641/SP] para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação”, recordou o jurista. A jurisprudência também não foi aceita no caso de Débora.