Discursando para milhares de manifestantes na Avenida Paulista neste domingo (6), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a defender a anistia para os presos de 8 de janeiro e arriscou até mesmo uma frase em inglês para chamar atenção internacional para o que considera “injustiças” nos julgamentos, afirmando que até mesmo um pipoqueiro e um sorveteiro foram condenados por tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro também citou o caso da cabeleireira Débora Rodrigues, que ficou dois anos presa após ter pichado com batom a frase “perdeu, mané” na estátua “A Justiça” durante os atos de 8 de janeiro. O julgamento dela ainda não foi concluído, mas os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino já votaram para que ela seja condenada a 14 anos de prisão. A mãe e a irmã de Débora apareceram ao lado de Bolsonaro no caminhão de som. “Nós estamos aqui, em grande parte impulsionados pelo episódio da Débora”.
“Não tenho adjetivo para qualificar quem condena uma mãe de dois filhos a uma pena tão absurda, por um crime que ela não cometeu. Só um psicopata para falar que aquilo que aconteceu no dia 8 de janeiro foi uma tentativa armada de golpe militar e condena essas pessoas de baciada”,
Sobre uma eventual prisão sua, Bolsonaro disse que não vai fugir. Na semana passada ele se tornou réu em um processo de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito e outros crimes, como liderar organização criminosa.
“Se acham que eu vou desistir, que eu vou fugir, estão enganados. Eu fiz um juramento, eu cumpro. Defender minha pátria com o sacrifício da própria vida. O que eles querem? Não me prender. Eles querem me matar, porque eu sou um espinho na garganta deles, porque eu mostrei pra vocês que o Brasil tem jeito”,
Bolsonaro também provocou Moraes, relator do inquérito do suposto golpe. “Se ele salvou a democracia, por que que ele viaja no avião da FAB [Força Aérea Brasileira] para assistir ao jogo do Corinthians?”, disse, em referência a reportagens da imprensa que destacaram que o ministro usou aeronave oficial para ir a São Paulo um dia antes do jogo do time paulista.
Bolsonaro lembrou ainda que, em 30 de março, a esquerda realizou, também na Avenida Paulista, um evento em que falaram contra a anistia e pediram a prisão de Bolsonaro. Ele, então, disse:
“Quanto à anistia, eles já perderam essa guerra: a grande maioria do povo brasileiro entende as injustiças e agora se socorrem na nossa Câmara Federal, no Senado federal, para fazer justiça. E anistia é competência privativa do Congresso Nacional. Caso eles votem e o projeto seja sancionado ou promulgado, vale a anistia”,
A oposição realizou sua primeira manifestação de rua após o ex-presidente ser declarado réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado. Este, porém, já é o quinto ato convocado por Bolsonaro desde que ele deixou o Palácio do Planalto. Milhares de pessoas lotaram ao menos três quadras da Avenida Paulista neste domingo.
Presidente Jair Bolsonaro em discurso na Av Paulista, SP
— Vandinha (@reinodepaz) April 6, 2025
pela Anistia
"Se estivesse no Brasil, na noite de 08/01 seria preso e estaria apodrecendo na cadeia, ou quem sabe, assassinado!"
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Expectativas para as eleições de 2026
Além de falar de anistia, Bolsonaro criticou o presidente Lula, por suas posições geopolíticas e condução do país, e mencionou brevemente as eleições de 2026.
Ele afirmou que negar a participação dele no pleito do ano que vem é “negar a democracia” e “escancarar a ditadura do Brasil”. Bolsonaro está inelegível até 2030, por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma delas é referente a uma reunião com embaixadores, antes das eleições de 2022, em que o então presidente questionou o processo eleitoral brasileiro. “Se o voto é uma democracia, a contagem pública do mesmo se faz necessária”, acrescentou.
O ex-presidente lembrou ainda que o TSE terá um perfil de “isenção” nas eleições do ano que vem, quando será presidido pelo ministro Kassio Nunes Marques e terá André Mendonça na vice-presidência, ambos indicados por ele ao STF.
Ele, porém, lembrou que “o atual sistema” está buscando “cada vez mais” tirar do páreo lideranças de direita. Além do seu caso, ele mencionou a inelegibilidade do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), que esteve presente na manifestação e foi condenado em primeira instância por abuso de poder político.
Filho 03 e Filipe Martins são lembrados em discurso de Bolsonaro
Além de demonstrar otimismo com a mudança da composição do TSE no ano que vem, Bolsonaro disse que “tem esperança” de que alguma ação internacional possa beneficiar o movimento pró-anistia. Ao falar isso, ele mencionou que seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal licenciado, está nos Estados Unidos e que tem contatos importantes no mundo todo.
Na sequência, Bolsonaro lembrou o caso de seu ex-assessor, Filipe Martins, que ficou preso por seis meses após o 8 de janeiro, sob a alegação de “risco de fuga” devido a registros de que ele teria viajado com Bolsonaro aos Estados Unidos no final de 2022. A defesa de Martins, porém, apresentou provas de que ele não viajou ao país.
“Por que não perguntaram para mim ou para o [tenente -coronel Mauro] Cid [que foi delator no inquérito do golpe] se ele estava no voo [para os EUA] ou não?”, provocou, lembrando que nas próximas semanas a justiça americana deve começar a investigar se houve fraude no registro migratório de Martins no país.
Manifestação da Paulista visa pressionar deputados para aprovação do PL da Anistia
Ainda na semana passada, Bolsonaro expressou confiança em uma alta participação de manifestantes para pressionar o Congresso a votar e aprovar o projeto de lei de anistia aos presos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023.
Nas últimas semanas, parlamentares da oposição tentaram obstruir a agenda da Câmara dos Deputados para forçar o presidente da Casa, Hugo Motta, a pautar com urgência o projeto. A estratégia, porém, falhou devido à resistência de Motta em se indispor com o governo e o STF. Assim, a oposição agora busca aumentar a pressão através de uma grande mobilização popular.
Neste domingo, ao discursar na Paulista, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do partido na Câmara, afirmou que a partir de segunda-feira (7) serão divulgados os nomes e as fotos dos 162 parlamentares que já assinaram requerimento de pedido de urgência para a tramitação do projeto de lei.
“Até quarta-feira teremos as 257 assinaturas, se Deus quiser, e aí será pautado na Câmara dos Deputados”, disse. “Ninguém vai nos parar até que a anistia seja aprovada”, afirmou.
O senador Rogério Marinho (PL-RN) defendeu a iniciativa, argumentando caber ao Legislativo a aprovação da lei. “A anistia que está sendo vilipendiada por aqueles que não querem a reconciliação do país, é uma prerrogativa do Congresso brasileiro. Não pertence ao Supremo Tribunal Federal, não pertence ao presidente da República, não pertence aos órgãos de imprensa. Pertence àqueles que são os legítimos donos do Brasil, que é o povo brasileiro. Por isso estamos em praça pública”, declarou.
Apesar das dificuldades em convencer as lideranças do Congresso a pautar o PL da anistia, a direita conta com o apoio de ao menos sete governadores, que estiveram presentes no ato deste domingo:
- Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo;
- Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais;
- Ratinho Jr. (PSD), do Paraná;
- Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina;
- Wilson Lima (União), do Amazonas;
- Ronaldo Caiado (União), de Goiás;
- Mauro Mendes (União), de Mato Grosso.
Batom vira símbolo da manifestação na Paulista
O batom se tornou um símbolo da manifestação, estando presente em cartazes, faixas e balões. Trata-se de uma referência ao caso da cabeleireira Débora Rodrigues, que ficou presa preventivamente por dois anos por ter escrito, com batom, a frase “perdeu, mané” na estátua “A Justiça” durante os atos de 8 de janeiro. Débora ainda não foi julgada, mas o ministro Alexandre de Moraes, que recentemente a mandou para a prisão domiciliar, votou para condená-la a 14 anos de prisão.
O caso foi lembrado em diversos discursos de líderes da direita neste domingo.
“Pichação, grafite e qualquer outra forma de danificar monumento ou prédio urbano, a pena é de três meses a um ano e multa que varia de R$ 800 a R$ 10 mil. A nossa Débora pegou 14 anos de prisão com multa de R$ 30 milhões, ou seja, a cada ano ela terá que pagar R$ 1 milhão”, disse a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A deputada Caroline De Toni (PL-SC), também citou o caso da cabeleireira e o do Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, o Clezão, que morreu em novembro de 2023, por um mal súbito, no Complexo Penitenciário da Papuda. “Não podemos admitir que pessoas que não tinham nenhuma passagem pela polícia, que são inocentes, estejam sendo condenados a 14 anos, 17 anos de prisão, injustamente. A Gianni, esposa do Clezão, está aqui para provar. Ele teve uma sentença de morte”, disse a deputada.