O setor produtivo brasileiro, agricultores e congressistas de oposição alertam para o risco de uma explosão de casos de invasões de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por todo o país em abril. Segundo o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), existe a possibilidade de um número recorde de invasões em decorrência do “Abril Vermelho”, período considerado crítico pelos agricultores e representantes do setor produtivo.
Segundo Lupion, o MST programa o que chamou de um “Abril Vermelho Recorde” e atribuiu essa possibilidade à aproximação e aos acenos constantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao movimento. Enquanto ignora setores produtivos ligados ao agro, Lula tem participado de atos com o MST e indicou liberação milionária do Orçamento de 2025 em benefício do movimento social.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária avalia que o governo deveria priorizar diálogos com segmentos que representam o setor produtivo do agronegócio e não estar cada vez mais próximo exclusivamente do MST.
“Em vez de sentar com os produtores rurais, se senta com os invasores das propriedades desses produtores”, criticou o parlamentar. Ele ressaltou ainda que a produção do MST não é suficiente para alimentar os brasileiros nem foi capaz de baixar o preço da comida nos supermercados, condição que foi responsável pelo avanço da inflação.
Outros deputados da oposição também estão preocupados e pedem ações preventivas das forças de segurança para a garantia da segurança jurídica e do direito à propriedade. Temerosos com o que está por vir, eles se reuniram para tratar das ações do MST no chamado “Abril Vermelho”.
O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) afirma que o “Abril Vermelho” do MST não passa de uma campanha de crimes contra a propriedade privada e de caos no campo. “O Brasil não pode aceitar que grupos organizados incentivem a desordem e ameacem produtores que geram emprego e alimento para nossa população. Temos que criar mecanismos para impedir esse absurdo”, afirmou.
Além dele, o deputado Rodrigo Valadares (União-SE) avalia que o movimento tem o objetivo de transformar o mês de abril em “baderna”. “Invasão de terra é crime. O direito à propriedade deve ser respeitado. É um grupo com viés ideológico, que sai cometendo uma série de ilegalidades, prejudicando agricultores e comprometendo a segurança no campo. Precisamos dar um basta nisso”, salientou.
O presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), também manifestou preocupação e disse que o colegiado dará uma resposta à altura aos invasores de propriedade. Segundo ele, o grupo fiscalizará cada passo do MST durante o “Abril Vermelho”. “Não toleraremos um milímetro de ilegalidade por parte desses invasores de propriedade privada. A cada crime cometido, daremos uma resposta”, enfatizou.
Os parlamentares e produtores cobram ações integradas do governo com as diferentes forças de segurança para evitar invasões em massa. Eles reforçam que os diferentes segmentos ligados aos agricultores estão em vigilância.
O “Abril Vermelho” do MST é uma mobilização anual organizada em razão do episódio que ficou conhecido como Massacre de Eldorado do Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996. Na ocasião, 19 sem-terra morreram em confronto com a polícia.
Durante o mês de abril, o MST intensifica suas ações, o que inclui invasões de terras, ocupações de prédios públicos e manifestações para pressionar o governo por avanços na reforma agrária. Tradicionalmente, esse movimento resulta em um aumento significativo no número de propriedades rurais invadidas em todo o Brasil, o que leva preocupação ao campo.
A Gazeta do Povo procurou o MST para saber de sua programação e ações previstas para o “Abril Vermelho”, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
FPA prepara pacote anti-invasão e articulação com forças de segurança
Segundo o presidente da FPA, já se observava uma escalada das ações antes mesmo do início do mês de abril, com cinco invasões registradas até março. Pedro Lupion avalia que esse cenário representa uma ameaça à segurança jurídica e à produção agropecuária. “Estamos diante de um ambiente de instabilidade, incentivado pelo próprio governo federal, que cede às pressões políticas desses grupos”, afirma.
Para conter o avanço das invasões, a FPA está mobilizada no Congresso com um conjunto de propostas legislativas que endurecem as penas para ocupações ilegais e agilizam a reintegração de posse. Entre as principais medidas está o Projeto de Lei 8262/2017, que permite ao proprietário rural acionar a polícia para a retirada imediata de invasores, sem a necessidade de mandado judicial. Outra proposta, o PL 1373/2023, impede o acesso a programas de reforma agrária e a linhas de crédito para quem participar de invasões.
Além disso, a Frente tem dialogado com o Ministério da Justiça, o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público e o Poder Judiciário para garantir que a lei seja cumprida. “Exigimos que haja resposta imediata das forças de segurança. Também acionamos o Conselho Nacional de Justiça para discutir a atuação de magistrados em regiões críticas, como nos casos recentes da Bahia e do Espírito Santo”, explica Lupion.
Outro ponto de preocupação da bancada ruralista é o Decreto 11.637, que aumenta a pontuação de acampados na fila da reforma agrária. Isso porque o acesso ao recebimento de doações de terra do governo é feito por um sistema de pontos. Quem obtém maior pontuação recebe terras primeiro.
Para o presidente da FPA, essa regra premia a ilegalidade e incentiva novas ocupações. “O governo institucionaliza a invasão como caminho preferencial para acessar políticas públicas. A FPA já estuda mecanismos para sustar os efeitos desse decreto e propor ajustes legais que restabeleçam a ordem e o respeito à propriedade privada”, afirma.
A Frente Parlamentar também denuncia o que considera um desvio de prioridade no orçamento federal. “Isso demonstra o aparelhamento da máquina pública e o uso político do orçamento. Nosso compromisso é com os produtores que cumprem a lei e movem a economia brasileira”, destaca.
“A FPA trabalha para garantir que recursos públicos não sejam utilizados para premiar a ilegalidade. O Congresso precisa dar uma resposta firme e objetiva a essa escalada de violência no campo”, destaca Lupion.
Senadora alerta para acenos do governo Lula ao MST e recursos milionários no Orçamento
A senadora Tereza Cristina (PP-MS), vice-presidente da FPA, criticou a destinação por parte do governo de cerca de R$ 750 milhões no Orçamento para políticas ligadas ao MST, o que fomentaria a aproximação da gestão petista com o movimento. Para a senadora, a agricultura é uma só e deveria contemplar desde a grande agricultura com o seguro rural, bem como toda a agricultura familiar do país.
Para ela, destinar recursos milionários ao MST parece ser “uma medida eleitoreira”. A senadora, que foi ministra da Agricultura no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), disse que é contra a forma como a destinação de recursos ao movimento tem sido feita, mas afirma que a produção agrícola das famílias precisa ser incentivada.
“Tem que dar [o recurso] todo à agricultura familiar”, reforçou ao lembrar que todos têm os mesmos direitos com condições para produzir. Em uma entrevista ao Estadão, a senadora chegou a dizer que a “assusta ver uma coisa dirigida para o MST”.
Em abril do ano passado, somente nos primeiros 15 dias do mês, o MST havia invadido pelo menos 24 áreas em 11 estados diferentes. Foram pelo menos 33 áreas ocupadas ilegalmente durante o mês de abril de 2024.
“Produtores rurais – que são os verdadeiros donos de suas áreas – não têm segurança jurídica no Brasil e toda vez que o governo faz um aceno, seja ao MST seja a comunidades indígenas comprando terras, como foi o caso da Itaipu, dá um sinal verde para que esses grupos sigam suas trajetórias de invasão. Passa-se o recado que não há punição nem represálias”, reforça o especialista em Direito Agrícola Eduardo de Souza.
MPF se exime e deixa reforma agrária nas mãos de Lula
Além do risco de invasões em massa no “Abril Vermelho” do MST, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu no mês de março arquivar uma investigação sobre a política de reforma agrária adotada pelo governo Lula e as supostas irregularidades apontadas em um documento publicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no ano de 2023. A representação questionava o tratamento dado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e alegava que haveria favorecimento indevido na seleção de beneficiários e no repasse de terras.
O MPF concluiu que a definição e implementação da reforma agrária são prerrogativas do Executivo, e cabe ao governo decidir como conduzir essa política dentro da sua discricionariedade administrativa.
Para o advogado Luiz Augusto Módolo, que propôs a ação de investigação, decisões como essa são um estímulo para novas invasões. “O governo é um aliado forte dos sem-terra. Os favorece […] e nada acontece”, lamenta.
A análise do MPF diz que as medidas adotadas pela atual gestão fazem parte de políticas públicas legítimas, dentro da discricionariedade administrativa, e que não cabe ao Ministério Público Federal interferir nas escolhas do Executivo.
“Isso porque, por se tratar de política pública (mérito administrativo), tais questões extrapolam o âmbito de atribuições deste órgão ministerial, que não pode substituir o gestor em suas escolhas para impor a forma como a agenda de reforma agrária deve ser conduzida no país, já que tal campo é próprio da discricionariedade administrativa”, diz trecho da decisão.
A investigação também verificou que as seleções para assentamentos seguiriam critérios legais e continuam disponíveis ao público por meio da Plataforma de Governança Territorial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Além disso, o MPF diz que foi constatado que outros movimentos sociais também receberam documentos semelhantes ao do MST, afastando a alegação de privilégio exclusivo.
Um dos pontos ainda em análise é a legalidade da titulação de terras para associações e cooperativas de assentados. O MPF sugeriu que essa questão seja discutida pelo Grupo de Trabalho Terras Públicas da instituição, para definir um posicionamento nacional.
O advogado Luiz Augusto Módolo já protocolou recurso contrário à decisão do MPF. O recurso reiterou que a gestão de Lula está favorecendo o MST na formulação e implementação de políticas públicas, sem critérios de seleção transparente ou processos de licitação. Ele também questionou o uso de recursos públicos e mudanças normativas que atenderiam exclusivamente às demandas do movimento.
A principal base da representação é o Caderno de Respostas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, publicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República há dois anos. Segundo o advogado, o relatório revelou que diversas reivindicações do MST foram acolhidas pelo governo, incluindo a revogação de normas que dificultavam a ocupação irregular de terras e a ampliação dos critérios de pontuação para beneficiários da reforma agrária.
Ele trata do Decreto 11.637/2023, que aumentou a pontuação atribuída às famílias acampadas na seleção para reforma agrária. O objetivo declarado da medida era priorizar supostos agricultores em situação de extrema precariedade, especialmente no que diz respeito ao direito à moradia. A pontuação para acampados passou a corresponder a 16% do total disponível no processo de seleção, equiparando-se a critérios como número de membros na família e tempo de residência no município.
“Esse decreto tem sido apontado como um incentivo indireto a novas ocupações de terras. Isso porque a pontuação elevada para acampados pode estimular a mobilização de famílias para áreas ocupadas, em vez de priorizar aqueles que já estão estabelecidos em atividades agrícolas”, alerta o especialista em Direito Agrícola Eduardo de Souza.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifestou preocupação com essa política e pretende atuar para revogar ou modificar a regra. A entidade afirma que a mudança pode gerar insegurança jurídica e favorecer invasões.
Outro aspecto destacado na representação contra o MST é a titulação de terras a associações e cooperativas ligadas ao MST, contrariando a Lei 8.629/1993, que proíbe a inclusão de pessoas jurídicas como beneficiárias da reforma agrária. O documento sugeria que essa medida pode resultar na perpetuação da influência do MST sobre os assentados, em vez de garantir a autonomia dos beneficiários.
Além das mudanças na política agrária, a denúncia apontou também que o governo tem ampliado o papel do MST em pautas diversas, como direitos reprodutivos e políticas LGBT+, e trata o movimento como um interlocutor legítimo em temas que extrapolam sua atuação tradicional.
Também se questionou a presença de dirigentes do MST em comitivas presidenciais e a possibilidade de membros do governo assumirem postos no movimento após o término do mandato.
A representação pedia – e o recurso agora reforça – que o MPF analisasse cada ponto abordado no Caderno de Respostas para verificar se houve desvio de finalidade ou violação aos princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Outro pedido foi para que os órgãos federais envolvidos na implementação dessas medidas sejam responsabilizados e que o Congresso Nacional seja acionado para avaliar a edição de decretos legislativos que possam sustar eventuais normas consideradas inconstitucionais.